A Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) declarou que o Estado brasileiro é responsável por violar os direitos de 171 comunidades quilombolas de Alcântara, no Maranhão.
No anúncio, realizado nesta quinta-feira (13) e transmitido no canal do Youtube da Ong Justiça Global, a corte determina que o Brasil indenize as comunidades pelos danos materiais e imateriais sofridos ao longo dos anos.
Além disso, a decisão determina que o Estado brasileiro conclua a demarcação dos 78 mil hectares do território, garantindo a posse coletiva das comunidades, e realize a retirada de invasores da área pertencente aos quilombolas.
“A gente fica emocionado de ver que não foram em vão esses anos de luta, de desgaste, de embate”, diz Neta Serejo, quilombola e presidente do Movimento dos Atingidos pela Base Espacial de Alcântara (Mabe). “Ver que o Brasil tem que cumprir a titulação do nosso território e indenizar e reparar todos os danos… Isso é muito importante”, comemora.
As violações se concentraram a partir do processo de instalação e operação de uma base militar de lançamento de foguetes no território, entre as décadas de 70 e 80.
A instalação da base implicou na remoção forçada de 312 famílias de 32 comunidades, gerando impactos de longo prazo nos modos de vida dos moradores, como restrições à circulação, ao uso dos recursos naturais e interferência em atividades cotidianas dos quilombolas, como a prática da pesca.
Para a liderança quilombola Maria do Nascimento, a decisão representa um ato de reparação pelo que os moradores da área sofreram ao longo do processo de invasão das suas terras. “Reparação essa onde o mesmo tem a obrigação a titular o território étnico de Alcântara, reparar todas as perdas que nossos antepassados tiveram ao longo dos anos”, diz Nascimento, que integra o Movimento de Mulheres Trabalhadoras de Alcântara (Momtra). “Para nós, enquanto movimento, enquanto mulheres, é muito importante a gente ver que, buscando e resistindo, a gente consegue”, celebra.
Histórico da luta
Alcântara, na região metropolitana da capital maranhense São Luís, concentra a maior população quilombola do país. De acordo com levantamento do Governo Federal, cerca de 85% dos moradores se autodeclara quilombola. A região possui 152 comunidades onde vivem 3,3 mil famílias.
Em 2023, em audiência na Corte IDH, o Estado brasileiro reconheceu que violou o direito à propriedade das comunidades quilombolas de Alcântara, mas não apresentou propostas de reparação.
Em setembro de 2024, o presidente Lula (PT) esteve no município, onde assinou o Decreto de Interesse Social e a Portaria de Reconhecimento, etapas do processo de titulação das terras. Com a decisão da corte, o governo federal deve concluir o processo e garantir a posse coletiva da comunidade sobre o território.
De acordo com nota publicada pela Justiça Global, o reconhecimento da responsabilidade do Estado Brasileiro é amplo e reflete a complexidade da cadeia de violações empreendidas pelo Estado nesses mais de quarenta anos.
“Reconheceu a atuação racista do Estado brasileiro em relação ao direito à terra, à saúde, aos modos de vida dessas comunidades. Reconhecer e reparar é o primeiro passo para a justiça”, afirma Glaucia Marinho, diretora-executiva da Justiça Global. Ela avalia que a garantia dos títulos coletivos de posse da terra abre um precedente para que outras comunidades quilombolas tenham seus direitos ao território garantidos.