Ocorreu, nesta quinta-feira (13), a Conferência Estadual e Meio Ambiente de Pernambuco. O evento no Centro de Convenções, em Olinda, reuniu representantes da sociedade civil e dos poderes públicos municipais, além de membros do Governo do Estado, setor privado e população inscrita diretamente na etapa estadual. O objetivo era debater e eleger propostas prioritárias, além de escolher representantes de Pernambuco para a Conferência Nacional, marcada para o início de maio. Mas o evento teve seu fim antecipado.
As centenas de participantes já haviam assistido à cerimônia de abertura, seguida de uma palestra com a temática do evento – a emergência climática e os desafios da transformação ecológica – e ainda pela manhã se dirigiram para os grupos de trabalho (GTs), onde permaneceriam até as 15h30. Este é o momento fundamental do dia, onde são debatidas e elencadas as propostas prioritárias de cada eixo, conteúdo este que é enviado para o Ministério do Meio Ambiente. Mas a insatisfação começou no intervalo para o almoço.
Sem almoço grátis, sem água e sem regras
O Governo de Pernambuco só garantiu almoço para os representantes dos poderes públicos – estadual e municipal. Os participantes da sociedade civil precisaram “se virar” com recursos próprios para se alimentar. Muitos eram do interior do estado, se não conseguiram viabilizar o transporte pela prefeitura, tiveram que custear do próprio bolso a ida ao evento – e não estavam felizes com isso. Piorou quando acabou a água para beber no evento.
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Com as barrigas vazias e preocupados com a eleição de delegados que aconteceria horas mais tarde, o intervalo do almoço serviu para uma leitura atenta ao regimento da conferência. Os participantes notaram que o regulamento apresentava uma falha importante: não especificava a forma de eleição dos delegados que devem representar Pernambuco em Brasília.
Na volta do almoço, o debate seguiria nos grupos de trabalho, mas parte dos representantes da sociedade civil se dirigiu ao palco da plenária e as gargantas secas não foram impeditivo para o protesto, em coro, pedindo a apresentação do regimento, para que fosse submetido à aprovação dos presentes. As atividades nos GTs foram paralisadas e, após mais de uma hora de impasse, a Conferência Estadual de Meio Ambiente foi suspensa.
Se encerra nesta sexta-feira (15) o prazo limite para a realização das conferências estaduais de meio ambiente. A comissão organizadora estadual tem até sete dias para enviar à comissão nacional as propostas aprovadas e delegados que representarão Pernambuco na última etapa. A 5ª Conferência Nacional de Meio Ambiente está marcada para acontecer entre os dias 6 e 9 de maio, em Brasília (DF).

A proposta de regulamento da conferência (leia aqui) foi publicada no site da Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas) no dia 20 de dezembro de 2024. A Seção IV, na última página do documento, trata da eleição de delegados para a Conferência Nacional. O texto explica que serão eleitos 50 delegados titulares e mais 50 suplentes, sendo – entre os titulares – 25 da sociedade civil (dos quais cinco devem ser indígenas, quilombolas ou ribeirinhos), 10 delegados do poder público (municipal e estadual) e 15 do setor privado.
O documento, no entanto, não explica o modelo de escolha ou eleição dos delegados que devem representar Pernambuco na etapa nacional, se será elaborada uma lista consensual ou por votação, se a votação será aberta ou por categorias (sociedade, setor privado, setor público). Não há qualquer especificação de regras para este processo.
Frustração
A jornalista e ativista ambiental Katharyne Bezerra viajou 190 quilômetros, desde Belo Jardim, no Agreste do estado. Ela relatou em suas redes sociais que a falta de leitura do regimento deixou os presentes sem saber as regras para eleger delegados. “Não tem como ser aprovada uma conferência dessa maneira”, pontuou. Ao fim do evento, tratou o tema com bom humor, mas sem esconder a frustração. “Não tivemos votação das propostas e nem eleição dos delegados. Estamos voltando para casa sem ter sido delegada de nada”.
Vinda de Surubim, também no Agreste, a professora e produtora cultural Joelma Carla considera o encerramento do evento “uma falta de respeito com todo mundo”. “Viemos com expectativa de debater temas urgentes e necessários, mas saímos daqui frustrados”, diz ela. Ela conta que os delegados vindos dos municípios fizeram um grande esforço para fazer os debates nos seus territórios, construir propostas e levar para o Recife.
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Também de Surubim, o engenheiro agrônomo e ativista Glaydson Queiroz acrescentou a crítica de fazer um evento de apenas um dia para debater centenas de propostas oriundas dos municípios. “Uma falta de respeito com a sociedade civil”, resumiu. O historiador João Malunguinho destaca que precisou sair de madrugada para ir à conferência, que ele classificou como “desastrosa”. “Foram vários erros que precisam ser cobrados do governo”, desabafou.
O regulamento da Conferência foi elaborado por um grupo (veja aqui quem são) definido em decreto da governadora Raquel Lyra (PSD) publicado no Diário Oficial do dia 30 de novembro. Metade do grupo é de representantes do Governo do Estado, enquanto a outra metade é de agentes do setor privado e da sociedade civil.
A gestora pública Camila Barros, que foi secretária de Juventude do Recife na gestão Geraldo Júlio (PSB), criticou o evento. “Quem é do controle social ralou muito no município para estar aqui e sabe o poder de uma conferência. Não tem a mínima condição de seguirmos aqui sem regimento. Não podemos legitimar isso”, disse ela, alegando que o Governo do Estado estaria ganhando “um cheque em branco” da sociedade civil presente no evento. “Fomos enganados. Não viemos para uma conferência, mas para um seminário”, resumiu.
Até o momento, a Secretaria de Meio Ambiente não divulgou, em seu site ou redes sociais, qualquer posicionamento sobre o ocorrido nesta quinta-feira. O Brasil de Fato Pernambuco entrou em contato com a Semas por e-mail, mas ainda não tivemos resposta.