No começo de fevereiro de 2025, a Polícia Civil de Minas Gerais identificou os restos mortais de mais uma vítima do crime da Vale em Brumadinho. O corpo encontrado ficou embaixo da lama tóxica desde o rompimento da barragem, em janeiro de 2019.
Com este, o número de mortos na tragédia chega a 270 – ou 272, já que duas mulheres que perderam a vida estavam grávidas.
O rompimento da barragem em Brumadinho chocou o Brasil e o mundo pela quantidade de mortos, pela destruição ambiental e por acontecer pouco mais de três anos depois do rompimento de outra barragem, a de Mariana. A empresa responsável era a Samarco, controlada por duas mineradoras: a anglo-australiana BHP Billiton e a brasileira Vale. 19 pessoas morreram.
Esses dois casos são os exemplos mais extremos de uma trajetória marcada pelo desrespeito ao meio ambiente e aos direitos humanos. Mas como a Vale segue operando, e lucrando, mesmo com constantes denúncias gravíssimas?
O que é a Vale?
A história começa em 1942, durante o Estado Novo de Getúlio Vargas. Foi quando nasceu a Vale, que então se chamava Vale do Rio Doce, e era uma empresa estatal. Só que ela foi privatizada em 1997, ainda no primeiro governo Fernando Henrique Cardoso. A venda do controle acionário foi fechada em US$ 3,3 bilhões – o que parece muito, mas correspondia a apenas 27% do capital total da empresa.
E o dinheiro para a compra foi disponibilizado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico, o BNDES, a juros subsidiados. Ou seja: uma empresa pública foi vendida a uma empresa privada usando dinheiro público. A privatização fez milhares de trabalhadores perderem seus empregos, e inaugurou uma nova fase da companhia, marcada pela exploração predatória.
Denúncias pelo mundo
Hoje, a Vale atua em mais de 30 países e, por onde ela passa, vêm também as denúncias de violação de direitos e destruição ambiental.
Em novembro de 2013, a empresa foi multada pelo órgão ambiental do Peru por contaminação do ar na província de Piura. No local, a Vale explora jazidas de fosfato, mineral utilizado para a produção de fertilizantes químicos.
A empresa também foi multada pela justiça de Moçambique por construir uma barreira ao redor do complexo minerário na cidade de Moatize, impedindo a população camponesa de chegar a seus territórios.
Aqui no Brasil, a Vale teve que pagar multa por causar vazamento de fuligem de grafite e limalha na atmosfera na zona oeste do Rio de Janeiro. Na Grande Vitória, no Espírito Santo, a população sofre com o pó preto produzido pelas mineradoras que atuam na região e, entre elas, está a Vale. E em São Luís, no Maranhão, a qualidade do ar atinge níveis de emergência todos os dias, também devido à presença de mineradoras. A própria Vale chegou a ser notificada pelo governo do estado.
Em todos esses casos, os mais atingidos são populações já vulneráveis, como camponeses e pescadores artesanais. E a hostilidade da Vale não para por aí: uma reportagem da Agência Pública de 2013 relevou que a empresa tinha como política de segurança infiltrar agentes em movimentos populares e elaborar dossiês sobre defensores dos direitos humanos, incluindo um padre e uma liderança do MST.
E nada acontece?
Com tantos escândalos e tantas mortes, a sensação que fica é que nada está sendo feito para frear a destruição provocada pela Vale. Até hoje, nenhum executivo da empresa foi preso pelo rompimento das barragens, mesmo havendo provas de que a companhia sabia da condição precária das instalações.
Em outubro do ano passado, foi fechado um novo acordo para a recuperação da Bacia do Rio Doce, afetada pelo rompimento da barragem de Mariana em 2015. Movimentos populares, como o Movimento de Atingidos por Barragens, criticam a demora em chegar a um acordo e o baixo valor para as reparações individuais. Os agricultores e pescadores atingidos, por exemplo, devem receber uma indenização no valor de um salário mínimo e meio por mês, durante três anos, e um salário mínimo por mês no quarto e último ano.
E isso sendo que, só no ano passado, o lucro líquido da Vale ultrapassou R$ 31 bilhões.
Ou seja, como não há dúvidas de que a atividade das mineradoras vai gerar impactos ambientais consideráveis, a empresa apenas calcula se o custo desse impacto e o risco de sua atividade compensam pelos possíveis lucros e alta de suas ações. E, no caso da Vale, o crime tem compensado.
O que vem por aí?
Todo esse cenário não seria possível se empresas como a Vale não tivessem um aliado importante: o poder público. Em fevereiro, a Vale lançou o projeto “Novo Carajás”, que deve investir mais de R$ 70 bilhões para a exploração de minérios e produção de cobre até o ano de 2030 no estado do Pará. A cerimônia de lançamento contou com a presença do presidente Lula, que fez votos de que a Vale “volte a ser a primeira empresa do mundo em mineração de ferro, em mineração de materiais críticos, em mineração do que ela quiser”.
Sendo assim, fica mais difícil lutar contra a impunidade dos dirigentes da empresa, garantir a reparação para quem foi prejudicado por ela e impedir que novas tragédias aconteçam.