A crise climática, com seus impactos devastadores sobre as populações mais vulneráveis, exige uma revisão urgente dos modelos de desenvolvimento que têm historicamente privilegiado o lucro em detrimento da sustentabilidade e da justiça social. O desafio é global, e a criação de uma rede de solidariedade internacional é essencial para que possamos enfrentar as crises ambiental e econômica de maneira conjunta, com soluções inovadoras que respeitem a soberania dos povos e promovam a justiça social.
É nesse contexto que emerge a importância do fortalecimento de laços entre o Sul Global, com destacada colaboração entre o Brasil e a China. Atualmente, o governo de Xi Jinping ocupa o posto de principal parceiro comercial agrícola do Brasil, e os avanços tecnológicos e científicos de ambos os países têm mostrado um potencial transformador para o campo.
Visando fortalecer essa parceria, especialmente no desenvolvimento rural sustentável e na segurança alimentar, uma delegação de parlamentares do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), da qual faço parte, viajará ao país, a convite da Universidade Normal do Leste da China, dos dias 17 a 28 de março. Trataremos de questões cruciais, como a mecanização da agricultura familiar, a geração de energia limpa e a produção a nível industrial de bioinsumos — setor que deve movimentar cerca de US$ 45 bilhões mundialmente até 2032, segundo estudo da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
A mecanização de pequenas e médias lavouras é um dos grandes desafios que enfrentamos hoje. Enquanto cerca de 87% da agricultura camponesa chinesa é mecanizada, no Brasil, esta cifra não chega a 14% (na região Nordeste, a menos de 3%). Lá, há oito mil fabricantes de tratores. Aqui, temos quatro grandes fábricas multinacionais que dominam a produção de maquinário voltado para os latifúndios.
Com o apoio da China, o MST está buscando uma solução inovadora: a produção nacional de máquinas adaptadas à realidade do campo brasileiro, com tecnologia chinesa. Queremos organizar as cadeias produtivas para reconstruir a base industrial para a agricultura camponesa no Brasil.
No ano passado, recebemos mais de 80 tratores para serem testados em assentamentos, como fruto de parcerias entre a Universidade Agrícola da China, o Consórcio Nordeste, a Universidade de Brasília (UnB) e Baobab Associação Internacional para a Cooperação Popular.
A colaboração entre as duas nações não se limita apenas a uma troca comercial; ela é, na verdade, uma ponte para o futuro. A viagem do MST à China é uma etapa significativa nesse caminho, e sua agenda de debates é um reflexo da necessidade de uma nova política agrícola global, em que os interesses econômicos sejam equilibrados com as necessidades dos povos do campo.
A proposta de institucionalizar o Brics [grupo que reúne cinco das maiores economias emergentes do mundo: Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul] como um fórum para discutir a agroecologia, a segurança alimentar e o combate às mudanças climáticas é um passo fundamental para que países do Sul Global possam compartilhar soluções, se apoiar mutuamente e construir um futuro mais digno e equilibrado para suas populações. Essa é a nossa chance de reforçar a luta por um futuro mais justo, sustentável e, acima de tudo, solidário.
*Marina do MST é deputada estadual pelo PT do Rio de Janeiro.
**Este é um artigo de opinião e não necessariamente representa a linha editorial do Brasil do Fato.