Uma das preocupações centrais hoje na geopolítica é como enfrentar o aquecimento global. Tudo indica que entramos numa nova era geológica, a era da mudança climática generalizada, causada pelo aquecimento crescente do planeta. Cientistas da área confessam que não temos condições de fazer retroceder este processo. Cabe-nos advertir a chegada dos eventos extremos e minorar seus efeitos danosos.
No esforço de evitar que o aquecimento ultrapasse 1,5 °C, o que já ocorreu, organiza-se um esforço gigantesco de descarbonização do processo produtivo. Ocorre que este esforço não produziu até hoje, não obstante as inúmeras sessões de Conferências das Partes (COPs), nenhum resultado significativo.
E não vai produzi-lo nunca enquanto não se coloca a verdadeira questão: Qual é o tipo de relação que as sociedades mundiais (salvaguardados os povos originários que surfam sobre outra onda) estabelecem para com a natureza? É uma relação se sinergia, de cuidado e respeito ou de simples e pura exploração? É esta que domina já há séculos. Aqui reside o verdadeiro problema.
As feridas no corpo da Mãe Terra provocadas pela voracidade produtivista são tratadas com band-aids e esparadrapos. Não se busca a cura da ferida, mas apenas seu escamoteamento pela aplicação de band-aids ou medidas meramente paliativas.
O sistema atual capitalista se funda na relação de exploração dos bens e serviços da Terra, no pressuposto inconsciente, de que eles são ilimitados e que por isso podem levar avante um projeto de crescimento ilimitado. Este se mede pelo nível de riqueza de uma nação, concretizada pelo Produto Interno Bruto(PIB). Ai do país que não apresentar um superavit e um PIB sustentado. Corre o riso de recessão com os efeitos nefastos conhecidos.
Caso o sistema mudasse a relação para com a natureza no sentido de respeitar seus ritmos, sua capacidade de regeneração e co-evolução no processo geral cosmogênico, deveriam mudar os comportamentos, as técnicas de produção, renunciar os níveis de acumulação. E não o fazem. Os mantras do sistema imperante nunca mudaram: acumulação ilimitada, individualista, com forte competição e exploração ao máximo das riquezas naturais.
Ocorre que estas riquezas naturais não só são limitadas, mas sua capacidade de suporte (a Sobrecarga da Terra) foi superada, pois já agora o consumo da espécie, especialmente o consumismo suntuoso das classes endinheiradas, está exigindo mais de uma Terra e meia (1,7). E só temos esta Terra.
Enquanto não se mudar de paradigma na relação para com a natureza, enquanto não se passar da exploração para a sinergia e cooperação e a busca da justa medida, em vão serão todos os encontros mundiais visando impor limites ao aquecimento global com tudo o ele inclui (falta de água potável, desertificação, migração de populações inteiras, devastação da biodiversidade, conflitos e guerras e outras ameaças à vida).
A pandemia do coronavírus foi a oportunidade de repensarmos uma nova relação para com a natureza. Poucos se perguntaram de onde veio o vírus? Veio do desmatamento e destruição do habitat deste de outros vírus. Passada crise, voltamos ao mundo anterior com mais voracidade ainda, sem ter aprendido nada do sinal que a Mãe Terra nos enviou.
O mesmo está ocorrendo agora com as grandes enchentes, as queimadas, os tornados, as secas. Todos são sinais que a Terra viva nos envia e que nos cabe decifrar. E não fazemos o devido esforço de decifração que nos exigiria mudanças substanciais. Por isso os eventos extremos continuam e aumentarão, pondo em risco milhares de vidas e, no limite, a nossa própria existência sobre esta planeta.
Por isso, rejeitamos falsas soluções dos band-aids e esparadrapos sobre o corpo da Mãe Terra, aplicados especialmente por aqueles que não largam o osso, como as grandes corporações de energia fóssil e do carvão, presentes em todas as COPs, e fazendo ingente pressão para que nada se mude realmente.
Eles carregam um aguilhão nos pés do qual não conseguem mais se libertar. Por isso, são condenados a continuar com sua lógica de acumulação, pondo em risco o futuro da vida.
Mas, nas grandes dizimações do passado, a vida sempre sobreviveu. E esperamos que ainda continue sobre a Terra.
*Leonardo Boff escreveu Cuidar da Casa Comum: pistas para protelar o fim do mundo, Vozes 2024; A busca da justa medida: como equilibrar o planeta Terra, Vozes 2023
**Este é um artigo de opinião e não necessariamente representa a linha editorial do Brasil do Fato.