Localizada no Noroeste do estado do Rio Grande do Sul, a cidade de Seberi abrigou a 8ª Festa da Semente Crioula e 3ª Feira de Economia Solidária, neste sábado (15). O evento que aconteceu na sede da Cooperativa camponesa Cooperbio reuniu cerca de 2 mil pessoas, entre camponesas, camponeses, movimentos sociais nacionais e internacionais, assim como parlamentares e representantes dos executivos municipal e federal.
Realizada pelo Movimento dos Pequenos Agricultores e das Pequenas Agricultoras (MPA) e pela cooperativa Cooperbio, é uma das mais importantes celebrações da tradição e da cultura camponesa. A atividade contou com o apoio da Prefeitura Municipal de Seberi, Universidade Federal de Rio Grande (Furg) e Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA). Teve ainda o patrocínio da cooperativa de geração e distribuição de energia elétrica Creluz e da Caixa Econômica Federal.
“Trata-se de um momento de reafirmarmos as sementes tradicionais como patrimônio dos povos, a serviço da humanidade, e a economia solidária como instrumento para a construção de novos caminhos e reconstrução de novas economias para a transformação social e ecológica”, afirma a presidenta da Cooperbio, Luiza Pigozzi.

Os preparativos para a festa começaram na sexta-feira (14), com a realização de oficinas. Nas primeiras horas da manhã de sábado, dezenas de ônibus e vans de diversas partes do estado, Santa Catarina, Paraná, Argentina, Uruguai e Paraguai chegaram a sede da cooperativa que esse ano completa 20 anos.
A edição deste ano foi marcada pelo lançamento da pedra fundamental da fábrica de bioinsumos Geasol. A iniciativa, a ser construída na sede da cooperativa, viabilizada por um convênio com a Fundação Banco do Brasil, fortalecerá a produção de bioinsumos agrícolas sustentáveis. A expectativa é de que a fábrica seja inaugurada em 2026, na próxima edição do evento. Contará com investimento de aproximadamente R$ 7 milhões através da Fundação Banco do Brasil.
“Mais uma vez o município de Seberi tem o privilégio de receber esse evento que já se tornou uma referência para o país”, comentou o prefeito de Seberi, Adilson Balestrin (MDB). Para ele, além da celebração da tradição e da cultura camponesa, está em destaque nessa edição a notícia do investimento que o MPA, a Cooperbio e a Fundação Banco do Brasil estão trazendo para Seberi. “Queremos estar aqui todos juntos e juntas em 2026 para inaugurar essa fábrica que hoje teve sua pedra fundamental lançada.”

A celebração contou com a participação do secretário nacional de Economia Popular e Solidária, Gilberto Carvalho, dos deputados federais Dionilso Marcon, Alexandre Lindenmeyer e Elvino Bohn Gass (PT), o deputado Adão Pretto Filho (PT), representando a Assembleia Legislativa do estado, assim como vereadores locais e de municípios vizinhos. Entre os movimentos sociais, estavam o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), o Movimento dos Trabalhadores por Direitos (MTD), o Movimento de Mulheres Camponesas (MMC) e o Movimento de Trabalhadores Excluídos (MTE), da Argentina, entre outros.
Durante o evento houve apresentações artísticas e bênçãos sobre as sementes e os alimentos, bem como sobre os camponeses que os cultivam e os trabalhadores que os preparam.

Resiliência e resistência
“A agricultura familiar camponesa é resiliente, produz comida sem desmatar, com preservação ambiental. E é ela que tem as tecnologias sociais para mitigar esses efeitos das mudanças climáticas. Aqui (festa) a gente mostra a nossa força, como as plantas alimentícias (pancs) que também são muito resistentes a todos esses fatores. A diversidade camponesa que sobrevive a essas mudanças climáticas”, destaca Pigozzi.
Integrante da coordenação nacional do MPA, Anderson Amaro ressalta o envolvimento dos camponeses e camponesas, agricultoras e agricultores no processo da construção da festa ano a ano, assim como a importância dos mesmos na efetivação da soberania alimentar. “A gente só constrói a soberania alimentar se tivermos sementes crioulas de qualidade, e sob controle dos camponeses e camponesas.”

Neste contexto, prossegue Amaro, a feira da economia solidária é parte essencial do processo. “A feira faz com que a gente dê um salto de qualidade nessa troca e disponibilidade para a população, para os camponeses, para todas e todos que vêm a essa feira e essa festa. Compartilhar, adquirir, ter produtos oriundos da família camponesa, produtos de qualidade, produzidos de forma agroecológica. A feira reverbera isso, traz a importância de consolidar em um novo sistema de produção. Novos sistemas alimentares calcados na agroecologia e na saúde das pessoas.”
“Não é só semente, é também uma semente de uma nova sociedade”
Conforme pontua o secretário nacional de Economia Popular e Solidária, Gilberto Carvalho, 80% da economia solidária real no país está no campo por causa da cultura familiar. Para ele, não se pode pensar em economia solidária sem pensar na agricultura orgânica e agroecológica.

Em 2018, por exemplo, o Brasil contava com mais de 30 mil empreendimentos solidários, em vários setores da economia, com destaque para a agricultura familiar. Em 2024, o presidente Lula sancionou a Lei Paul Singer (Lei 15.068, de 2024) que cria a Política Nacional de Economia Solidária (PNES) e o Sistema Nacional de Economia Solidária (Sinaes).
Para Carvalho, tanto a festa da semente como a feira, são exemplos referenciais de uma verdadeira economia solidária, que justamente é mais do que uma economia, é uma proposta de vida. “É uma proposta que implica em uma nova forma de relação com a natureza, uma nova forma de relação com a terra, uma nova forma de relação entre as pessoas, na questão da produção, na questão da distribuição, da comercialização e na questão do consumo, do estilo de vida. A economia solidária, para mim, é muito semente do hoje e do amanhã. Uma semente crioula, autêntica, de uma nova proposta de sociedade. Essa é a nossa missão”, afirma.
Em sua avaliação, é preciso urgentemente devolver no Brasil demonstrações de que é possível uma produção anticapitalista. E de que existe possibilidade de você ter uma economia que se relaciona não com a exclusão, não com a concentração do lucro, mas com a partilha, com a solidariedade e, sobretudo, com a posse dos meios de produção pelos trabalhadores.

Políticas públicas para o setor
“O que nós vemos aqui é um movimento de resistência, um movimento de reafirmação da importância da soberania das sementes. E o nosso ministério tem a orientação e a determinação para que as políticas públicas que nós gerimos estejam a serviço para que a gente possa avançar nesse apoio”, afirma o secretário da Agricultura Familiar do MDA, Vanderley Ziger.
Representando o ministro Paulo Teixeira, Ziger comenta que o MDA, no final do ano passado, lançou o Plano Nacional de Produção Orgânica e Agroecológica. Para o secretário, o fato de haver um programa nacional traz também o compromisso do ministério para apoiar iniciativas como a do MPA. “Iniciativas importantíssimas porque eles passam a ser os guardiões das sementes, inclusive no momento em que nós temos a expansão da soja, a expansão das sementes transgênicas”, observa.
De acordo com o estudo “25 anos de transgênicos no campo”, em 2023, o país cultivava aproximadamente 56,9 milhões de hectares de lavouras transgênicas, considerando as culturas de soja, milho, algodão, feijão e cana-de-açúcar. O país ocupa a segunda posição no ranking de países que mais adotam organismos geneticamente modificados (OGM), ou transgênicos, nas lavouras.

Para Ziger, é preciso buscar cada vez mais que a produção de alimento seja de base agroecológica e que possa ter a transição do modelo daqueles que ainda produzem com insumos convencionais. “Por isso, nosso papel é instrumentalizar os movimentos sociais, os atores sociais, as cooperativas, para que possam ter, além das sementes, a fábrica de bioinsumo. Para você conseguir ter uma transição, precisa ofertar ao agricultor um produto alternativo. E que esse produto substitua o convencional e o sintético. Num país que consome seis quilos de veneno por ano, por pessoa, o papel do ministério é justamente assumir esse compromisso e fazer com que a política pública seja voltada a essa agenda.”
Ao falar no lançamento da pedra fundamental da fábrica de bioinsumos, o presidente da Fundação Banco do Brasil, Kleytton Guimarães Morais, destaca que ela demarca a posição de construção intelectual, de recuperação das práticas que são milenarmente postas nos territórios.

Sementes de solidariedade
Durante o maior desastre climático que atingiu o RS, as sementes da solidariedade, articulada pelo MPA, através das sementes crioulas, distribuiu cerca 80 toneladas de sementes de milho, 30 toneladas de sementes de feijão e uma gama de mudas e ramas que puderam ser distribuídas para aproximadamente 6 mil famílias diferentes. “Isso manifestou a solidariedade do pequeno com o pequeno, do pobre com o pobre. Os doadores chegavam a doar R$ 5, R$ 10 e permitiu que a gente juntasse R$ 1 milhão e 300 mil”, aponta Frei Sérgio Görgen.
Durante o evento foi anunciado o recurso de R$ 10,7 milhões aprovado pela Fundação Banco do Brasil, que será executado pelo Instituto Cultural Padre Josimo e MPA. De acordo com o Frei Sérgio, esse recurso será destinado a cerca de 600 famílias atingidas pelas enchentes. “É um recurso para a reestruturação produtiva, correção de solo, plantação de árvores frutíferas, equipamentos de produção, sementes, tratores, etc.”

Histórico guardião da semente crioula, Pedro Kunkel afirma que ser guardião é ser um cuidador das sementes milenares, das sementes do vovô e da vovó. “É multiplicá-las e preservá-las para que a gente tenha qualidade de comida na mesa. A semente crioula, ela mantém o equilíbrio da nossa natureza, da mãe terra. Uma planta protege a outra. A semente crioula é uma semente que é do camponês, não pode ser roubada por uma multinacional. Ela precisa permanecer na mão de homens e mulheres do campo para garantir a continuidade da qualidade da alimentação da população.”
