Causou certa surpresa, nos bastidores da Câmara dos Deputados, o anúncio feito na terça-feira (18) pelo deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) de que irá se licenciar do mandato e se mudar para os Estados Unidos. O parlamentar se encontra atualmente no país estrangeiro e disse por meio da rede social X que “não é seguro voltar para o Brasil”, em referência ao discurso de que estaria sendo supostamente perseguido pela atual gestão petista e pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
O filho número três do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) tem dito que busca atrair a atenção do governo Trump para obter apoio político à pauta da anistia aos participantes do 8 de janeiro. Além disso, pretende batalhar por sanções do país ianque ao ministro Alexandre de Moraes, alçado a inimigo número um da ala bolsonarista por conduzir processos que miram diferentes apoiadores do ex-capitão. Na lista está, por exemplo, o inquérito que enquadra o ex-presidente como réu por sua participação na intentona golpista que tramava um golpe de Estado e o assassinato de autoridades da República, entre elas o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Moraes.
É em meio a esse cenário que Eduardo Bolsonaro disse ter tomado “a decisão mais difícil” da vida ao resolver se licenciar do mandato e ficar nos Estados Unidos. O discurso foi entoado também por aliados. O pai do deputado, que esteve na Câmara na tarde de terça (18), disse que Eduardo teria deixado o mandato “para combater o nazifascismo no Brasil”. O mesmo tom foi adotado pela oposição. Líder do grupo, Zucco (PL-RS) divulgou nota em que acusa o STF de perseguição e diz que o Brasil “se transformou num país perigoso e hostil”.
🇺🇸 It’s not safe comeback to Brazil. Only by doing my congressman regular work my passport is at risk
Supreme court justice Alexandre de Moraes asked the Attorney General to seize my passport attending a request made by PT (Labor’s Party) congressmen. Looks like I committed the… pic.twitter.com/dPlnEsKHmI
— Eduardo Bolsonaro🇧🇷 (@BolsonaroSP) March 18, 2025
As manifestações do segmento vêm à tona na véspera do dia em que o STF inicia o julgamento virtual dos recursos de Bolsonaro e do general Braga Netto que buscam impedir Moraes, Cristiano Zanin e Flávio Dino de participarem da análise da denúncia sobre a trama golpista. A novidade surgiu também horas antes de Moraes julgar um pedido do PT que pedia a apreensão do passaporte do deputado federal. O ministro acabou rejeitando o pleito do partido e determinou o arquivamento da notícia-crime, mas o caso segue exaltando os ânimos na Câmara.
Em conversa com o Brasil de Fato, o deputado Chico Alencar (Psol-RJ) disse que o anúncio de Eduardo surpreendeu. “Por essa ninguém esperava, nem aqui na Câmara dos Deputados. Eu não vi o Eduardo Bolsonaro este ano. As notícias eram de que ele estava nos Estados Unidos pelo menos desde a posse do Trump, que é o seu grande líder e ídolo. E até para se despedir ele veio com fake news”, alfineta o psolista, em referência ao discurso de que o filho de Bolsonaro estaria sendo perseguido pela Justiça e pelo governo brasileiros.
Também crítico da postura do parlamentar, o deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP) disse que o discurso de Eduardo e aliados junto a Trump carece de coerência. “Eu diria que a campanha deles pela anistia não é uma campanha, e sim uma confissão, porque os envolvidos foram denunciados, mas não houve condenação ainda. Eles antecipam isso como se estivessem admitindo que serão condenados.”
A notícia da licença do “filho zero três” de Bolsonaro gerou especulações pelos corredores da Casa nas horas seguintes ao anúncio. “Há quem diga que ele vai articular a extrema direita mundial, que Trump vai dar um emprego para ele nessa direção ou que ele vai preparar a chegada dos seus parentes, seu pai e a família, quando houver a condenação – que provavelmente vai acontecer – por golpismo e atentado ao Estado democrático de direito. Há quem diga também que ele quer ficar numa boa agora e protegido da Justiça brasileira para articular novos processos golpistas. Enfim, boa coisa não vem de lá”, projeta Alencar.
Um dos opositores mais vocais da família Bolsonaro na Câmara, Glauber Braga (Psol-RJ) interpreta o episódio como uma “demonstração de ampliação de fraqueza política”. “Observe que isso vem depois de uma manifestação esvaziada em Copacabana, ‘flopada’ em relação a atividades anteriores que eles já tinham feito, o que demonstra que não tem essa adesão social toda que eles imaginavam para impedir a responsabilização do Jair Bolsonaro. Então, [o processo] está caminhando para a responsabilização, e esta é mais uma tentativa desesperada que reafirma a fraqueza da família Bolsonaro e da sua tese de anistia neste momento.”
Para Ivan Valente (Psol-SP), a decisão de Eduardo seria um “tiro no pé”. “Acho que eles acharam que, conspirando durante quatro meses lá fora, assim como eles conspiraram aqui dentro por três meses pra tentarem dar um golpe, eles vão conseguir evitar a prisão do Bolsonaro. Acho que isso não vai acontecer e que eles tiveram outro erro de cálculo: o que aconteceu no Rio de Janeiro no domingo (16) foi muito ruim pra eles, que achavam que atrairiam 1 milhão de pessoas e apareceram pouco mais de 18 mil. Então, a base deles está desmobilizada, a direita está dividida e eles agora temem a prisão”, afirma o psolista, ao citar estatística de público calculada pela Universidade de São Paulo (USP).
Eduardo é um dos principais opositores do governo Lula dentro da Câmara, além de investir em uma intensa atividade nas redes sociais para atacar a gestão e fazer defesa permanente da agenda política reacionária. O parlamentar ocupa uma cadeira no plenário desde 2015 e Jair Bolsonaro (PL) foi deputado federal entre 1991 e 2018. Com a licença anunciada por Eduardo, está será a primeira vez após 34 anos que a Câmara ficará sem um membro da família Bolsonaro com mandato ativo na Casa.
“Acho que foi uma vitória do Brasil você não ter mais aqui um parlamentar que todos os dias busca trair esta nação e que, portanto, incorre em crimes. É um parlamentar que aplaude a bandeira dos Estados Unidos e esteve lá para tentar fazer com que aquele país exercesse uma intervenção sobre o Brasil, rompendo a nossa própria soberania. É um parlamentar que certa vez disse que, para fechar o Supremo, bastaria ‘um jipe, um cabo e um soldado’ e que talvez esteja com muito medo da prisão, que é onde têm que estar os golpistas e todos os criminosos”, avalia Erika Kokay (PT-DF), ferrenha opositora do clã do ex-presidente.
Brasil-EUA
Nas prévias do anúncio de Eduardo Bolsonaro estava em curso uma articulação envolvendo o interesse do parlamentar pela presidência da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional (CREDN) da Câmara, que nesta quarta (19) define o comando de cada colegiado. A ideia seria facilitar o diálogo da extrema direita brasileira com o governo Trump, uma vez que cabe à comissão votar pautas ligadas a relações diplomáticas e consulares, serviço exterior brasileiro, tratados internacionais e outros vários itens ligados à política externa. O plano, porém, fracassou.
Segundo reportagens divulgadas pela imprensa, o presidente nacional do PL, Valdemar Costa Neto, teria barrado a indicação de Eduardo para o posto para evitar faíscas mais ostensivas com o STF num momento em que diferentes membros do partido estão implicados em investigações no âmbito do Supremo. Valdemar não confirmou publicamente a informação, mas a versão é sustentada por fontes da própria sigla.
Atual presidente do Parlamento do Mercosul (Parlasul) e membro da CREDN em 2024, Arlindo Chinaglia acredita que o cenário de falta de unanimidade no PL para que Eduardo assumisse o colegiado acabou servindo de mote para que o filho de Bolsonaro anunciasse a licença e a decisão de seguir no país ianque. “Acho que ele mostrou fragilidade, tanto é verdade que houve um determinado grau de pressão que o levou a ter essa atitude, porque até a véspera o líder do governo falava que ele seria o presidente [da comissão] com ou sem o passaporte. De repente ele pede licença e anuncia que vai continuar fazendo um trabalho supostamente patriótico dos Estados Unidos. Então, é evidente que ele se fragilizou.”