Os presidentes dos EUA e da Rússia, Donald Trump e Vladimir Putin, realizaram uma conversa telefônica de mais de 2h de duração na tarde desta terça-feira (18), marcando uma nova etapa na relação entre os dois países e na busca de uma resolução para a guerra da Ucrânia após mais de três anos de conflito. No entanto, o caminho para a paz ainda enfrenta complexos obstáculos na interação entre Moscou, Kiev e Washington.
A abertura de diálogo representa uma virada em relação à maior crise política entre Rússia e EUA desde os tempos da Guerra Fria. A campanha presidencial de Donald Trump já apostava na resolução da guerra da Ucrânia e na normalização das relações com Moscou como uma das principais promessas de política externa. E já nos primeiros meses do novo mandato, o novo chefe da Casa Branca vem mostrando determinação de concretizar estes planos.
Demonstrando rapidamente uma reviravolta na relação dos EUA com a Ucrânia, a administração de Trump chegou a suspender o apoio militar à Ucrânia e cortar a cooperação no campo da inteligência com Kiev. Isso aconteceu após Trump e o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, terem protagonizado um surpreendente bate-boca em pleno Salão Oval diante das câmeras. Ao mesmo, este início de mandato também já foi marcado pelo retorno dos contatos oficiais entre Moscou e Washington, sobretudo na longa conversa telefônica entre Donald Trump e Vladimir Putin nesta terça-feira (18).
Durante a conversa, os líderes chegaram a um acordo sobre a adoção de uma trégua de 30 dias entre Rússia e Ucrânia em relação a ataques a infraestruturas energéticas. Além disso, foi confirmada uma troca de prisioneiros de guerra entre Moscou e Kiev, e foi manifestada a “prontidão para explorar conjuntamente possíveis formas de acordo”.
Mas apesar da demonstração de passos mais decisivos para buscar uma resolução do conflito ucraniano, para uma paz duradoura ainda há muitos obstáculos, principalmente no que diz respeito às exigências de segurança da Rússia. A principal delas diz respeito à presença de tropas da Otan perto de sua fronteira. Ou seja, uma possível garantia dos EUA sobre a não entrada da Ucrânia na aliança militar ocidental pode ser crucial para o fechamento de um acordo. Mas ainda não há quaisquer acenos concretos do Ocidente em relação a este ponto.
O vice-chefe do Ministério das Relações Exteriores da Rússia, Alexander Grushko, declarou na última segunda-feira (17) que as discussões sobre o possível envio de forças de paz de países da Otan e da UE para a Ucrânia no caso de um cessar-fogo são “inapropriadas e absurdas”.
Segundo ele, Moscou “não se importa nem um pouco com o rótulo sob o qual os contingentes da Otan podem ser enviados ao território da Ucrânia”. “Se eles aparecerem lá, significa que estão sendo enviados para uma zona de conflito, com todas as consequências para esses contingentes como partes do conflito”, destacou o diplomata russo.
Outros pontos importantes são as resoluções sobre os territórios ucranianos já anexados pela Rússia durante a guerra, as sanções contra Moscou e a situação das tropas ucranianas na região russa de Kursk. Apesar da declaração mútua Trump e Putin de que é preciso buscar uma solução pacífica duradoura, não foram acertados detalhes sobre estes pontos ainda sem resolução clara.
Em entrevista ao Brasil de Fato, o cientista político Ivan Mezyukho delineou a visão geral que guia a política externa russa na história moderna, após a dissolução da União Soviética e a crise dos anos 1990. Segundo ele, para a Rússia é crucial que o país seja reconhecido como uma potência diante da comunidade internacional.
“Nós sempre estivemos abertos ao diálogo, sempre, mas com a Rússia é que não querem estabelecer diálogo de igual pra igual. Aqui está o problema. É preciso que o Ocidente constate que a Rússia é uma grande potência que, após a dissolução da URSS, passou por uma longa turbulência política e econômica, mas que saiu deste período. Nós não somos o Estado fraco dos anos 90”, afirmou.
Sanções anti-russas
No início da semana, o enviado do presidente ucraniano para os assuntos ligados às sanções, Vladislav Vlasyuk, em entrevista ao Politico, reconheceu que as sanções ocidentais contra a Rússia poderiam ser suavizadas se isso ajudar a garantir a segurança da Ucrânia.
Segundo ele, o retorno dos negócios estrangeiros ao mercado russo é “uma questão de tempo”. Ao mesmo tempo, o enviado de Zelensky disse acreditar que isso deve acontecer em condições adequadas e é muito cedo para falar sobre quais sanções podem fazer parte de qualquer um dos acordos. “Agora, queremos apenas ter certeza de que a Rússia primeiro tome medidas significativas nessa direção, e então poderemos falar sobre o levantamento das sanções”, acrescentou.
Já o presidente russo, antes da conversa telefônica com Donald Trump, declarou nesta terça-feira (18) que “as sanções não são medidas temporárias, mas um mecanismo para pressionar a Rússia”. “Os concorrentes sempre se esforçarão para restringir seu desenvolvimento”, disse ele.
“Sanções foram impostas contra 28.296 pessoas jurídicas e físicas russas, o que é mais do que contra todos os outros [países] juntos”, disse Putin.
As ressalvas do presidente russo em relação à possibilidade das sanções serem suspensas reflete a posição do líder estadunidense, que chegou a ameaçar Moscou com novas sanções pesadas se a Rússia não for de encontro aos esforços de pôr um fim ao conflito ucraniano.
O cientista político Ivan Mezyukho observou que a retórica de ameaça de Donald Trump é uma abordagem ultrapassada nas relações internacionais. No entanto, o analista destaca que “teoricamente é possível esperar que os EUA possam adotar a diminuição de algumas sanções, talvez em relação à algumas pessoas jurídicas e físicas, por exemplo, alguns bancos ou empresários e políticos russos que exercem cargos de alto escalão na Rússia”.
“Mas uma plena suspensão das sanções é inviável. Para Donald Trump, as sanções são uma forma de exercer influência no nosso país, e essa barganha com certeza ele não pretende abrir mão. Ele considera que pode de alguma forma pressionar a Rússia. Mas, nesse caso, cai por terra outra de suas pretensões, pois Trump queria lidar bem com a Rússia contra a China, e lidar bem com a China contra a Rússia, isso também é uma abordagem ingênua nas relações internacionais”, argumenta.
O analista acrescenta que, se a Rússia não conseguir ter garantias sobre as suas exigências de segurança a longo prazo, Moscou continuará buscando resolver suas demandas através da via militar.
Territórios em disputa
As regiões ucranianas anexadas pela Rússia durante a guerra – Donetsk, Lugansk, Kherson e Zaporozhye – foram incorporadas à Constituição do país. No entanto, Moscou não tem o total controle dessas regiões, que ainda possuem presença militar ucraniana. Ao mesmo tempo, estes territórios não são reconhecidos pela grande maioria da comunidade internacional como parte da Rússia.
Em meados de março, ao comentar a proposta de um cessar-fogo, o presidente russo, Vladimir Putin, ressaltou que há risco da Ucrânia se aproveitar da trégua para se rearmar.
“E como outras questões serão resolvidas? Em toda a linha de contato, que tem quase 2 mil quilômetros, como vocês sabem, as tropas russas estão avançando em quase toda a linha de contato”, afirmou o líder russo.
A posição do líder russo reflete o cenário favorável a Moscou no campo de batalha. Desde que foi constatado o fracasso da contraofensiva ucraniana em 2023, a Rússia assumiu a iniciativa e, desde o ano passado, vem conquistando novos territórios lenta e gradualmente. Como ficaria o desenho da divisão territorial no leste ucraniano em um possível cessar-fogo é uma questão que segue em aberto.
Enquanto EUA e Ucrânia não demonstram possibilidades claras de concessão, Moscou destaca que as regiões anexadas durante o conflito já fazem parte da Constituição da Rússia e representam parte da estratégia de segurança do país.
O cientista político, Ivan Mezyukho, observou que, neste cenário, a Rússia não aceitará uma relação pautada por ameaças e imposições significativas ligadas a concessões de território. Neste sentido, o analista avalia que há um grau de inconsequência na forma de Donald Trump enviar alguns sinais para a Rússia, em particular, ao ameaçar Moscou com mais sanções.
“Trump, em certa medida, é inconsequente. Ele considera que, ao jogar uma série de ameaças, e abrir mão de algumas, ou seja, não perder nada, ele pode conseguir concessões significativas da parte da Rússia, mas é uma abordagem ingênua. A Rússia aprendeu a contar e recontar todos esses passos dos EUA na política internacional. Nós precisamos de resultados concretos. Se não houver resultados concretos nos nossos contatos, então nós continuaremos resolvendo as questões da nossa segurança militarmente”, completou.