Ysqueibel Yonaiquer é um venezuelano de 26 anos que vivia nos Estados Unidos. Segundo seus familiares, trabalhava com produção de videoclipes para músicos na Carolina do Norte. Em 8 de fevereiro, o jovem estava em uma gravação com outros companheiros de trabalho quando foram abordados por agentes do ICE (Imigração e Fiscalização Aduaneira, na sigla em inglês). Ele foi levado a El Salvador e hoje está em um presídio de segurança máxima.
Yonaiquer nasceu na cidade de Valência, na região central da Venezuela. De acordo com sua mãe, Idalis Coromoto, o jovem foi aos Estados Unidos tentar viver o “sonho americano”. Para isso, cruzou a América Central por terra e chegou ao México, onde recebeu permissão para entrar nos EUA desde que comparecesse a audiências que definiriam a sua permanência no país. A sua permissão de trabalho estava tramitando na justiça estadunidense, mas ainda não havia sido aprovada.
Quando foi preso, ele estava acompanhado de outro jovem venezuelano, Angelo Escalona, de apenas 18 anos. Os dois ficaram 1 mês em um centro de detenção na Carolina do Norte até que foram levados ao Texas. No último sábado (15), eles ligam por volta das 7h30 para seus pais e avisam que seriam deportados para a Venezuela. Os dois, no entanto, foram enviados ao Centro de Confinamento do Terrorismo (Cecot), em El Salvador, acusados de integrarem o grupo criminoso venezuelano Trem de Aragua.
A avó de Escalona, Maria Mercedes Meléndez, conta que ele chegou ainda menor de idade ao país norte-americano, e ficou acompanhado de dois tios que moram lá. Mesmo chegando pelo México, o jovem também conseguiu permissão para entrar desde que comparecesse a uma série de audiências que discutiriam a sua permanência. Ele, inclusive, já havia conseguido permissão para trabalhar no país, mas, mesmo assim, foi deportado acusado de fazer parte da quadrilha.
“No sábado ele liga afirmando que ia para a Venezuela no dia seguinte. Que não tinham viajado antes por causa das chuvas. Não conseguimos mais contato com ele, mas vimos pelas notícias que esse avião foi para El Salvador. Então supomos que está em El Salvador”, afirmou Melendez ao Brasil de Fato.
O caso é parecido com o dos irmãos Darwin Hernandez e Yeson Hernandez. Eles também chegaram nos EUA cruzando a América Central e viviam na Carolina do Norte. Ambos trabalhavam em um aplicativo de entregas. Os dois, no entanto, estavam em casa quando foram presos pelo ICE. Em 13 de fevereiro, foram transferidos para um presídio na Geórgia e depois ao Texas, antes de chegarem a El Salvador.
Os quatro fazem parte de um grupo de 238 venezuelanos que deixaram os Estados Unidos no último domingo (16).
“Perguntei se eles estavam colocando algum uniforme, porque todos os que estavam chegando à Venezuela estavam com um uniforme cinza. Ele disse que não, que mandaram colocar a roupa que estavam usando quando foram detidos. Quando vimos as fotos, não conseguimos reconhecer”, disse Carmen Carache, mãe dos jovens, ao Brasil de Fato.
Todos os familiares destes venezuelanos participaram nesta terça-feira (18) da marcha convocada pelo governo pedindo o retorno desses deportados ao país. Apesar de ter sido organizada pelo chavismo, a manifestação teve um caráter popular e mobilizou venezuelanos de diferentes correntes políticas.
Melendez afirma que a questão dos deportados venezuelanos se tornou uma expressão nacional de revolta contra as medidas da Casa Branca, mesmo para os que são opositores ao governo de Nicolás Maduro.
“É uma marcha convocada pelo governo, mas não é uma questão politica. Há muita gente que não está a favor do governo, mas viemos aqui porque são adolescentes. estamos lutando pela liberdade desses jovens. Não cometeram nenhum delito e muito menos conhecem El Salvador”, afirmou.
O próprio presidente participou da marcha em uma chamada telefônica e prestou solidariedade aos familiares. Ele disse que o governo fará todos os esforços para trazer de volta os venezuelanos que estão no país.
“Faremos tudo o que for necessário para resgatar nossos migrantes. Eles não são criminosos, são inocentes, são pessoas boas. Esses jovens, que não cometeram nenhum crime nos Estados Unidos, que não cometeram nenhum crime em El Salvador, que não receberam o devido processo, que não foram condenados nos Estados Unidos”, afirmou.
O presidente republicano já tinha uma política de deportação em massa de estrangeiros que viviam de maneira irregular nos Estados Unidos, mas para a última leva de venezuelanos, ele usou a Lei de Inimigos Estrangeiros, de 1798. A legislação estabelece que qualquer pessoa que esteja nos Estados Unidos – legal ou ilegalmente – e seja considerada de uma organização terrorista está sujeita a ser deportada como “inimigo estrangeiro”. Esses cidadãos, no entanto, precisam ter mais de 14 anos e não podem ser naturalizados ou residentes permanentes dos EUA.
Ao todo, 366 venezuelanos foram repatriados dos Estados Unidos em três voos em fevereiro. O último chegou em 24 de fevereiro com 242 pessoas repatriadas do México.
O presidente da Assembleia Nacional, Jorge Rodriguez, esteve no evento e criticou a medida de Trump. Segundo ele, a decisão do estadunidense é a mesma da Alemanha nazista, que criou campos de concentração para os judeus
“Não há outra maneira de dizer isso; foi o que aconteceu quando, nos primeiros dias da Alemanha nazista, eles aprovaram uma lei que falava de pureza racial. O que eles fizeram foi colocar populações inteiras em campos de concentração e submetê-las à morte. “Essa lei reproduz exatamente o que os nazistas fizeram”, disse.
Ao todo, 600 mil migrantes da Venezuela moram nos Estados Unidos de maneira irregular e podem ser afetados com a decisão. Caracas encampou as deportações e disse que o retorno dos venezuelanos cumpre com o programa do governo Retorno à Pátria, iniciado em 2023. O objetivo do governo de Nicolás Maduro era oferecer apoio logístico aos venezuelanos que estão fora do país em situação de vulnerabilidade e desejam voltar.
Para ter acesso ao programa, os venezuelanos só precisam se inscrever para receber orientações de como proceder. A ideia é disponibilizar inclusive passagens aereas para os venezuelanos, além de apoio diplomático para esse retorno.
Idas e voltas
Caracas voltou a receber em março os deportados venezuelanos dos Estados Unidos. A medida foi firmada em reunião com o enviado especial estadunidense, Richard Grenell.
A decisão vem na esteira de um descompasso entre Caracas e Washington. Os dois governos anunciaram no começo de fevereiro um acordo para as deportações. Grenell viajou à Venezuela e foi recebido pelo presidente Nicolás Maduro. O governo venezuelano concordou não só em receber os voos, mas também em buscar os migrantes com um avião da companhia estatal Conviasa. O enviado estadunidense chegou a afirmar que o governo de Trump não quer uma “mudança de regime” para a Venezuela.
Em março, no entanto, a Casa Branca anunciou que não renovaria a licença que permitia que a petroleira estadunidense Chevron atuasse na Venezuela. Em resposta, o governo venezuelano disse que não receberia mais os deportados. Depois dessa troca de declarações, os dois governos chegam agora a um acordo para retomar a deportação de venezuelanos.