Com o Salão Júlio de Castilhos da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul lotado, a deputada estadual Bruna Rodrigues (PCdoB) tomou posse como procuradora especial da Mulher, para o período de 2025 /2026, nesta terça-feira (18). Em 10 anos de órgão institucional, esta é a primeira vez que uma parlamentar negra assume a procuradoria, que terá como procuradoras adjuntas as deputadas Laura Sito (PT), Stela Farias (PT), e Sofia Cavedon (PT).
Bruna substituirá Silvana Covatti (PP) no comando do órgão, que tem como objetivo zelar pela participação mais efetiva das deputadas nos órgãos e nas atividades da Assembleia Legislativa, e também fiscalizar e acompanhar programas dos governos municipais, estadual e federal. Assim como receber denúncias de discriminação e violência contra a mulher e cooperar com organismos nacionais e internacionais na promoção dos direitos da mulher.
Ao passar o cargo, Covatti fez um breve balanço de seu trabalho à frente da procuradoria, das ações realizadas pela mesma, e de um breve histórico de como o órgão surgiu. Ela ressaltou o ineditismo de Bruna assumir como a primeira mulher negra, desejando êxito à parlamentar. Ao falar da importância do combate à violência, chamou todas as deputadas a se unirem nesse propósito. “Juntas, unidas e cuidando umas das outras vamos avançar muito mais e teremos mais força para enfrentar a violência.”

Mulheres que marcaram a vida
Em seu discurso de posse, Rodrigues, homenageou três mulheres que marcaram sua vida. Primeiro sua mãe, Virgínia Terezinha da Silva, que teve cinco filhos, é moradora da Vila Cruzeiro, na capital gaúcha, evangélica e gari de profissão. A deputada dstacou ainda sua filha Camile e a ex-deputada Manuela D’ Ávila, que a inspirou a entrar na política.
“Estou iniciando falando daquela que é meu maior símbolo. Minha mãe representa todas essas mulheres que sempre estiveram aqui. São quase 200 anos de Assembleia Legislativa, uma caminhada longa. Porém, essas mulheres, mulheres como a minha mãe, sempre estiveram neste parlamento carregando vassouras e bandejas. Hoje, tenho a honra de usar a tribuna e o microfone para falar de sua trajetória, marcada pela violência, pela fome e pela luta por dignidade.”
Sobre a filha, ressaltou que ela é a prova de que uma mulher, com filho ou sem filho nos braços, pode tudo. “Minha maior revolução, que me mostrou a importância de me organizar e lutar por uma sociedade melhor”, disse. E sobre Manuela, lembrou de sua juventude. “Nos encontramos quando eu era só uma guria revoltada com as injustiças e violações de direitos, sentada no fio da calçada na Cruzeiro. És a prova de que a luta antirracista existe e um exemplo de que é possível dar o lado para outras pessoas passarem.”

O presidente da Assembleia Legislativa, Pepe Vargas (PT), prestigiou a cerimônia. Ele afirmou estar honrado de presidir a casa no ato de assinatura do “documento que vai ficar para a história” e, junto de suas colegas deputadas, “nomear a primeira mulher negra na história do Rio Grande do Sul a assumir a procuradoria”.
Segundo Vargas, apesar dos avanços no que tange à vida das mulheres, ainda há muito que avançar. “O flagelo do feminicídio e a violência crescente dão a dimensão de quanto a sociedade precisa ainda caminhar para que as mulheres possam viver em plenitude”, destacou.
“Estou muito feliz porque nós coletivamente chegamos”
Após a posse, em entrevista ao Brasil de Fato RS, Bruna falou sobre o significado que a posse traz e sobre a situação das mulheres no estado. Confira:

Brasil de Fato RS – Tu se tornou a primeira mulher negra a assumir a Procuradoria Especial da Mulher. Que significado isso traz? Desafios e expectativas?
Bruna Rodrigues – É um momento histórico, tanto para o povo gaúcho quanto para a Assembleia Legislativa. E para mim, enquanto mulher negra, uma mulher que nasce e cria na periferia da cidade e que olha no horizonte e pensa que esse sempre foi um lugar negado a todas nós.
Eu falo todas nós porque nós somos uma parte considerável desse estado. Mulheres que ajudaram a construir a política gaúcha, mulheres que construíram e que ajudaram a manter a Assembleia Legislativa. Mas que nunca utilizaram os microfones para falar das suas histórias, trajetórias, do quanto a política pública é importante para nós.

Eu estou muito feliz de estar aqui, por óbvio, mas, acima de tudo, eu estou muito feliz porque nós coletivamente chegamos. Nós tivemos hoje um auditório lotado. Foi a maior presença nos atos de posse da Procuradoria da Mulher. Esse povo que veio até a Assembleia Legislativa hoje, que essa deveria ser a casa do povo, veio porque acredita que nós vivemos um novo momento. E um momento que fala não sobre mudança estrutural, porque nós somos realistas, mas sobre a nossa chegada. E acima de tudo, a gente passa a ter voz. Na nossa religião ou na minha religião, nós falamos, nós ganhamos axé de fala.
O Rio Grande do Sul está entre os cinco estados com o maior índice de feminicídios. Assim como temos elevados números de violência de gênero. Neste contexto qual a importância da procuradoria e o papel que ela pode exercer no combate à violência?
No lançamento da procuradoria, eu fiz uma analogia com a trajetória de vida da minha mãe. A minha mãe, ela podia ter sido uma mulher com a vida interrompida a qualquer momento. Foram diversas vezes que nós procuramos ou nós tentamos a presença do Estado e nós não tivemos. Uma mulher que sai de casa com cinco filhos, ela não recebe pouso na casa de ninguém. Ela não recebe acolhimento na casa de ninguém.
Porque a presença dessa mulher, mas acima de tudo, com cinco crianças e a ausência de políticas estruturantes, faz com que essa mulher caminhe num campo ainda mais solitário. Esse estado, um dos estados que mais mata mulheres, fala sobre a ausência daqueles e daquelas que deveriam ser o porto seguro de quem procura ajuda.
Não falta denunciar, falta que o Estado se faça presente. Nós não temos aqui no Rio Grande do Sul uma secretaria, por exemplo, de políticas públicas para as mulheres. E nós sentimos as consequências disso. Se comemora a redução de índices de violência sem a nossa presença. Se comemora que índices como, por exemplo, homicídios caem. Mas os índices de homicídio em relação aos feminicídios, ele cresce.

Então, olha o quanto — quando a política não é ocupada por mulheres ou quando nós não estamos presentes nos lugares estruturantes — a nossa ausência faz com que a nossa vida, ela não seja prioridade. Nós estamos falando aqui desse espaço que vai falar sobre uma jornada de vida das nossas mulheres. Então, nós estamos falando da vida, mas também da vida econômica, do acesso a políticas importantes. Nós vamos falar sobre a nossa chegada, mas, acima de tudo, sobre aquelas que precisam da presença do Estado.
Fora a violência física e psicológica de gênero, como tu avalias o cenário da violência política de gênero? Como a procuradoria pode contribuir no que tange à participação politica?
A medida que nós vamos ocupando mais espaços políticos de poder, de decisão, também há uma ofensiva contra nossa chegada. Ano passado eu senti, e foi muito duro ver a minha filha, que não escolheu esse caminho, que ainda não fez uma escolha de vida, ser ameaçada. Qual a forma mais agressiva de ameaçar uma mulher, se não atacando a vida de quem ela luta para criar, de quem ela luta para manter?

A ofensiva contra as mulheres que ocupam o parlamento, mas também essas estruturas de poder, ela aumentou. Mas nós sabemos que ela aumentou porque nós ocupamos outros lugares. Na luta coletiva nós avançamos, porém ainda precisamos alcançar muitos outros espaços para que essa ofensiva não nos afaste da política e não faça com que a gente retroceda.
Acho que sim nós avançamos, porém a ofensiva é tão forte e cruel que nós não estamos livres de uma nova Marielle surgir nesse caminho. Eu quero que a Procuradoria Especial da Mulher do Estado do Rio Grande do Sul assegure que as mulheres que ocupam a política não tenham as vidas ameaçadas. Não sejam retiradas pela violência, não sejam afastadas pela violência. Esse é um desafio de todos e todas nós. Porém, esse espaço aqui é um espaço que vai gritar alto que nós queremos as nossas vidas, as nossas jornadas políticas e as nossas famílias garantidas.
Em um contexto geral, como tu avalias a situação da mulher gaúcha, e as principais pautas que marcam suas vidas, como segurança, educação, trabalho?
Quando eu quando olho para a mulher gaúcha eu olho para uma mulher forjada na luta e muito forte. Eu olho para a periferia da cidade, não tem como não olhar porque eu sou uma mulher que vem daquele lugar. Eu não sou uma pessoa extraordinária, não ocupo esse lugar só por ser eu. É porque muitas mulheres se vêm nessa jornada, e entenderam a importância de ocupar esse lugar. E esse não é um demérito.
O maior mérito da nossa chegada é porque ela é coletiva, porque ela fala sobre muitas mulheres como eu. Muitas Brunas vivem nas periferias da cidade e muitas Brunas querem acessar a política pública que me fez chegar até aqui. Essa política, ela não está acessível, infelizmente.

Nós retrocedemos na política pública economicamente, quando nós não garantimos a uma mulher a vaga na creche. Nós retiramos o direito dela, o acesso e a mobilidade dela. Portanto, nós temos aqui só em Porto Alegre mais de 7 mil crianças fora da escola. Temos aí uma média do estado de mais de 40 mil vagas. Então, é muito difícil olhar para um estado que tem um déficit tão grande de vagar na creche e dizer que essas mulheres têm uma condição econômica ou uma condição de empoderamento acentuado.
Agora, em contraposição a isso, nós temos um grande levante feminista que fala sobre as mulheres que toparam encarar e compartilhar a jornada ou a demanda de outras mulheres. A luta feminista hoje fala sobre todas nós, sobre a nossa condição econômica, sobre as nossas condições coletivas. Sobre a vida dos filhos das mulheres periféricas, sobre a importância de ter uma saúde acessível.

Nós estamos falando ainda, e é muito básico, que lá nos postos de saúde das mulheres da periferia não tem mais o ginecologista. Isso nos afeta diretamente. E eu estou falando lá da ponta, porque essa demanda só chega aqui porque movimentos se organizaram e fizeram essa demanda chegar aqui. Isso fala muito sobre todas nós, sobre nós enterdemos que nesse feminismo mais popular a gente encontra a coletividade, a gente encontra a hombridade.
O feminismo se diz que é o avesso da solidão, e se é o avesso da solidão, nós andamos muito bem acompanhadas. Eu estou muito feliz, essa pose foi lindíssima e ela foi lindíssima porque a nossa mulherada entendeu a importância de uma mulher como eu, que representa tantas mulheres pretas nesse estado, chegar até aqui.
Mais uma vez, quero dizer que a nossa jornada é longa. A gente sabe que muitos são os desafios, principalmente quando nós temos aqui um governador que olha com muito pouco o reconhecimento sobre a importância das mulheres. Porque não basta colocar uma mulher em uma secretaria, em que não tem orçamento. Não basta colocar uma mulher em um espaço onde ele vai ser sucateado. Não basta colocar mulher em postos estratégicos. É preciso garantir que essas mulheres tenham condições de desempenhar bons mandatos, sejam de secretária, procuradoras, enfim.
Nós temos um estado que ainda não garante que a gente consiga ter bons papéis e que a gente consiga também garantir uma mudança estrutural. Mas a nossa jornada recém começou e a gente está aí com muita disposição e muita felicidade de ocupar esse espaço.
