A atual Legislatura da Câmara Municipal de Curitiba (CMC) logo completa dois meses de trabalhos legislativos e, infelizmente, a marca desse período segue sendo o tempo gasto em plenário com debates sobre questões que não competem aos vereadores ou sem qualquer relação com a cidade.
Como parlamentar comprometida com um olhar técnico, me choco a cada sessão em que as horas correm em discussões acaloradas (você provavelmente viu algum “corte” em redes sociais) que, como destaquei em um dos episódios, são a “epítome do absurdo”! Donald Trump, show da Anitta, Mc Oruam e, mais recentemente, a própria língua portuguesa, são alguns dos alvos dos debates.
A Câmara Municipal tem um papel vital de representatividade. Temas muitas vezes esquecidos pelo poder público ou pela própria população ganham voz por meio dos vereadores. Mas não podemos ser levianos: o tempo é escasso e o povo tem pressa, principalmente as parcelas mais vulneráveis da população.
Pressa por melhorias na cidade, na drenagem, na saúde, na educação, no transporte público. O Legislativo não pode fechar os olhos diante dessas urgências e aceitar gastar horas debatendo o sexo dos anjos – ou qualquer outra pauta que fuja da literal competência de um vereador: o município. É tanta pauta de competência federal sendo discutida que às vezes parece que tais vereadores sonham (ou deliram) que estão na Câmara dos Deputados em Brasília.
Da forma que o Regimento Interno se dispõe hoje, o problema se concentra em um artifício muito específico: as tais das ‘moções’. É repúdio, protesto, apoio e aplauso a qualquer coisa. A ‘farra das moções’ até tem um limite de cinco por mês, mas, se cada vereador usar seu limite completo não haveria tempo regimental nem para discutir projetos de lei.
Cheguei a propor uma limitação mais severa do número de moções que cada vereador pode apresentar mensalmente – uma! A ideia é incentivar que cada um pense bem no que gostaria de tratar. Seria uma forma de tornar mais criteriosa e qualificada a escolha dos temas de crítica ou aplauso. Mas, sem a reflexão e a autocrítica de cada parlamentar, mesmo a mais restritiva limitação pode parecer insuficiente.
O problema também não pode ser analisado sem considerar o fator redes sociais. Ferramentas que funcionam como um “canhão”, viralizando frases de efeito em minutos, mesmo que distantes da competência do cargo. Não podemos confundir agradar a audiência com atender demandas da população. Cada um representa o grupo que o elegeu e suas crenças – mas todos devem respeito e trabalho qualificado a todos os curitibanos, não somente seus eleitores.
Nós, parlamentares, não podemos negligenciar as demandas de hoje pensando na eleição de amanhã, abusando do poder da tribuna, tornando-a de maneira leviana um mero palco de corte para as redes sociais. Cabe a cada um que representa o povo curitibano também zelar pela credibilidade da Casa – e trabalhar com profissionalismo.
A responsabilidade é de todas e todos. Mas, como disse um cidadão curitibano que acompanhava a sessão plenária no YouTube, talvez essa ambição técnica e profissional seja, no fundo, ‘ser o adulto no jardim de infância’.
*Laís Leão é vereadora de Curitiba pelo PDT. Arquiteta e Urbanista, especialista em Administração Pública, é mestre e doutoranda em Gestão Urbana, além de ativista pela promoção de cidades seguras e inclusivas para mulheres no Brasil e na América Latina.
**Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.