Estamos no mês de março, mês de luta das mulheres, e nesse período as pautas e as lutas das mulheres ganham ainda mais força. Mas o que ainda há para avançar em relação às pautas? Quais riscos a extrema-direita oferece em relação a garantia de direitos das mulheres? Para responder essas e outras perguntas o Brasil de Fato conversou com Raquel Viana, da Marcha Mundial das Mulheres Ceará e da Executiva Nacional da Marcha Mundial das Mulheres.
Confira a entrevista:
Brasil de Fato: Estamos no março das mulheres, ou o mês de luta das mulheres. Qual a importância dessa data para a luta das mulheres?
Raquel Viana: O 8 de março é uma das principais datas do calendário feminista porque é uma data que é extremamente simbólica por tudo que ela carrega, pela sua história e também pelo significado político que tem o 8 de março.
A gente entende que o 8 de março é importante, para além de outras questões, porque ajuda a visibilizar as pautas dos movimentos feministas e, da mesma forma, ajuda a visibilizar o que tem sido a luta das mulheres cotidianamente.
Eu sempre coloco que o 8 de março também vai dizer que a nossa luta é todos os dias e é um momento de denunciar o que ainda permanece enquanto desigualdade e as opressões sobre as mulheres. É também importante porque ajuda a mobilizar as mulheres. As mulheres se organizam em torno dessa pauta, para a organização do 8 de março e, também, acho que acumula força para as novas lutas. O 8 de março meio que abre o calendário de lutas dos movimentos sociais.
Estamos vendo várias bandeiras de luta sendo levantadas atualmente como a luta pela democracia, a luta contra o fascismo e extrema direita, a luta pelo fim da escala 6×1. Como essas bandeiras atravessam a luta das mulheres? Qual o papel das mulheres em todas essas pautas?
Primeiro dizer que o nosso mote aqui no Ceará inclui a questão da democracia, mas a gente entende que todas essas questões são muito importantes e que também compõem motes de outras organizações em outros estados.
A gente entende que as ameaças à democracia e ao estado democrático de direito, que inclusive nós sofremos e, de certa forma, a gente vem sofrendo no mundo, não só no Brasil, também são ameaças à vida das mulheres. Se a gente pensar o que é que representou para as mulheres, em países em que retrocederam democraticamente, como no próprio Brasil, o que foi a ditadura militar, porque são regimes que vem marcado pela violência, e essas violências, a gente sabe, em relação às mulheres, elas têm uma particularidade.
Uma outra coisa também importante para nós é que são ameaças também aos direitos das mulheres. Nós sabemos que são nesses momentos em que a democracia está ameaçada que também os direitos das mulheres estão ameaçados. Um exemplo disso, aqui no Brasil, é a questão do aborto legal, que é uma pauta central, histórica para o movimento feminista, e a gente sabe que nesses momentos, como a gente vivenciou aqui no Brasil, com o avanço da extrema direita, com o conservadorismo que vem junto, representou e representa ainda uma grande ameaça aos direitos das mulheres, sobretudo, a autonomia das mulheres.
E a luta pelo fim da escala 6×1, que também os movimentos feministas reconhecem como lutas extremamente importantes, porque justamente dialoga com uma luta que é histórica das mulheres, que é a redução da jornada de trabalho. Mas a gente entende também que o debate e a luta pelo fim da escala 6×1, do ponto de vista feminista, deve vir combinada com o debate sobre a divisão sexual e racial do trabalho, porque são as mulheres também que, para além das jornadas de trabalho, do trabalho remunerado, enfrentam essas jornadas de trabalho não pago, do trabalho doméstico. Esse conjunto de questões, de problemas que nós temos enfrentado no Brasil e no mundo todo dizem respeito diretamente às mulheres, porque atravessam a gente de várias maneiras.

Como os movimentos feministas no Ceará observam a extrema direita no Brasil e no mundo e a forma como tratam os direitos das mulheres?
A gente observa com muita preocupação. Tem sido um ponto de debate. Nós, da Marcha, temos tentado acumular sobre isso nos nossos debates, nas nossas atividades, justamente o papel que a extrema direita desempenha, do ponto de vista dos retrocessos dos direitos das mulheres, como eu falei anteriormente, porque, justamente, a extrema direita elege as mulheres, e não só as mulheres, mas os negros, as pessoas LGBT, como seus principais inimigos.
A exemplo disso temos o presidente Trump que, justamente, tem reforçado essa política de discriminação, de desigualdade, de retrocesso a todas aquelas políticas que a gente chama: políticas ligadas a gênero.
É extremamente preocupante e, ao mesmo tempo, o que a gente percebe é que essa articulação da extrema direita no Brasil e no mundo não se articula somente com o conservadorismo, ela se articula também com outro elemento muito importante que é o mercado, que também tem uma incidência muito forte sobre a vida das mulheres, sobre o direito das mulheres e dos trabalhadores como um todo. A exemplo disso é essa aliança do presidente Trump com as grandes corporações, como é com a Meta, em que esses donos dessas grandes corporações agora, abertamente, incentivam esses discursos de ódio, de discriminação, do racismo, da misoginia.
Isso é muito preocupante porque não é um movimento isolado, não é um movimento que acontece em um ou em outro país, é um movimento que é global e que, como eu já falei, é como se as mulheres também fossem eleitas as principais inimigas de todo esse processo.
Logicamente a gente teme, justamente porque a gente já vem de um processo, de uma certa fragilização aqui no Brasil, do que foram aqueles processos de ataque aos direitos das mulheres, à autonomia das mulheres e em relação, principalmente, à questão do aborto, e a gente teme que isso se intensifique. Mas, ao mesmo tempo, o movimento vai criando estratégias para fazer esses enfrentamentos.
A Marcha Mundial das Mulheres entende que para enfrentar toda essa ofensiva da extrema direita e desse conservadorismo, não só no Brasil, precisa construir alianças com movimentos de outros países, não só os movimentos feministas, mas os movimentos sociais como um todo, para poder enfrentar todo esse contexto de violência da extrema direita.
O Governo do Estado do Ceará criou a Secretaria das Mulheres em 2023. Como você avalia a atuação da secretaria na promoção dos direitos e na proteção das mulheres?
A gente avalia que a secretaria vem cumprindo um papel bem importante, até porque a gente acredita que as políticas públicas para as mulheres são fundamentais para a garantia dos direitos, para a garantia de melhores condições de vida para as mulheres e, enquanto uma responsabilidade do estado, em que pese ainda o índice de desigualdade, de feminicídio no estado, das diversas formas de violência a gente percebeu um avanço nessa política de enfrentamento à violência, pela construção, organização de toda uma rede de proteção de atendimento às mulheres em situação de violência, a ampliação das Casas da Mulher Cearense em várias regiões e cidades.
A gente percebe isso como um avanço importante. No entanto, a gente acha que também é preciso avançar em outras áreas, principalmente na área do trabalho das mulheres. Acho que criar melhores condições para as mulheres de trabalho e de renda, de ter uma renda, porque a gente entende que o trabalho, a renda, as mulheres terem uma autonomia financeira, econômica é fundamental para que as mulheres possam romper com ciclos de violência.
Eu acho que precisa avançar também na saúde, na saúde sexual e reprodutiva, no acesso das mulheres ao serviço, principalmente as mulheres que vivem no campo, nas regiões mais distantes, as mulheres de periferias. Mas a gente reconhece, sim, que é importante e necessário ter esses espaços de governo, que pensa as políticas públicas para as mulheres, para a gente avançar cada vez mais nessa área.

2026 será ano de eleição no Brasil. Qual a importância de ter mais candidatos e candidatas que defendam as pautas das mulheres no poder público?
É fundamental. A gente entende que os chamados espaços de poder institucional, os parlamentos, os executivos, são espaços importantes para avançar nas transformações sociais, principalmente quando se tem pessoas que são comprometidas com essa transformação. E as mulheres são fundamentais, porque a gente sabe que historicamente as mulheres estiveram meio que a margem desses espaços. São espaços que predominam a presença dos homens, mas não só de homem, mas de homens brancos, homens de origem de famílias ricas, que tem relação com o capital.
A gente acha que adentrar esses espaços é também uma forma de resistência, de ter também a possibilidade das mulheres terem suas vozes amplificadas a partir desses mandatos, a partir dessas pessoas que conseguem chegar nesses espaços e que são comprometidas com a luta das mulheres, com a luta feminista.
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