Após hiato de um ano devido às enchentes que atingiram o Rio Grande do Sul, a Festa da Colheita do Arroz Agroecológico voltou a ser celebrada nesta quinta-feira (20). A 22ª edição do evento aconteceu no Assentamento Filhos de Sepé, em Viamão, reunindo cerca de cinco mil pessoas. O lema “Lutar, construir a reforma agrária popular” esteve presente em toda a programação, que começou às 9h com a abertura oficial da colheita.
De acordo com o Comitê Gestor do Arroz Agroecológico, foram semeados 2.850 hectares de arroz agroecológico e 800 hectares em conversão nos assentamentos de Viamão, Nova Santa Rita, Eldorado do Sul, Charqueadas, Guaíba, Tapes e São Gabriel e a colheita estimada é de 14 mil toneladas do grão.
Realizada anualmente pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) do Rio Grande do Sul, a festa marca o início da colheita do arroz agroecológico no estado. Em março do ano passado, em vez da festa, o MST promoveu um seminário sobre os impactos das mudanças climáticas na agroecologia.

A retomada do evento simboliza a resistência do movimento e a importância da agroecologia na produção sustentável de alimentos. O assentamento recebeu visitantes de diversas partes do estado e do país, e reuniu uma grande diversidade de produtos e produtores, reafirmando a relevância da luta pela reforma agrária popular.
Com 50 bancas e a participação de 9 cooperativas do estado, a feira contou com grupos de produção e agroindústrias de diversos assentamentos, além dos Institutos de Educação Josué de Castro e Educar. Ao todo, 120 tipos de produtos foram comercializados na feira, incluindo panificados, embutidos, queijos, arroz, geleias, sucos, artesanatos e livros, reforçando a importância da produção sustentável e coletiva no campo.
O evento também celebrou a atuação dos Viveiros da Reforma Agrária Popular – Mulheres da Terra e Zecão, a presença de povos indígenas com artesanatos e a participação de 7 cozinhas solidárias, representando as 30 em funcionamento em Porto Alegre.

Agroecologia e resistência
Atualmente, o Rio Grande do Sul tem o cultivo de 2.850 hectares de arroz orgânico. Edegar Pretto, presidente da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), ressaltou a importância desta safra:
“Foi um trabalho de resistência após as enchentes, contando com o apoio do governo federal. 70% da semente utilizada veio do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), e a Conab investiu R$ 4 milhões na compra de sementes. Esse arroz chegará às escolas, hospitais e cozinhas solidárias, garantindo alimento saudável à população.”
A necessidade de fortalecer a luta pela reforma agrária popular foi reforçada por João Pedro Stédile, economista e dirigente do MST, que destacou os desafios do cenário atual:

“Vivemos tempos difíceis e precisamos de apoio. Nosso objetivo não é apenas fazer propaganda, mas conscientizar o povo sobre a agricultura e sua importância para a transformação social. Nossa luta é por um modelo que recupere o território, proteja a natureza, produza alimentos e fortaleça a agroecologia. Precisamos pressionar para que o governo cumpra o que prometeu, garantindo que os mais pobres sejam contemplados no orçamento. Não acreditem apenas em promessas. Lutem!”
A concentração fundiária no Brasil e a necessidade de políticas públicas para promover a distribuição de terras foram temas abordados por César Fernando Schiavon Aldrighi, presidente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra):
“O Brasil tem uma distribuição de terras extremamente desigual. Apenas 2% das propriedades ocupam 60% da área, enquanto a maior parte dos agricultores tem acesso a menos de 10% do território. Isso justifica a necessidade de uma intervenção governamental para reorganizar a estrutura fundiária do país. Desde os anos 1990, o Incra tem um papel fundamental nesse processo, supervisionando e fiscalizando a função social da terra. A reforma agrária não é um sonho ou uma utopia Acredito que desconcentrar a terra é essencial para o desenvolvimento do Brasil, e lutamos para garantir que mais famílias tenham acesso a esse direito.”

Produção Agroecológica
Durante a festa, um drone sobrevoou as lavouras despejando bioinsumos da unidade de produção Ana Primavesi, destacando a inovação e o compromisso com práticas sustentáveis.
Nelson Krupinski, presidente da Cooperativa dos Trabalhadores Assentados na Região de Porto Alegre (Cootap), destacou os desafios e a resiliência dos assentados:
“Hoje é um momento muito especial, celebrar a 22ª abertura da colheita do arroz agroecológico após um ano difícil. Perdemos mais de 30% da produção em alguns assentamentos e, em outros, 100% da safra. No entanto, a cooperação das famílias e a busca por recursos permitiram a recuperação da produção.”

Krupinski enfatizou a importância do manejo sustentável: “A agroecologia permite uma recuperação mais rápida. O solo responde quando manejado corretamente, com bioinsumos e variedades adaptadas. Embora muitos assentamentos, como Eldorado e Nova Santa Rita, tenham sido severamente impactados, a força das famílias e a cooperação foram fundamentais para a reconstrução.”
Fernanda Machiaveli, secretária executiva do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA), também celebrou a colheita:
“É uma grande satisfação ver um assentamento assim, com essa colheita maravilhosa, depois de um ano tão difícil como 2024. Esse povo, com força e coragem, superou desafios e produziu um arroz de qualidade. O MDA investiu R$ 2,5 milhões na compra de sementes e destinou R$ 350 milhões para recuperar estradas, apoiar assentados e reconstruir casas. Estamos revertendo a redução das áreas plantadas e garantindo comida saudável para os brasileiros.”

Marcon (PT), deputado federal, reforçou a necessidade de investimento na agroecologia: “Estamos aqui celebrando conquistas, e assim mesmo temos muito para avançar: é preciso investir em pesquisa e produzir alimentos agroecológicos, para que cheguem na mesa de todos os brasileiros.”
Luta pela terra e enfrentamento da violência no campo
A juíza aposentada Cláudia Dadico, da Ouvidoria Agrária Nacional, também esteve presente e enfatizou a importância da produção agroecológica e da luta pela reforma agrária:
“Estamos aqui enaltecendo mais uma vez o MST e sua forma de organizar a produção e a luta dos trabalhadores no campo. O modelo capitalista de produção precisa ser substituído por um modelo sustentável, que respeite a natureza e minimize os impactos das mudanças climáticas.”
Dadico também abordou os desafios enfrentados pelos trabalhadores rurais devido a conflitos agrários: “As disputas territoriais seguem acirradas, com altos índices de grilagem e violência no campo. No entanto, temos avançado na articulação de ações federais para enfrentar essa realidade, reduzindo o número de mortes e garantindo conquistas como o decreto presidencial de interesse social na área do Porto Florestal.”

Loroana Santana, diretora executiva da Agência Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (Anater), ressaltou a importância da retomada do evento após um período desafiador para o MST.
“Este momento é muito feliz para nós. Vivemos um desastre ambiental que exigiu grande resistência do movimento. Hoje, ver tudo plantado e sendo colhido é gratificante. O MST tem diversas bandeiras de luta, entre elas a agroecologia, que significa produzir alimentos saudáveis, sem agrotóxicos, promovendo justiça climática e ambiental.”
Santana também destacou a recuperação rápida das lavouras agroecológicas após as enchentes: “A agroecologia está na estrutura do ambiente. Mesmo com todo o impacto, o MST conseguiu rapidamente reaver os esforços e garantir uma produção sustentável e de alta produtividade.”

Luta pela terra e alimentação saudável
A relação entre agroecologia e justiça social foi destacada por Silvia Brum, subdefensora pública-geral para Assuntos Institucionais: “A defensoria pública é aliada da agroecologia e, consequentemente, aliada da luta contra o racismo, homofobia, machismo, e todas as formas de opressão. Contem conosco!”
A importância da agroecologia também foi ressaltada por Lara Rodrigues, da direção estadual do MST-RS: “Temos como princípio a agroecologia, que não é apenas produzir alimentos, mas também construir um projeto de país, e produzir a vida com respeito. A agroecologia é uma ferramenta de luta!”
A representante do Ministério da Cultura, Mariana Martinez, ressaltou o papel da cultura na luta pela terra: “A luta do acesso à terra é também uma batalha travada pela cultura em nosso país. Seguimos juntos em defesa da democracia, pela valorização cultural e pelo combate à fome em nosso país.”

Amanda Martins, do Levante Popular da Juventude, destacou a importância das cozinhas solidárias no evento: “Não é à toa que hoje trouxemos mais de 25 cozinhas solidárias da região metropolitana aqui hoje. A festa da colheita é uma representação da nossa luta pelo combate à fome e em defesa da alimentação saudável!”
