Neste 21 de março, Dia Internacional pela Eliminação da Discriminação Racial, a realidade da vida da população negra baiana nos convida a refletir sobre o extermínio da juventude negra e a falência da política de segurança pública do Estado da Bahia. Os números de violência e morte são cada vez mais alarmantes e insuportáveis. Dados do 18º Anuário Brasileiro de Segurança Pública apontam que a Bahia é o estado onde as polícias mais matam no país. A situação expõe um modelo de política de segurança pública pautada na pena de morte, sendo esta a principal reação do Estado ao aumento da violência.
A decadência da política de segurança pública na Bahia tem como cenário chacinas policiais. Somente em março deste ano foram noticiados diversos assassinatos ocorridos durante operações policiais, dentre eles, três mortos no município de Cachoeira, no dia 18 de março; seis mortos no município de Terra Nova, no dia 17; e 12 mortos na comunidade de Teotônio Vilela, em Fazenda Coutos, Subúrbio Ferroviário de Salvador, no dia 4 de março, terça-feira de Carnaval. Esta última operação da Polícia Militar, resultou na morte de jovens, com idades entre 17 e 27 anos, segundo relato oficial. Os assassinatos foram justificados pelos policiais como uma ação resultante do confronto entre integrantes de facções criminosas e policiais. No entanto, de acordo com a Secretaria de Segurança Pública da Bahia (SSP-BA), a operação foi previamente planejada após denúncia da presença de “homens fortemente armados” na região.
Não é possível aceitar que nas operações policiais, planejadas ou não, para garantir a ordem pública, 12 jovens negros sejam mortos sem que haja uma explicação objetiva sobre a atuação policial. O caso de Teotônio Vilela não é um fato isolado, mas sim parte de um padrão de violência e racismo estrutural que vem se repetindo ao longo dos anos. Segundo dados do Instituto Fogo Cruzado, entre 2022 e 2025, o Estado da Bahia registrou 100 chacinas (situação em que três ou mais civis são mortos a tiros), sendo que 63 dessas ocorreram em Salvador, e 46 envolveram ações da Polícia Militar. Esse cenário, que nos remete à tragédia da Chacina do Cabula, em 2015, onde 12 jovens também perderam suas vidas em uma ação policial, não pode mais ser ignorado.
É inadmissível que a vida de jovens negros sejam ceifadas sem a devida responsabilização e sem que se examine e exponha a falência de uma política de segurança pública, que não faz jus aos direitos fundamentais dos cidadãos. A política de segurança pública na Bahia tem se mostrado um instrumento de necropolítica, uma estratégia que, ao invés de proteger a vida, promove a morte. Desenvolvido pelo filósofo camaronês Achille Mbembe, o conceito de necropolítica nos ajuda a compreender como o Estado, em determinados contextos, age como executor da morte, ao invés de ser guardião da vida. A violência policial e o extermínio da juventude negra em comunidades periféricas e empobrecidas não são casos isolados ou acidentais, mas sim reflexo de uma estrutura racista que, historicamente, coloca as vidas negras em posição de vulnerabilidade e ameaça.
Neste Dia Internacional pela Eliminação da Discriminação Racial é imprescindível que, como sociedade, nos solidarizemos com as famílias das vítimas, em especial com as mulheres que, cotidianamente, enfrentam a dor da perda de seus filhos, netos, irmãos e sobrinhos. Mulheres negras, mães, tias, avós e filhas são também vítimas desse ciclo de violência, no qual a sociedade e o Estado não se responsabilizam pelas mortes de seus entes queridos. Quando se perde um filho em situação de violência policial, principalmente em contextos que mobilizam pouca solidariedade da opinião pública (filhos envolvidos com o crime ou tráfico de drogas), impõe-se a essas mulheres um luto sufocado, sem direitos. Estudos apontam que mães e familiares de vítimas da violência policial sofrem adoecimento psíquico, como a depressão. A insônia e a perda de memória são condições que chamam particularmente a atenção após esses eventos extremos, assim como relatos de surgimento ou agravamento de outras doenças, como hipertensão arterial e diabetes, o que também potencializam uma morte prematura.
É urgente que a política de segurança pública na Bahia seja revista e, efetivamente, mudada. Precisamos de uma segurança que respeite os direitos humanos, que proteja todas as vidas, especialmente as da população negra. Não podemos mais tolerar que a vida de jovens negros sejam exterminadas, como se não importassem. A mudança precisa ser radical, começando pela reavaliação das práticas de policiamento, aprimorando o sistema de controle, a exemplo da instalação de câmeras corporais em fardas de policiais; e pela implementação de políticas públicas inclusivas no município de Salvador e em todo o Estado, com ações multieducacionais de qualidade nas periferias, iniciativas de fomento ao esporte, lazer e cultura, além de projetos de profissionalização e apoio ao trabalho e a renda dos jovens.
É fundamental que as investigações sobre as chacinas policiais, como a de Fazenda Coutos, sejam conduzidas com imparcialidade e celeridade pelos órgãos responsáveis por investigar e punir os abusos cometidos por agentes do Estado. As famílias dos jovens mortos merecem respostas verdadeiras sobre o que ocorreu e a justiça precisa ser feita. Não podemos mais permitir que a impunidade continue alimentando esse ciclo alarmante de violência e morte. A vida dos jovens negros de Salvador e da Bahia importa. São filhos, pais, irmãos, amigos, e suas vidas devem ser respeitadas. Como mulher negra, mãe e tia, utilizo minha voz para que nunca mais sejamos silenciadas diante da morte, do racismo e da violência.
*Eliete Paraguassu é quilombola de Ilha de Maré, Pescadora, Marisqueira e Vereadora de Salvador (BA).
**Este é um artigo de opinião e não necessariamente representa a linha editorial do Brasil do Fato.