No último sábado (15), Lucas Almeida de Lima, de 26 anos, foi agredido com socos e assassinado a tiros por policiais militares em Barueri, na grande São Paulo. Mais uma vítima da violência praticado pelo Estado, o jovem negro foi lembrado no ato realizado no Largo São Francisco, em São Paulo (SP), na tarde desta sexta-feira (21).
“A gente tem que saudar esses jovens que partiram de uma forma muito cruel por conta de um sistema racista que os exclui de viver, que os exclui de estar aqui”, diz Zezé Menezes, integrante da Marcha das Mulheres Negras de São Paulo.
Organizado pela Frente Povo Negro Vivo, que reúne mais de 100 organizações da sociedade civil, a manifestação teve como objetivo denunciar a violência policial e de Estado que atinge a população negra e periférica.
Pessoas negras têm 3,8 vezes mais chances de morrer em uma intervenção policial, de acordo com os dados de 2024 do Anuário Brasileiro de Segurança Pública. No estado de São Paulo, foram 814 mortes decorrentes de intervenção policial só no ano passado, documentadas pela Secretaria de Segurança Pública.
Os dados evidenciam a violência policial como perpetuadora do racismo, afirma o defensor público Vinicius Silva. “O enfrentamento do problema da violência policial deve ser feito, na visão de muitos especialistas e do movimento social, mudando a forma de atuação dessas corporações, trazendo o foco para a prevenção e a garantia de direitos”, defende.
Silva foi um dos convidados a discursar na aula pública aberta, realizada em frente à Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), na abertura do ato.
“Essa universidade tem muito a ver com escrever uma outra história, porque nessa universidade até muito pouco tempo atrás entrava e saía a elite judicial desse país e era coincidentemente a elite econômica, que fazia leis para conter os nossos corpos, que fazia leis para nos manter encarcerados”, salienta Regina Lúcia, do Movimento Negro Unificado (MNU), sobre a escolha do local do ato. “Então, por isso, é tão importante a gente estar aqui hoje falando de segurança e perceber que existe a possibilidade de termos uma segurança cidadã que nos pense como conjunto da sociedade brasileira.”
A militante destacou que a segurança pública do país, pensada a partir das polícias, visa a defesa do patrimônio da elite e do empresariado brasileiro. “Nós estamos aqui lutando por uma segurança cidadã, que enxergue todo o cidadão desse país como senhor e senhora de direitos. Para que isso aconteça, é necessário que a gente invista muito mais em educação e em distribuição de renda do que em polícia e em cadeia.”
Além de Vinicius Silva e Regina Lúcia, a aula reuniu o ex-ouvidor das polícias de São Paulo Claudio Silva; Fábio Pereira Santos, da Associação de Amigos e Familiares de Presos (Amparar); Débora Dias e Luana Vieira, da UNEAfro Brasil; Milton Barbosa, do MNU; Simone Nascimento, deputada estadual da Bancada Feminista (Psol-SP); e o professor Ramatis Jacinto, da Universidade Federal do ABC (UFABC).
A aula durou cerca de 45 minutos e foi seguida por falas de representantes dos movimentos.
“Os cara (sic) acaba com a senzala e constrói penitenciária”, protestou Maurício Monteiro, da 1ª Frente de Sobreviventes do Cárcere, que se apresenta como um dos sobreviventes do massacre da Casa de Detenção de São Paulo, o Carandiru, quando 111 detentos foram assassinados por policiais militares.
Em uma fala breve, Monteiro lembrou do massacre para denunciar o racismo no sistema judiciário. “Meu salve é rápido, pra gente não deixar que a história se apague. Quem não tem um passado, não projeta um futuro”, diz.
Os manifestantes caminharam até o prédio da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, onde continuaram as falas ao microfone, cercados por dez viaturas e dezenas de policiais militares, incluindo oficiais da Força Tática.

Abordagens policiais são usadas para intimidar
De acordo com dados de 2019 da Secretaria de Segurança Pública, foram realizadas 125.304 prisões em flagrante num total de 15 milhões de abordagens policiais. “A gente observa que é uma banalização muito grande desse instrumento legal. Há uma desproporção: só 1% das abordagens geram prisão”, diz o defensor. “Longe de serem um meio investigativo eficaz, as ações policiais podem estar se transformando em um meio de intimidação das pessoas”, ressalta Vincíus Silva.
“Diante desse contexto, acreditamos que é possível o movimento social negro disputar uma nova política de segurança pública que garanta a nossa vida, garanta a efetividade dos nossos direitos e garanta que a Polícia Militar do estado de São Paulo não matará os jovens negros desse país de forma banalizada, como infelizmente tem acontecido.”
Entre as medidas elencadas por Vinicius Silva para o combate ao racismo institucional está a construção de mecanismos de controle social, como uma ouvidoria externa das polícias, o monitoramento da atividade policial com o programa de câmaras corporais e formações voltadas aos agentes de segurança.
Sobre o programa de câmaras corporais, Silva destaca que a implementação é fruto da pressão de grupos da sociedade civil, especialmente os impactados por essa violência. Uma das reivindicações do ato é justamente o cumprimento da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que determina o dos dispositivos com gravação ininterrupta durante operações policiais.
“Nos últimos anos, temos assistido à tentativa de enfraquecimento do programa, aliada a uma retórica discursiva de maior permissividade do assassinato cometido por policiais sob a justificativa de combate à criminalidade que, entretanto, segue em níveis elevados. E pior do que isso, as balas sempre encontram os mesmos corpos negros”, pondera o defensor.
O professor Ramatis Jacinto ressalta que, embora a manifestação denuncie a violência praticada pelos policiais, o foco das denúncias são o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) e o secretário de Segurança Pública Guilherme Derrite.
“É uma política de morte colocada e implementada aqui no estado de São Paulo por esse governador e por esse secretário de Segurança”, diz. A exoneração de Derrite é uma das pautas centrais dos manifestantes.
“Derrite e Tarcísio não têm nenhum compromisso com os direitos do povo trabalhador desse estado, não têm nenhum compromisso com a vida e não têm compromisso sequer com a vida dos policiais que eles colocam nas favelas para nos matar”, pontua Claudio Silva.
Ele observa que o governador e o secretário de Segurança Pública estabelecem no estado paulista um laboratório de morte fundada no racismo, que deve repercutir em todo o país. Antes do ato, representantes dos movimentos negros, periféricos e de direitos humanos estiveram na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), onde protocolaram pedido de impeachment de Tarcísio e Derrite.

O dia 21 de março marca o Dia Internacional pela Eliminação da Discriminação Racial. A data faz referência ao Massacre de Sharpeville, ocorrido na África do Sul, o dia 21 de março de 1960, quando 69 pessoas foram assassinadas pelas forças do Estado na África do Sul. “A data incita a relembrarmos casos brasileiros de violência policial, como as operações Escudo e Verão e os massacres de Paraisópolis e de Jacarezinho”, elenca Claudio Silva.