A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) deu início nesta terça-feira (25) ao julgamento da denúncia oferecida pela Procuradoria-Geral da República (PGR) contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e outras sete pessoas, que integram o primeiro núcleo de acusados da tentativa de golpe de Estado e abolição do Estado democrático de direito.
Após a abertura da sessão pelo presidente do colegiado, o ministro Cristiano Zanin, relator do caso, Alexandre de Moraes fez uma síntese da ação penal e um relato sobre o andamento das investigações. Presente no plenário, o ex-presidente Jair Bolsonaro ouviu impávido o resumo do processo.
Nessa intervenção, Moraes relatou uma série de requerimentos da defesa para alterar prazos devido a uma suposta dificuldade de acesso às provas colhidas pela PGR. “O amplo e integral acesso às provas já estava garantido a todas as defesas. Eu já havia autorizado antecipadamente o acesso à delação premiada”, afirmou o ministro, em referência à colaboração premiada do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, Mauro Cid.
A fala do ministro chegou a ser interrompida por gritos do lado de fora do plenário. “Arbitrário!”, disse Sebastião Coelho, advogado de defesa do deputado federal Filipe Martins, que também é indiciado, mas faz parte de outro núcleo de julgamento.
Logo, a PGR, autora da ação, representada pelo procurador-geral, Paulo Gonet, apresentou os elementos que corroboram com a acusação apresentada. Gonet fez um longo relato de diversas situações em que o ex-presidente e seus assessores mais próximos defendiam medidas antidemocráticas, entre as quais a participação de Bolsonaro.
“A organização criminosa esbanjava acusações falsas, mirabolantes e manipuladoras nas redes sociais”, destacou o PGR, que destacou ainda as ações tomadas pelo ex-presidente e seus apoiadores durante as eleições de 2022, citando a orientação para a Polícia Rodoviária Federal (PRF) obstaculizar o trânsito de eleitores do então candidato a presidente, o atual mandatário, Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Gonet também citou a manutenção de acampamentos golpistas pelo país, que culminou na depredação das sedes dos Três Poderes em 8 de janeiro de 2023. “Os meses que se seguiram após as eleições foram assustadores”, disse o PGR.
“Os membros da organização criminosa estruturam no Palácio do Planalto ataques à Constituição com vistas à derrocada do sistema de funcionamento dos poderes e da ordem democrática, seguindo plano que recebeu o sinistro nome de ‘Punhal verde e amarelo’”, destacou Gonet.
“A execução de atos de essência golpista, criminosa, também se estampa em outro conjunto de episódios assombrosos desvendados pelo inquérito policial. As investigações revelaram uma aterradora operação de execução de golpe em que se admitia até mesmo a morte do presidente da República”, afirmou o PGR, que defendeu a integridade da denúncia a ser recebida pelo STF. “A denúncia está em condições de ser recebida para que a ação penal tenha início”.
Defesa dos acusados
Em seguida, os advogados de defesa foram convidados a apresentar seus argumentos, começando por Paulo Renato Garcia Cintra Pinto, advogado do atual deputado federal e ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Alexandre Ramagem (PL-RJ), acusado de instaurar uma “Abin paralela” para investigar, de forma ilegal, detratores e opositores do ex-presidente Jair Bolsonaro.
A principal linha da defesa foi minimizar as provas colhidas pela Polícia Federal (PF). “Mais do mesmo”, disse Pinto, se referindo a documentos em que Ramagem criticava a Justiça Eleitoral e chegava a afirmar que o Jair Bolsonaro teria sido eleito no primeiro turno, em 2018. A defesa também argumentou que foi criado um grupo de trabalho no interior da Abin, rejeitando a acusação de criação de uma estrutura paralela de investigação. “Não há gravidade nas mensagens referidas”, atestou.
O advogado também mencionou a delação do ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro. “Mauro Cid não prestou relevo algum sobre a participação de Alexandre Ramagem na organização criminosa”, disse.
Em seguida, fez uso da palavra Demóstenes Lázaro Xavier Torres, advogado do ex-comandante da Marinha, Almir Garnier, que iniciou reafirmando a preliminar apresentada pela defesa para que o julgamento fosse remetido ao plenário do STF, “devido à alta relevância” do tema. Torres questionou o fato de que apenas o chefe da Marinha foi indiciado, excetuando os comandantes das demais forças, e citou uma série de situações em que os chefes do Exército, Marco Antônio Freire Gomes, e da Aeronáutica, Carlos de Almeida Baptista Júnior.
“As tropas da Marinha só podem ser movimentadas com autorização do Comando de Operações Navais, e o comandante das operações navais era o atual comandante Olsen”, disse o advogado, que chamou os policiais federais envolvidos na investigação de “romancistas”. “Não há acusação, não há ato”, afirmou Torres, que qualificou a acusação de “inepta” e pediu a rejeição da denúncia.
“Os atos de 8 de janeiro certamente serão uma mancha para a história do Brasil”, afirmou Eumar Roberto Novacki, advogado do ex-ministro da Justiça, Anderson Torres, que em seguida solicitou que o processo seja enviado à primeira instância, já que Torres não possui foro por prerrogativa de função.
“Todas as condutas descritas pelo Ministério Público são parte de sua função profissional”, afirmou. Em nenhum momento da denúncia se aponta uma conduta concreta de Anderson Torres, pelo contrário, tratam-se de ilações, de palavras de terceiros”, defendeu o advogado, que minimizou a gravidade da chamada “minuta do golpe”, encontrada na casa do ex-ministro da Justiça de Bolsonaro.
Sobre a acusação de negligência, quando cumpria a função de Secretário de Segurança Pública do Distrito Federal, em 8 de janeiro de 2023, Novacki afirmou que as férias de Torres estavam agendadas desde o mês de julho, e que as passagens para os Estados Unidos foram compradas em novembro, afastando, sob seu ponto de vista, a acusação da PGR. O advogado mencionou ainda a cooperação de Anderson Torres durante o processo de transição de governo.
O advogado do ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno, Matheus Maia, defendeu a preliminar apresentada pela defesa para que o processo não seja fracionado, além de solicitar o acesso às provas, para além dos informes da polícia judiciária. Finalmente, Marques qualificou a denúncia da PGR como inepta e disse haver ausência de justa causa para a abertura da ação penal. “Esta é uma ilação do Ministério Público”, afirmou. “Se trata de um ‘terraplanismo’ argumentativo”, acusou.
“A Procuradoria-Geral da República se esquece que a posse do atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi coordenada pelo então ministro do GSI, Augusto Heleno, que ocorreu de forma mais correta e com toda a segurança”, disse Maia.
Celso Sanchez Vilardi, advogado de Jair Bolsonaro, disse que o ex-presidente foi o chefe do Executivo mais investigado da história, e descartou a participação do ex-presidente nos atos de 8 de janeiro. “Nem a Polícia Federal, que utilizou mais de 90 vezes a expressão ‘possivelmente’, afirmou a participação dele no 8 de janeiro. Não há nenhum elemento, não há uma única evidência”, afirmou o advogado, que voltou a acusar a falta de acesso às provas que corroboram com a acusação.
Vilardi disse ainda que o ex-ajudante de ordens Mauro Cid rompeu o acordo de delação ao vazar as informações à imprensa, desqualificando, desta forma, o depoimento de Cid. “Com todo respeito, há uma inversão. Porque não foi o Estado que foi buscar as provas. O Estado trouxe os indícios e o delator se adequou à narrativa do Estado”, acusou.
“Eu entendo a gravidade de tudo o que aconteceu no 8 de janeiro, mas não é possível que se queira imputar responsabilidade ao presidente da República, como membro de uma organização criminosa, quando ele não participou dessa questão do 8 de janeiro, pelo contrário, ele a repudiou”, disse o advogado de defesa.
Cézar Bittencourt, advogado de Mauro Cid, falou em seguida e não usou o tempo total de fala, apenas destacou o papel de Cid na investigação em curso, e solicitou o não recebimento da denúncia contra o delator.
“Esta denúncia não vai manchar a trajetória do General Braga Netto”, disse José Luis Mendes de Oliveira Lima, advogado de Walter Braga Netto. “A defesa está sendo cerceada”, acusou a defesa do ex-ministro da Casa Civil do governo de Jair Bolsonaro, que agregou não ter acesso ao computador e ao celular de Braga Netto, apreendidos em uma operação da Polícia Federal.
Os demais advogados de defesa seguiram a mesma linha, no sentido de afirmar a ausência de acesso às provas, desqualificar a colaboração premiada de Mauro Cid e acusar a PGR de construir uma narrativa baseada em ilações.
A sessão foi suspensa e será retomada na parte da tarde, com a discussão das preliminares e, em seguida, do mérito da acusação apresentada pela PGR.