Uma família devastada pela dor. Esse foi o resultado de um parto forçado realizado no hospital do município de Itabaiana, interior da Paraíba. Ruth Iaponira da Silva Maia morreu na segunda-feira (24), às 7h, na Maternidade Frei Damião, em João Pessoa. Ela era moradora do Acampamento Arcanjo Belarmino, organizado pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), localizado na área rural de Pedras de Fogo (PB). Aos 17 anos, Ruth Maia começou a sentir os sinais do trabalho de parto havia mais de uma semana, dando início a uma verdadeira peregrinação nos hospitais próximos ao seu local de moradia.
Segundo o marido, Pedro da Silva Jordão, o que Ruth sofreu foi violência obstétrica. “Na primeira semana que a gente saiu daqui, a gente foi para três maternidades, fomos para a Frei Damião, Cândida Vargas e para a maternidade de Santa Rita. Ruth tentou ficar internada nestas três para ter um melhor atendimento, só que nenhuma dessas três aceitou ela porque ela só tinha um centímetro de dilatação. Ela ficou do sábado até a quarta em casa. Na quinta-feira fomos para o hospital de Pedras de Fogo, mas voltamos para casa pois não havia nada”, explicou.
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Na última sexta-feira (21), ainda segundo o marido de Ruth, ela começou a sentir muitas dores e foi levada para o hospital de Pedras de Fogo (PB). “Quando chegamos lá, a gente foi atendido, e Ruth não conseguia se levantar, ela foi na maca. Ela sentia muita dor mesmo. A médica fez um exame de toque e viu que Ruth estava com seis centímetros de dilatação. Eu pedi para que ela fosse encaminhada para fazer uma cesárea. A médica não quis e resolveu fazer o parto no hospital de Pedras de Fogo. Tentou de tudo para fazer o parto em Pedras de Fogo, e não conseguiu. Passou para Itabaiana. No hospital de Itabaiana, Ruth fez um bocado de exercícios para ter o bebê, quando ela teve o bebê, o doutor usou aquelas colher para puxar o bebê pela cabeça, usou uma bombinha para a passagem dela. Aí Ruth teve uma sequência de hemorragia, tanto da dilaceração que ela teve [no períneo] quanto no útero. Ela foi para o bloco cirúrgico e ficou lá um bom tempo. Lá, ela teve parada cardíaca”, relatou Jordão.

Após o estado de saúde de Ruth Maia ter se agravado, ela foi encaminhada para a Maternidade Frei Damião, em João Pessoa. “Na segunda-feira, 7h da manhã, eu recebi a certidão de óbito de Ruth. Teve negligência médica, tanto os médicos de Itabaiana quanto de Pedras de Fogo queriam fazer aquelas massagens em cima, forçando a barriga dela, uma manobra perigosa, e isso também é violência obstétrica. Eu fiquei pedindo a eles, nos dois hospitais, para fazer uma cesárea porque ela não estava mais aguentando, mas eles não ligaram para a minha opinião. Eu quero justiça”, disse Jordão.
O que o marido de Ruth Maia relata a respeito da manobra perigosa trata-se da manobra de Kristeller, não recomendada pelo Ministério da Saúde, além de ser uma prática banida pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Já para o Conselho Federal de Enfermagem, a manobra de Kristeller é considerada violência obstétrica.
Ruth Iaponira da Silva Maia foi enterrada na manhã desta terça-feira (25). O bebê nasceu vivo com uma fratura na cabeça, em virtude do uso de fórceps, e recebeu o nome de Bryan Lucca.
A reportagem do Brasil de Fato PB entrou em contato com o Hospital Regional de Itabaiana por meio do número de telefone disponível nas redes sociais, mas não obteve sucesso. Em relação ao hospital de Pedras de Fogo, não foi encontrado contato telefônico válido em funcionamento. O espaço segue aberto a manifestações.
Também foram feitos pedidos de informações ao Comitê Estadual de Mortalidade Materna, via e-mail, no entanto, não tivemos retorno até o momento.
Nota da Secretaria de Estado da Saúde
Na manhã desta quarta-feira (26), a Secretaria de Estado da Saúde (SES) respondeu ao nosso contato através de uma nota em que afirma que “a possível utilização do fórceps, nesse caso, encontra respaldo nas indicações clínicas estabelecidas pela literatura científica, sendo uma alternativa segura e recomendada quando o risco da cesariana se mostra maior nas condições clínicas apresentadas.”. A nota também diz que “todo óbito materno é considerado evento sentinela e, por isso, é objeto de investigação detalhada. As circunstâncias do caso estão sendo apuradas pela Câmara Técnica Estadual de Investigação de Óbitos Maternos, conforme protocolo do Ministério da Saúde.”.
Neste sentido, que o Brasil de Fato PB contactou o comitê estadual de mortalidade materna, pois assim como afirma a SES, é a Câmara Técnica Estadual de Investigação de Óbitos Maternos a responsável por investigar os fatos que aconteceram relacionados à morte de Ruth Maia, no entanto, ainda não obtivemos resposta.
Também é importante lembrar a existência da lei estadual 11.329/2019 que proíbe práticas como intervenções sem consentimento e negligência no atendimento a gestantes e classifica como violência obstétrica práticas e manobras utilizadas durante o parto sem autorização da parturiente. Segundo o marido de Ruth Maia, Pedro da Silva Jordão, que estava na condição de acompanhante da paciente, ele não apenas desautorizou o uso de fórceps e da manobra de Kristeller, como expressou por diversas vezes que a parturiente estava há muito tempo em trabalho de parto e sem condições físicas de realizar parto normal.