Especialistas avaliam que a ausência de políticas eficazes por parte do governo de Minas Gerais, sob gestão de Romeu Zema (Novo), é a principal responsável pelo alto índice de doenças ligadas à falta de saneamento entre os mineiros.
No dia 20 de março, foi divulgado um dado do Instituto Trata Brasil que indica que, em todo o Brasil, o estado teve o maior número de internações hospitalares relacionadas à precariedade de serviços como esgoto, coleta de lixo e limpeza pública em 2024.
Foram 47,6 mil casos registrados, enquanto no país o índice chegou a cerca de 344 mil. A maioria das enfermidades foram transmitidas por insetos vetores, responsáveis por 75% do total registrado em Minas Gerais.
A dengue foi uma das doenças que elevou o índice mineiro. No ano passado, foram 1,7 milhão de casos prováveis no estado e aproximadamente 1,1 mil mortes confirmadas. Neste mês, apenas entre os dias 26 e 27, Minas Gerais registrou cinco novas mortes em decorrência da dengue.
João Bosco Senra, doutor em saneamento, meio ambiente e recursos hídricos pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), avalia que o cenário é consequência do descaso do governo estadual.
“O que mais explica esse cenário triste é um descaso do governo do estado, de Romeu Zema, com a saúde pública e com a questão do saneamento. Não tem aplicado recursos nessas áreas, mas sim em questões mais ‘politiqueiras’”, chama a atenção.
Senra ainda destaca que, além de não investir, a atual gestão do Executivo mineiro enfraquece as políticas públicas, estratégias e empresas estatais que poderiam ajudar o estado a sair do atual contexto.
“O governo tem desmontado tudo o que é política pública, seja na educação, na saúde, na segurança, etc. Não é diferente com as equipes que poderiam estar trabalhando nesse processo de prevenção. A gente não vê nenhuma campanha de prevenção, nenhum investimento em ter mais agentes de saúde, por exemplo, colaborando com os municípios no combate à dengue”, continua o especialista.
Desmonte da Copasa
A gestão estadual também é criticada por suas inúmeras investidas para privatizar a Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa), empresa pública, considerada referência nacional e internacional, que, além desse serviço, administra o tratamento e distribuição de água em diversos municípios mineiros.
Recentemente, o Executivo enviou à Assembleia Legislativa (ALMG) dois projetos de lei (PL) visando entregar a companhia para a iniciativa privada.
Em meados de 2024, a gestão também apresentou ao legislativo uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do estado, para extinguir a obrigatoriedade de realização de um referendo popular para privatizar estatais estratégicas. As propostas, que encontraram resistência da população, estão paradas na ALMG.
Desde a sua primeira eleição em 2018, Romeu Zema apresenta a venda das empresas públicas como uma prioridade de sua plataforma política. Ao não conseguir viabilizar a aprovação dos deputados e da população, trabalhadores da Copasa e analistas denunciam que o governador tem piorado propositalmente os serviços da companhia.
“Apesar de a Copasa ser a melhor empresa de saneamento do país, a gestão Zema mudou o foco dela. Hoje, vemos uma companhia mais preocupada em distribuir dividendos para os acionistas do que em fazer saneamento. Existe um déficit em saneamento no Brasil. Minas deveria estar discutindo sobre reestatização e não privatização”, alerta Eduardo Pereira, presidente do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Purificação e Distribuição de Água e em Serviços de Esgotos do Estado de Minas Gerais (Sindágua-MG).
A avaliação de Pereira, que também é diretor da Central Única dos Trabalhadores (CUT) de Minas Gerais, é endossada por Senra.
“O governo faz um trabalho de desmoralização da Copasa junto à população, na medida em que precariza vários serviços desempenhados pela empresa, para levá-la ao descrédito e, assim, facilitar o processo de privatização. A Copasa ganhou o prêmio de melhor empresa de saneamento da América Latina. É uma empresa que tem problemas? Tem sim. Mas que se agravaram sobretudo com a gestão Zema”, enfatiza João Bosco Senra.
Como mostrou o Brasil de Fato MG, em reportagem publicada em 2023, diversas experiências de privatização do saneamento ao redor do Brasil implicaram na queda na qualidade e no aumento de tarifas. A capital do Amazonas, Manaus, por exemplo, onde o serviço é privatizado há mais de 20 anos, está entre os 20 municípios com os piores índices do país.
‘Comer casca de banana não combate os mosquitos’
Justamente pela tentativa de desmoralização da Copasa com o objetivo de privatizá-la, Pereira destaca que a população não pode cair no equívoco de responsabilizá-la pelo aumento da quantidade de doenças relacionadas à falta de saneamento. Ele também acredita que quem deve explicações sobre o atual contexto é o governo Zema.
“Até parece algo deliberado e bem articulado, em um momento em que o governador insiste em privatizar a Copasa com o argumento de ineficiência e falta de investimentos. Além disso, a empresa não atua em todo o estado e atende a 11,8 dos 21 milhões de habitantes de Minas Gerais”, chama a atenção.
“É muito preocupante o número de internações e isso tem que ser corrigido, mas não podemos colocar na conta da Copasa, que vem inclusive superando a média nacional em termos de oferta de água e esgoto tratado. A dengue vem assombrando todo o estado e não vemos o governo Zema com políticas claras e efetivas para vencer esse inimigo. Uma coisa que ficou clara é que ‘comer banana com casca não combate os mosquitos’”, continua Pereira.
Dados do Sistema Nacional de Informações sobre o Saneamento (Sinis) indicam que os índices de cobertura de água e saneamento da Copasa são superiores à média nacional. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), a cada R$ 1 investido em saneamento, é possível reduzir R$ 4 em tratamentos de saúde.
“E é muito melhor investir em saneamento público para a população não adoecer do que ficar tratando de doença. A política do governo Zema está deixando a doença chegar, aumentando os custos para o setor da saúde e deixando a população em situação de vulnerabilidade”, conclui João Bosco Senra.
O outro lado
O Brasil de Fato MG procurou o governo de Minas para comentar sobre as denúncias, mas não obtivemos respostas até a publicação desta reportagem. O espaço segue aberto para manifestações.