A divulgação das estimativas de gastos do governo de 2026 a 2029 antecipou o início de um debate que deve marcar a próxima eleição presidencial, marcada para o ano que vem. A possibilidade de o governo ficar praticamente sem nenhum recurso para novos projetos daqui a quatro anos forçará candidatos a presidente a rediscutir as regras sobre controle de gastos que hoje regem e limitam ações da União.
As regras vigentes foram estabelecidas pela lei do Novo Arcabouço Fiscal (NAF), proposta e sancionada pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em 2023, no primeiro ano de gestão. O NAF foi idealizado justamente para substituir a regra do Teto de Gastos, estabelecida no governo Temer, após eleitores indicarem nas urnas em 2022 que o Estado precisava voltar a ter capacidade de investimento e execução de políticas públicas, principalmente após a pandemia.
O Teto de Gastos congelou em 2016 o gasto público federal. Por conta dele, o governo não podia aumentar seus investimentos, mesmo que a economia crescesse, a arrecadação crescesse ou uma necessidade nova fosse identificada. A regra autorizava somente um reajuste dos gastos federais baseado na inflação anual.
Membros da equipe do governo Lula identificaram que essa restrição era prejudicial ao desenvolvimento do país e ao bem-estar da população ainda antes da eleição de 2022. Por isso, prometeram agir para derrubar a regra do Teto durante a campanha. Após saírem vitoriosos nas urnas, trabalharam para cumprir sua palavra.
Eles propuseram ao Congresso substituir o Teto pelo NAF. O NAF vincula os gastos federais à arrecadação, permitindo que o governo gaste mais quando a economia cresce e ele arrecada mais impostos.
O crescimento dos gastos, entretanto, tem alguns limites que não podem ser superados mesmo em casos de alta vertiginosa da arrecadação. Precisa também estar de acordo com metas crescentes de superávit fiscal –uma espécie de poupança do governo para pagamento de dívidas– definidas todo ano no Orçamento.
Acontece que as estimativas divulgadas pelo Ministério do Planejamento na terça-feira (15) apontaram que as limitações do NAF combinadas com as metas de superávit vão comprimir os gastos do governo a tal ponto que, em 2029, ele já não teria recursos disponíveis para qualquer despesas que não seja obrigatória, como pagamento de salário de servidores.
As restrições, na verdade, começariam ainda em 2027. No ano, o governo não teria recursos para arcar com os gastos mínimos educacionais e de saúde determinados na Constituição Federal, por exemplo.
Debate eleitoral
Tudo isso pressiona para uma rediscussão da regra fiscal. De um lado, devem ficar aqueles que defendem a austeridade a qualquer custo em prol da redução da dívida pública. De outro, aqueles que veem gastos com saúde e educação como indiscutíveis, o que força uma flexibilização das regras do NAF e das metas fiscais.
O economista Pedro Faria ressalta que esse debate tende a marcar a eleição de 2026. Um candidato com um programa progressista tende a defender a flexibilização do arcabouço. Já o conservador deve se colocar contrário a isso.
Ele disse que o NAF foi idealizado justamente para se adaptar ao perfil de cada governo. Lembrou que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), disse na entrevista coletiva concedida para apresentação do projeto da regra fiscal que ela poderia ser moldada conforme a intenção de cada governante. Até por isso está prevista numa lei ordinária, mais simples de ser alterada pelo Congresso Nacional.
A regra do Teto, pelo contrário, foi fixada em Emenda Constitucional. Sua derrubada demandou o apoio de dois terços dos deputados e senadores.
Lula x austeridade
Faria espera que Lula se posicione a favor da flexibilização do NAF caso seja candidato à reeleição. Contudo, disse que membros do próprio governo, como a ministra do Planejamento, Simone Tebet (MDB), já disseram ser contra a medida.
“Haverá uma disputa política. Lula deve se posicionar como uma pessoa que quer um arcabouço mais folgado, e vai rivalizar com um oponente que deve propor corte de gastos para que o Orçamento caiba no arcabouço.”
Mauricio Weiss, economista e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), defende a flexibilização das metas fiscais. “Essa meta ambiciosa de superávit primário é um equívoco”, disse. “Você não pode ter uma dinâmica fiscal que impeça o Estado de realizar investimentos. Isso é um suicídio econômico para o futuro do país.”
Weslley Cantelmo, presidente do Instituto Economias e Planejamento, também apoia a flexibilização. Para ele, o arcabouço comprime o tamanho do Estado. Tende também a limitar a capacidade de crescimento, arrecadação e, por fim, inviabilizar cada vez mais a capacidade de investimento do governo.
“O arcabouço fiscal é o contrassenso para o desenvolvimento de qualquer país”, afirmou. “Todo país do mundo que conseguiu passar a um novo patamar de desenvolvimento usou o contrário a isso. Utilizou a dívida pública para o desenvolvimento.”