O papa Francisco é considerado um dos pontífices mais progressistas que já ocuparam o cargo máximo da Igreja Católica numa tentativa de modernizar a instituição. Ao longo de seus 12 anos no Vaticano, Jorge Mario Bergoglio saiu em defesa da população LGBTQIA+ e das mulheres, posicionou-se frontalmente contra o racismo e a xenofobia e fez apelos pelo fim de guerras mundo afora, como o conflito na Faixa de Gaza mais recentemente.
No ano passado, durante a conferência Mulheres na Igreja: Criadoras de Humanidade, no Vaticano, Francisco pediu o comprometimento contra a discriminação às mulheres. “No mundo, onde as mulheres ainda sofrem tanta violência, desigualdade, injustiça e maus-tratos – e isso é escandaloso, ainda mais para quem professa a fé no Deus ‘nascido de mulher’ – existe uma grave forma de discriminação, que está precisamente ligada à educação das mulheres”, disse.
“De fato, ela é temida em muitos contextos, mas o caminho para sociedades melhores passa justamente pela educação de meninas, moças e mulheres jovens, da qual o desenvolvimento humano se beneficia. Rezemos e nos comprometamos com isso”, concluiu o papa.
Em janeiro deste ano, Francisco nomeou a primeira mulher para chefiar o Dicastério do Vaticano para os Institutos de Vida Consagrada e Sociedades de Vida Apostólica – o departamento de todas as ordens religiosas. A freira Simona Brambilla, assim, passou a ser a primeira mulher responsável por um dicastério ou congregação da Cúria da Santa Sé, o órgão central de governo da Igreja Católica.
O papa Francisco também se manifestou quando a polícia de Minnesota, nos Estados Unidos, matou George Floyd, de 40 anos, em 2020, desencadeando uma série de protestos contra o racismo. Na época, Francisco classificou o assassinato como “trágico” e disse que rezaria pela vítima e “por todos os outros que perderam a vida como resultado do pecado do racismo”.
“Queridos irmãos e irmãs nos EUA, eu tenho acompanhado com grande preocupação a perturbadora inquietação social em seu país nesses últimos dias após a trágica morte do sr. George Floyd. Meus amigos, não podemos tolerar ou fechar os olhos para o racismo e a exclusão de qualquer forma e ainda reivindicar defender a santidade de toda vida humana”, afirmou o papa.
Um ano depois, no Dia Internacional para a Eliminação da Discriminação Racial, em 21 de março, o papa disse, em suas redes sociais, que “o racismo é um vírus que se transforma facilmente e, em vez de desaparecer, se esconde, mas está sempre à espreita. As manifestações de racismo renovam em nós a vergonha, demonstrando que os progressos da sociedade não estão assegurados de uma vez por todas”.
Em 2023, numa ação inédita e polêmica dentro da Igreja Católica, o papa Francisco autorizou formalmente os padres a abençoarem casais do mesmo sexo. Anteriormente, no entanto, ele havia classificado a união homoafetiva como “um pecado”. Tempos depois, o papa mudou o tom e disse que qualquer pedido de bênção deveria ser tratado com “caridade pastoral”. “Não podemos ser juízes que apenas negam, rejeitam e excluem”, afirmou o papa.
Outros assuntos caros ao papa foram pedofilia e abusos sexuais, chegando a criar medidas para a responsabilização a esses tipos de crimes dentro da Igreja e à proteção das vítimas. “A Igreja deve ter vergonha e pedir perdão. E tentar resolver esta situação com humildade cristã, e fazer todo o possível para que não volte a acontecer”, disse o papa em uma das ocasiões que falou sobre o assunto.
Ele também se posicionou a favor do diálogo com outras religiões, quebrando um paradigma estabelecido por outros papas até então. “A fraternidade verdadeira pode ser vivida na atitude de abertura aos outros, que nunca procura um sincretismo conciliador, pelo contrário, busca se enriquecer sinceramente com as diferenças, com a vontade de entendê-las a fim de respeitá-las melhor, pois o bem de cada um se encontra no bem de todos”, chegou a afirmar.
Em sua última aparição pública, neste domingo de Páscoa (20), Francisco denunciou “uma situação humanitária dramática e ignóbil” na Faixa Gaza e pediu um cessar-fogo ao conflito que se iniciou em outubro de 2023. Também disse que “é preocupante o crescente clima de antissemitismo que está a se espalhar por todo o mundo”.
“Não é possível haver paz onde não há liberdade religiosa ou onde não há liberdade de pensamento nem de expressão, nem respeito pela opinião dos outros”, destacou o pontífice em sua bênção.
Morte
O papa Francisco morreu às 2h35 pelo horário de Brasília, 7h35 pelo horário local, desta segunda-feira (21), aos 88 anos. Agora, a Igreja Católica se prepara para definir um sucessor para o cargo.
O anúncio foi feito diretamente da Capela da Casa Santa Marta, no Vaticano, pelo cardeal Kevin Joseph Farrell, camerlengo da Câmara Apostólica. “O bispo de Roma, Francisco, retornou à casa do Pai. Toda a sua vida foi dedicada ao serviço do Senhor e de Sua Igreja. Ele nos ensinou a viver os valores do Evangelho com fidelidade, coragem e amor universal, especialmente em favor dos mais pobres e marginalizados”, diz comunicado oficial do Vaticano.
“Com imensa gratidão por seu exemplo como verdadeiro discípulo do Senhor Jesus, recomendamos a alma do papa Francisco ao infinito amor misericordioso do Deus Trino.”
Em novembro de 2023, o papa Francisco cancelou sua participação na COP 28, em Dubai, nos Emirados Árabes, devido a uma gripe e inflamação pulmonar. No início de 2024, voltou a apresentar dificuldades respiratórias e precisou interromper um discurso no Vaticano, relatando estar com “um pouco de bronquite”.
A condição respiratória do pontífice se agravou em fevereiro deste ano, quando novamente não conseguiu concluir um discurso e precisou ser auxiliado por um assistente durante uma missa. Poucos dias depois, foi internado para uma cirurgia considerada “complexa” pelo Vaticano. Francisco recebeu alta em 23 de março, após 37 dias hospitalizado em Roma por conta de um quadro respiratório grave.
Jorge Mario Bergoglio nasceu em Buenos Aires, na Argentina, em 17 de dezembro de 1936. Tornou-se arcebispo de Buenos Aires em 28 de fevereiro de 1998 e foi elevado ao cardinalato em 21 de fevereiro de 2001 – véspera da festa da Cátedra de São Pedro – com o título de cardeal-presbítero de São Roberto Belarmino, por São João Paulo II.
Ele foi eleito papa em 13 de março de 2013, contra a sua vontade – como ele mesmo admitiu depois – para substituir Bento 16. Bergoglio escolheu o nome Francisco, numa referência a São Francisco de Assis, com o qual orientou a igreja Católica durante o seu papado que encerrou nesta segunda-feira (21).
A escolha pelo próximo papa será definida num processo conhecido como conclave. Nesse ínterim, até 120 cardeais com menos de 80 anos se reúnem na Capela Sistina, no Vaticano, para escolherem um cardeal para ser o novo papa por meio de uma votação.