Desde as primeiras horas dessa segunda-feira (21), movimentos sociais e populares das mais diversas vertentes passaram a emitir notas de pesar e solidariedade pela morte do papa Francisco. Pelos diversos momentos de encontro e pelos compromissos comuns empenhados ao longo de seu pontificado, Francisco foi chamado de “companheiro” por muitas dessas representações.

A representante do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) Marline Dassoler relembrou o ano de 2019, quando participou de um encontro com Francisco durante o Sínodo da Amazônia. “Não tem palavras que descrevem o que senti e o quão forte foi a presença de Francisco entre nós. Francisco dos pobres, dos indígenas, das mulheres, dos migrantes, dos homoafetivos, das negras e negros, das crianças e de todas e todos aqueles que estão nas margens da invisibilidade.” Para ela, Francisco mostrou que a Igreja pode ser acolhedora, mãe, simples e amorosa como Jesus o foi.

Frei Sérgio Görgen, dirigente do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) e da Via Campesina, afirma a certeza de que Francisco deixa um legado importante: “Francisco foi um papa que marcou pela simplicidade, pela autenticidade na vivência do Evangelho e pela visão de futuro nos temas ambientais e no modo de ser da Igreja. Os impactos de sua passagem se prolongarão pelos próximos anos”.
O MPA também se manifestou através de nota em suas redes sociais: “Homem simples, de origem humilde, filho da América Latina, o papa Francisco dedicou seu pontificado à defesa dos pobres, dos excluídos e da Mãe Terra. Sua voz profética ecoou em defesa da reforma agrária, da agricultura camponesa, da justiça social e da ecologia. Ensinou-nos que a terra, a casa e o trabalho são direitos sagrados, e que um mundo mais fraterno é possível se for construído a partir dos últimos, dos que mais sofrem. O papa Francisco foi, para o povo camponês, um pastor comprometido com os clamores da terra e dos que dela vivem”.
Um papa que caminhou ao lado dos movimentos sociais
João Paulo Rodrigues, dirigente do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) republicou fotos do encontro do MST com o Francisco, em 2024, quando a bandeira do movimento foi abençoada. “Recebemos com tristeza a notícia da morte do papa Francisco, que caminhou ao lado dos movimentos populares, defendendo terra, trabalho e teto.” Lembrou ainda que Francisco visitou Cuba, que se encontrou com João Pedro Stedile do MST, recebeu catadores e indígenas, bem como debateu a fome junto ao presidente Lula.
O economista João Pedro Stédile, liderança do MST, encontrou-se com Francisco em 2024, em evento realizado na cidade de Verona, na Itália. O encontro teve a participação de representantes da sociedade civil, movimentos e associações engajados na construção da paz. Naquela oportunidade citou o bispo Pedro Casaldáliga, que teve atuação de destaque na defesa dos direitos humanos, em especial das populações marginalizadas. “Malditas sejam todas as cercas. Malditas todas as propriedades privadas que nos privam de viver e de amar”, falou Stédile. Na mesma cerimônia, o papa abençoou a bandeira do MST.
Na nota publicada pelo MST, o movimento afirma que “Bergoglio se despede sendo uma referência social e política para toda a humanidade. Guiou-se sempre ao lado dos mais pobres e marginalizados pelo capitalismo. O MST se despede do papa na expectativa de que sua vida sirva de exemplo para lutadoras e lutadores populares”. No texto o MST ainda expressa a expectativa de “que a Igreja e o próximo papa sigam o legado de Francisco e mantenham-se ao lado dos excluídos”.

O Movimento de Mulheres Camponesas (MMC) publicou em suas redes nota em que afirma que Francisco foi o papa do povo e da periferia do mundo. “Nestes 12 anos de pontificado, Francisco nos deixa um legado revolucionário de simplicidade, diálogo e acolhimento. De amor aos pobres e excluídos, transmitindo sempre uma mensagem de fé e esperança.”
As camponesas relembram ainda da Encíclica Laudato Si (Louvado Sejas) de 2015, na qual Francisco faz um alerta sobre o modelo de produção e consumo dominante, e clama por uma ação urgente diante das crises climática, social e econômica, apontando os caminhos da ecologia integral, de cuidado com os pobres e com a Casa Comum, a Mãe Terra.
Já o Movimento Brasil Popular (MBP) destacou o olhar progressista do pontífice, que sempre desafiou a Igreja a se abrir ao diálogo, a acolher os marginalizados e a denunciar as desigualdades sociais e econômicas. “Francisco foi um lutador do povo e nunca se negou a olhar para as questões do seu tempo. Seus 12 anos de pontificado foram marcados pela busca incessante por um mundo mais justo, onde a solidariedade e a fraternidade prevalecem. Que a mensagem do papa Francisco de amor ao próximo, respeito à dignidade humana e compromisso com os mais vulneráveis continue viva assim como o seu legado.”
O Levante Popular da Juventude relembrou em suas redes que em 2014 o papa Francisco recebeu um kit com informações sobre a economia popular e sobre o projeto Esperança/Cooesperança, de Santa Maria (RS). O material foi entregue pelo então estudante de História da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) Rodrigo Suñe, no Encontro Mundial dos Movimentos Populares, no Vaticano. A nota do movimento lamenta “a perda inestimável do papa Francisco e desejamos que os rumos da igreja sigam com o respeito aos direitos humanos e na construção de uma outra economia”.

“Companheiro do povo”
A Via Campesina Brasil saudou Francisco o chamando de “companheiro do povo” em sua nota, afirmando que “o campo e os pobres perderam um pastor”. Na nota, publicada nas redes sociais, disse que a organização “se solidariza com milhões de camponeses, povos originários, quilombolas, trabalhadores e cristãos do mundo inteiro diante do falecimento do papa Francisco”.
O texto ressalta ainda que “Francisco sempre esteve ao lado dos pobres da terra, das mulheres, dos migrantes e da Mãe Terra. O papa denunciou as violências do capitalismo, chamou os movimentos populares ao Vaticano e afirmou, sem medo, que ‘terra, teto e trabalho’ são direitos sagrados. Sua voz profética ecoou em cada canto onde o povo luta e resiste. Que sua memória siga inspirando a construção de um mundo com justiça social e ambiental, paz entre os povos e dignidade para todas as vidas”.
Dom Itacir Brassiani, bispo da diocese de Santa Cruz do Sul, no RS, e anfitrião da 47ª Romaria da Terra no estado, expressou em suas redes sociais: “Ele nos permitiu que o sentíssemos com um dos nossos, como se fosse de casa. Ele nos estimulou a sonhar uma Igreja jovial, samaritana, em permanente saída. Ele cumpriu sua missão, e nós o honraremos prosseguindo-a, com a mesma evangélica alegria. O grão de trigo foi lançado generosamente na terra e não ficará só”.
“É possível que sua páscoa traga um alívio pouco evangélico a quem desejou que o Papa renunciasse e torceu morbidamente pela sua morte. E eu digo que, de fato, Francisco renunciou! Renunciou à ostentação mundana, ao cômodo isolamento palaciano, ao farisaico distanciamento da vida concreta, à cínica indiferença frente aos dramas humanos e sociais, à estéril pureza das mãos que fogem ao serviço solidário, ao encastelamento em doutrinas abstratas e genéricas… Mas o Papa não renunciou a um ministério vazado no Evangelho de Jesus, a uma vida honradamente humana, capaz de mergulhar na vulnerabilidade e exercitar a solidariedade e a acolhida”, pontuopu Dom Itacir em seu blog.
“Nós já tínhamos o Francisco de Assis, agora temos o Francisco de Roma”, aponta o padre Júlio Lancelotti. Segundo ele, o que marca o papa Francisco é o amor pelos pobres, imigrantes, refugiados, aos grupos rejeitados, à comunidade LGBT+, às pessoas em situação de rua. “Deixa um legado da misericórdia e da compaixão. Nunca viveu de honra, de glória ou de poder. Sempre viveu de serviço, de proximidade, de despojamento. Se tivéssemos que dar um título ao papa, seria Francisco, o Misericordioso. O papa Francisco é um grande sinal do amor misericordioso de Deus e isso vai ficar para sempre.”
A Cáritas Brasileira também emitiu nota lamentando a morte de Francisco, mas ressaltando que sua missão segue viva através daqueles e daquelas que se sentem desafiados a seguir criando espaços de partilha para uma fraternidade renovada.
“Seus gestos falaram alto: ao chorar com os migrantes, ao defender os povos originários, ao caminhar com os jovens, ao visitar as periferias, ao abraçar os marginalizados e ao proclamar o cuidado. Convocou-nos a cuidar da Casa Comum e a promover uma ecologia integral. Francisco desafiou a Igreja a ser mais sinodal, inclusiva e próxima da realidade dos povos. Defensor incansável da paz, da dignidade humana e do diálogo inter-religioso, ele nos lembrou que a misericórdia é o nome de Deus. Seu legado permanecerá vivo em cada gesto de solidariedade, em cada comunidade que acolhe aos que mais precisam, em cada ação em defesa da vida e do planeta.”

Andrei Thomaz Oss-Emer, jovem integrante do coletivo Economia de Francisco e Clara, que esteve com o papa Francisco em 2023, em Assis, durante o evento “Realmar a Economia”, expressou que este “é um dia de dor, de tristeza, mas também de esperança, papa Francisco nos deixou, mas deixou também um legado de compromisso, de esperança e de responsabilidade para com os pequenos”.
Oss-Emer lembrou que ao sair daqui, da nossa América do Sul, para assumir o trono de São Pedro, o então bispo de Buenos Aires, levou consigo todos os pequenos lugares do mundo até a Igreja de Roma e à Igreja Universal. “Papa Francisco foi um pastor que amou os pequeninos. Hoje a obra está completa, Francisco deixou a vida nesta terra e nos deixou um legado para entender qual é o caminho do céu, que nós construímos quando estamos atentos àqueles que estão próximos de nós, quando vivemos o Evengelho.”
Jacira Ruiz, uma das coordenadoras do coletivo Missão Sementes de Solidariedade, que atua nas ações de socorro aos pequenos agricultores de matriz camponesa e familiar atingidos pelas enchentes de 2024 no RS comentou ao Brasil de Fato RS o que o momento representa: “O papa Francisco, primeiro papa latino-americano da história da Igreja Católica, nos encheu de orgulho por sua simplicidade, sua fé e seu destemor ao enfrentar temas difíceis para a humanidade e para a Igreja. Com suas palavras e seus gestos simbólicos e concretos nos apontou caminhos para a fraternidade universal, para o fim das guerras e das injustiças, para o cuidado da Casa Comum através da ecologia integral, para acolher todos e todas excluídos socialmente. Arraigado nos ensinamentos e na prática de Jesus, escolheu ser mais um Francisco na tarefa de reconstruir a Igreja nos convocando a sair para as periferias sociais e existenciais”.
sua vida foi marcada pela coragem de trilhar o caminho do Evangelho em sua essência: o amor aos pobres, a justiça social, a simplicidade e o compromisso com a dignidade humana.
A Comissão Pastoral da Terra (CPT), através da regional Alagoas, registrou que “sua liderança foi uma luz em meio às violências sofridas pelos povos do campo, das águas e das florestas. Francisco nunca se calou diante das injustiças — pelo contrário, as denunciou com a força do Evangelho”. A publicação relembra ainda que ao dizer, diante dos movimentos populares “Nenhuma família sem casa, nenhum camponês sem terra, nenhum trabalhador sem direitos, nenhuma pessoa sem a dignidade que o trabalho dá”, ele não apenas reafirmou a doutrina social da Igreja, mas se uniu concretamente à luta por terra, trabalho e moradia. “Francisco era um de nós”, afirma o texto.
Frei Betto afirmou em entrevista que Francisco se tornou a figura mais proeminente em defesa dos direitos humanos: “Nenhum chefe de Estado era uma figura tão respeitada quanto Francisco”. Outro aspecto a ser destacado, segundo o dominicano, é a forma como o papa aproximou religiões, mantendo a postura conciliadora até o final. “O papa discordava totalmente dessa atual política das grandes nações, de buscar a paz pelo equilíbrio de armas, e retomava o que o profeta Isaías proclamou 700 anos antes de Cristo: a paz só virá como filha da justiça.”
