Moradora da favela do Moinho e dona de uma pequena padaria no local, Cíntia Bonfim da Silva denuncia que tem vivido dias de medo, insegurança e pressão psicológica diante das ameaças de remoção da comunidade, localizada na região central de São Paulo. “Desde que fui chamada para assinar, há cerca de 20 dias, me informaram que eu tinha 30 dias para sair. Entrei em crise de ansiedade. Estou tomando calmante desde então”, contou ao Conexão BdF, do Brasil de Fato.
A comerciante afirma que foi induzida a assinar um documento sem entender completamente seu teor, ao se aproximar de uma reunião da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU). “Disseram que era um cadastro da família, e que iam ofertar empreendimentos. Só depois disseram que teríamos que sair, que a área é do governo.”
Cíntia questiona a forma como as negociações estão sendo conduzidas. Segundo ela, os moradores não têm acesso a propostas claras de reassentamento e, quando apresentadas, as alternativas não são viáveis. “Eles estão oferecendo moradias que não são da CDHU, não há um projeto para o Moinho. São parcerias público-privadas que jogam a gente para longe. Não temos opção”, denuncia.
“Custa muito dinheiro para montar uma padaria fora [da favela do Moinho]. Eu tenho uma padoquinha dentro. Já fui atrás, mas não tenho condições”, diz. “Para alugar algo, precisa comprovar renda. Eu vi uma kitnet de R$ 1.500, eu precisaria receber R$ 5.000 para alugá-la, sem minha padaria. Na favela, não tem quem receba isso. O condomínio é caro, aumenta todo ano”, exemplifica.
Empregadora de dois filhos e duas noras na padaria que mantém na comunidade, Cíntia teme que a remoção leve ao desemprego de sua família. “Serão três famílias desempregadas, minhas noras também têm filhos. Minha família está lá dentro [da favela], eu não tenho outro lugar. O que eu vou fazer com o meu forno industrial? Como funciona isso?”, questiona. Ela foi informada que não receberá indenização pelos equipamentos do seu empreendimento, uma vez que a ação seria parte de um “projeto habitacional”.
A adesão ao acordo, divulgada pelo governo do estado, é contestada por lideranças locais, inclusive por Cíntia: “Eles estão agindo de forma opressora na comunidade, passando informações mentirosas.”
Comunidade reage à violência policial
A moradora também denunciou a atuação da Polícia Militar dentro da comunidade, realizada na Sexta-feira Santa. “Entraram jogando bomba de gás, spray de pimenta nos olhos de todo mundo. Fiquei 30 minutos sem conseguir respirar, fechou minha garganta. Foi difícil sair, teve gente que desmaiou. Me chamaram de vagabunda. Sou padeira, trabalho a madrugada inteira. O Moinho está fechado. Nem de carro a gente pode entrar.”
Para a comerciante, o objetivo da operação é claro: retirar os moradores sem alternativas reais, em nome de um projeto de cidade que exclui quem vive e trabalha na região central. “Estão nos criminalizando, falando de tráfico. O governador fala, a mídia compra e a população acata: ‘É o trafico mesmo, tem que mandar esses vagabundos pra rua’, mas não é isso”, lamenta.
A comunidade do Moinho segue mobilizada. “Nós fechamos tudo porque é a única forma de sermos ouvidos. Temos que fechar a rua, botar fogo, porque só assim a mídia vem [cobrir a nossa situação]. […] Eles afirmaram que é daí para pior, que é reintegração de posse. Por isso que nos mobilizamos, não podemos deixar”, conclui.
Instalada há três décadas no Campos Elíseos, a favela do Moinho é a última da região central de São Paulo e resiste há anos à especulação imobiliária. O governo estadual, sob Tarcísio de Freitas (Republicanos), tem atuado para desocupar parte do território — cerca de 30% da área — sem mandado judicial, por meio de negociações diretas com os moradores. A proposta inclui transferências para unidades da CDHU em bairros periféricos ou o pagamento de R$ 800 de auxílio-moradia. O plano faz parte da chamada “Operação Dignidade”, que visa abrir espaço para a transferência da sede do governo paulista ao centro da capital.
Para ouvir e assistir
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