Mais de seis em cada dez mulheres grávidas no estado de São Paulo afirmaram estar passando por uma gestação não planejada. A taxa, de 65,7%, supera a média histórica nacional – que varia entre 52% e 55% – e revela um quadro alarmante de violações ao direito ao planejamento reprodutivo. Os dados são de um estudo conduzido por Negli Gallardo, sociólogo e doutorando da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp.
O pesquisador entrevistou 534 mulheres grávidas, com idades entre 18 e 49 anos, em diferentes regiões do estado. O questionário foi aplicado online e presencialmente. Segundo ele, as gestações não planejadas foram mais frequentes entre mulheres pretas e pardas (74%), com menos escolaridade (77%), que não estavam casadas (85%) e com mais filhos. Também foram maioria entre as mais jovens.
“Tem muita literatura relacionada à saúde que fala que educação é um fator que transforma a vida das pessoas e melhora a saúde, inclusive a sexual e reprodutiva. Na nossa pesquisa, achamos que mulheres com menos de 12 anos de escolaridade têm mais chance de gravidez não planejada. Então acreditamos que educação superior, graduação e pós, tinha que ser mais abrangente, particularmente para mulheres pretas e pardas. Assim, elas conseguem mais informações sobre saúde sexual e reprodutiva, que podem melhorar a vida delas”, afirmou Gallardo ao programa Conexão BDF, do Brasil de Fato.
Além do impacto na saúde, o autor do estudo ressalta os custos sociais de uma gravidez não planejada. O pesquisador relembra um levantamento feito por seu orientador, o médico e professor emérito da Unicamp, Luis Bahamondes, que estimou um gasto extra de US$ 1.000 por gestação não planejada ao Sistema Único de Saúde (SUS). Mas esse não é o único impacto.
“Quando há uma gravidez não desejada, a mãe vai ter que disponibilizar mais tempo dela nos cuidados com a criança, porque as relações de gênero foram construídas assim na sociedade. Há uma naturalização da maternidade como uma das responsabilidades das mulheres. Vai distorcer o momento que a mulher está vivendo, ela vai ter que tomar decisões difíceis, fazer ajustes na vida e nos planos, mais do que os homens”, explica Gallardo.
A falta de acesso a métodos contraceptivos também é um fator determinante. Apesar de o SUS oferecer serviços na área de saúde reprodutiva, o pesquisador alerta que ainda há lacunas importantes no fornecimento de contraceptivos reversíveis de longa duração, como o DIU hormonal e o implante subcutâneo. “O SUS tem que fazer um esforço maior para fornecer esse tipo de tecnologia para mais mulheres, para que elas possam decidir o método que melhor atende suas necessidades e planejar o tamanho da família e o espaçamento das gestações”, conclui.
A pesquisa foi publicada na revista internacional The European Journal of Contraception & Reproductive Health Care, e contou com apoio da Organização Mundial da Saúde (OMS), Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).
Para ouvir e assistir
O jornal Conexão BdF vai ao ar em duas edições, de segunda a sexta-feira, uma às 9h e outra às 17h, na Rádio Brasil de Fato, 98.9 FM na Grande São Paulo, com transmissão simultânea também pelo YouTube do Brasil de Fato.