Papa Francisco se encantou e nos deixou um extraordinário legado de ética, de humanismo, de profecia, de espiritualidade libertadora, de luta pelos direitos humanos e pela ecologia integral.
Francisco pediu um velório e sepultamento simples, sem pompas, e que fosse escrito no seu túmulo apenas uma palavra: “Franciscus”.
Homem imprescindível, que lutou até o fim pelo que é justo. No seu último dia de vida no nosso meio, no Domingo de Páscoa, ainda teve força para nos abençoar, nos desejar feliz Páscoa e deixar sua última mensagem à Igreja e ao mundo, em que faz apelo “a todos os que, no mundo, têm responsabilidades políticas para que não cedam à lógica do medo que fecha, mas usem os recursos disponíveis para ajudar os necessitados, combater a fome e promover iniciativas que favoreçam o desenvolvimento” e lembrou que “estas são as armas da paz: aquelas que constroem o futuro, em vez de espalhar morte”!
Francisco de Assis
Papa Francisco foi outro Francisco de Assis que guiou a Igreja Católica com humildade, sabedoria, sensatez e profecia. O papa João XXIII (1881-1963) tentou reformar a Igreja convocando e iniciando o Concílio Vaticano II. Francisco lançou sementes no concreto duro da instituição Igreja ao convocar e realizar vários sínodos, mostrando que é por meio da caminhada conjunta, se animando comunitariamente, incluindo todos e todas, dialogando, em missão, sendo “igreja em saída”, que a Igreja e as pessoas que se dizem católicas vão conseguir ser coerentes com o ensinamento e a práxis de Jesus Cristo.
Francisco fez vários Encontros com Movimentos Sociais Populares de todo o mundo. Defendeu a utopia de: “nenhum camponês sem terra, nenhuma família sem casa, nenhum trabalhador sem direitos, não há democracia com fome, nem desenvolvimento com pobreza, nem justiça na desigualdade”.
Papa Francisco, o primeiro pontífice latino-americano e o primeiro jesuíta a liderar a Igreja Católica, um dos maiores e melhores profetas de todos os tempos, lutou pela construção de uma igreja de todos, para todos. Foi um papa ecumênico que cultivou o diálogo inter-religioso. Ele pregava que a espiritualidade nos une na construção de uma sociabilidade justa e solidária.
Francisco, papa da Ecologia Integral, que denunciou a economia capitalista, a idolatria do mercado, como “economia que mata”. Em uma única Casa Comum, “somos todos irmãos e irmãs (“Fratelli tutti”), enfatizou Francisco em livro, em Encíclica e discursos.
Foi peregrino de esperança e semeador de uma sociedade justa e solidária, e de uma igreja que não reproduza o regime da Cristandade, aliada aos poderes político e econômico, mas uma igreja dos pobres que acolhe misericordiosamente todos sem discriminação e que promova a igualdade de direitos, que repudia a intolerância religiosa, o fundamentalismo e o moralismo anticristão.
Condenou todas as guerras, o genocídio do povo palestino e clamava diariamente pela paz como fruto da justiça. Denunciando o genocídio que o Estado de Israel segue fazendo do povo palestino, Francisco disse: “O que Israel está fazendo é crueldade.”
Peregrino de esperança
Como Jesus Cristo e Francisco de Assis, com sorriso nos olhos, o papa Francisco sempre acolheu de braços abertos todas as pessoas, especialmente quem sofre algum tipo de discriminação e injustiça: os indígenas, os camponeses, os negros, as crianças, as mulheres, as pessoas LGBTQIA+, os imigrantes, os presos, os refugiados, as pessoas em situação de rua.
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Francisco sabia que em uma sociedade brutalmente desigual quem se diz neutro e fica “em cima do muro” se torna cúmplice das opressões e injustiças. Francisco sempre escolheu o lado dos humildes, dos empobrecidos e injustiçados. Teve a coragem de pedir perdão pelos crimes do colonialismo e de reconhecer a sabedoria e os direitos dos povos originários. Às juventudes, no Rio de Janeiro, em 2013, Francisco bradou: “Sejam como Jesus Cristo: revolucionários! Não tenham medo de ir contra a corrente”.
Papa Francisco, durante seus 12 anos de pontificado, promoveu importantes reformas na Cúria Romana, combateu com firmeza os abusos dentro da Igreja e fortaleceu a presença de mulheres no Vaticano, incluindo-as em funções de destaque. Abriu recentemente um novo processo para reformas na Igreja Católica, inserindo a possibilidade de mulheres servirem como diaconisas e uma melhor inclusão de pessoas LGBTQUIA+ na Igreja.
Coerente com o Evangelho de Jesus de Nazaré criticou reiteradas vezes o consumismo desenfreado e as desigualdades sociais, provocados pelo sistema capitalista, tornando-se uma voz respeitada mundialmente.
Aos opressores e exploradores, falsos cristãos, idólatras de extrema-direita e fascistas que o caluniam chamando-o de “comunista” e com outras injúrias, o nosso irmão Papa Francisco diz: “Pai, perdoai-lhes, pois uns sabem o que fazem, outros estão cegados”. Inspirando-se em Jesus que perguntou a um dos seguranças do sistema: “Por que me bates?” (Jo 18,23).
Francisco respondeu à acusação de “ser comunista” em uma entrevista a TV argentina, em 2023, dizendo: “Minha carta de identidade é o Evangelho de Mateus 25,31-46. Leia Mateus 25 e veja se quem escreveu era comunista”.
O papa Francisco foi um gigante na vivência do Evangelho de Jesus Cristo e será ainda maior quando as sementes do seu ensinamento e do seu testemunho se enraizarem em milhões de pessoas pelo mundo afora. Como semente que brota nas rachaduras do concreto, a mensagem do papa Francisco continuará irradiando e será cultivada nos corações de milhões de pessoas pelo mundo afora. E gerará primaveras de justiça, paz e amor.
Papa Francisco, agora na glória, viverá presente em nós sempre na luta por tudo o que é justo. Gratidão eterna ao nosso querido irmão Papa Francisco. Rezemos para que os cardeais do conclave compreendam o sopro do Espírito Santo e tenham a sensatez de escolher um novo papa que seja fiel ao Evangelho de Jesus Cristo, a Francisco de Assis e ao Francisco de Roma.
Gilvander Moreira é frei e padre da Ordem dos Carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente e assessor da CPT/MG, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas; prof. de Teologia bíblica no SAB (Serviço de Animação Bíblica)
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Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal