Olá, o tempo é de folia na política, mas o governo age como se estivesse na semana santa.
.Pra onde vai? A reforma ministerial em câmera lenta iniciada com a saída de Paulo Pimenta da Secom em janeiro passado teve um novo capítulo com a demissão de Nísia Trindade do Ministério da Saúde. De lá para cá, a popularidade do governo só caiu e poucos continuam acreditando que o problema seja apenas de comunicação. Mesmo assim, o balanço interno sobre a gestão de Nísia bate na mesma tecla quando aponta que o programa Mais Acesso a Especialistas não teve a merecida visibilidade. Mas a ministra também acumulou problemas na política de vacinação e no combate à dengue. A indicação de Alexandre Padilha para o Ministério da Saúde resolve dois problemas: abre espaço na Secretaria de Relações Institucionais, onde Padilha colecionou atritos com o Congresso, e o PT mantém um ministério com muitos recursos, inclusive em emendas parlamentares. Quanto aos problemas de comunicação, o governo se enreda com suas próprias trapalhadas internas, como aquela que levou à “fritura” antecipada de Nísia na mídia ou as críticas dos próprios colegas a Fernando Haddad. Porém, já faz cinquenta dias que o novo Secretário de Comunicação, Sidônio Palmeira, assumiu e pouca coisa mudou, o que tem gerado insatisfações no centrão. A verdade é que os principais problemas são econômicos e políticos. No primeiro caso, a elevação dos preços dos alimentos continua castigando a popularidade de Lula. Outra dificuldade é saciar a fome do agronegócio por recursos públicos num momento em que o orçamento de 2025 está engessado à espera de aprovação no Congresso. Já na política, Andréia Sadi avalia que o programa do governo atual é um “museu de velhas novidades” que tenta reeditar os mandatos anteriores de Lula sem sucesso. Seja como for, Lula continua apostando que está no caminho certo e que basta colher o que já plantou: aguardar uma queda na inflação dos alimentos e os efeitos positivos do Pé-de-Meia e da expansão da Farmácia Popular. Enquanto isso, ensaia recuperar o setor naval e pisa no acelerador da demanda através do crédito consignado com o FGTS, o que gera atritos com o mercado e com o Banco Central, que só falam em austeridade.
.Me guardando para 2030. Com quase 50 anos de vida política, a esquerda não conseguiu produzir nada semelhante a Lula em popularidade ou liderança. Por sua vez, a direita também tem dificuldades em criar um anti Lula. E por mais que tenha sido bem sucedida algumas vezes, os destinos de Fernando Collor, do PSDB, de Sérgio Moro e de Jair Bolsonaro não são dos mais inspiradores. Mas, enquanto a esquerda pretende empurrar este problema com a barriga até 2030, a direita ainda não sabe o que fazer no próximo ano. Se um Bolsonaro golpista e líder de organização criminosa é um personagem incômodo, o seu desempenho na pesquisa Quaest, mesmo inelegível, batendo Lula em quatro estados e empatando em outros dois, dá provas da manutenção de sua base eleitoral. Bolsonaro também demonstrou força quando desautorizou duas vezes Nikolas Ferreira – sobre a pauta do impeachment de Lula e suas pretensões ao Senado por Minas – e quando decidiu a disputada eleição para o comando da Frente Evangélica no Congresso. Também não é segredo que a estratégia da família para manter a direita e a base eleitoral sob controle é lançar Eduardo Bolsonaro, primeiro como vice do pai e depois como candidato à presidência. Além de contar com a ajuda de Trump, que quer um aliado no continente, e começou o plano de influenciar as eleições pelos ataques a Alexandre de Moraes. Pior para Tarcísio de Freitas, evidentemente, que não pode trair o criador nem definir seu destino político, ainda que seja o favorito da Faria Lima e do agronegócio e com maior potencial de crescimento na direita, segundo a Quaest. Para não ficar refém do bolsonarismo, a estratégia do centrão pode ser apresentar candidatos sem pretensões de chegar ao pódio, como Ratinho Jr pelo PSD e Pablo Marçal e Gusttavo Lima pelo União Brasil, mas que garantam boas bancadas no próximo Congresso e permitam aderir ao próximo governo, seja ele quem for. Isso não significa que Lula vencerá em 2026 por WO. Pelo contrário, para Paulo Nogueira Batista Júnior, o Brasil ainda corre o risco de um “efeito Orloff”, ou seja, seguir o mesmo roteiro da política norte-americana e repetir Biden. Sem contar, alerta Thomas Traumann, que a pesquisa Quaest também apontou que há muito espaço para um candidato anti-sistema, um Javier Milei brasileiro, um voto contra tudo e todos, que não pertence a Bolsonaro e é antipetista. E a fabricação dos Collors e Bolsonaros costuma ser rápida.
.Ponto Final: nossas recomendações.
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Ponto é escrito por Lauro Allan Almeida Duvoisin e Miguel Enrique Stédile.
*Este é um artigo de opinião e não necessariamente representa a linha editorial do Brasil do Fato.