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“Prender o Capitão e sua corja pelos crimes contra a democracia é nosso dever”, escrevem Cida Pedrosa e Clareana Arôxa

Coluna escrita por Cida Pedrosa em parceria com a comunicadora Clareana Arôxa.

Não sei mais se estou vivendo ou só esperando Bolsonaro ser preso. Fecho os olhos, escuto a música do plantão da Globo e já vejo as imagens do ex-presidente sendo levado para a Papuda. Penso nos memes, sinto meus dedos frenéticos atrás das últimas notícias, as reações, as promoções dos bares pelo Brasil afora, o brinde coletivo. Espero ansiosamente ser tomada pela alegria, pelo sentimento de justiça, pelo orgulho de ver o meu país cumprir seu papel histórico.

Prender o Capitão da Barbárie e sua corja pelos crimes contra a democracia é nosso dever enquanto sociedade.

Já parou para pensar no fino que tiramos de uma nova ditadura? Essa versão contava até com o mesmo capitão de 1964, o agora General Augusto Heleno. Graças à incapacidade nata de articulação de Bolsonaro, somada à sua falta peculiar de inteligência e excesso de arrogância, posso escrever essas linhas porque seguimos em um Estado democrático.

Caso tivesse dado certo o plano bolsonarista Punhal Verde e Amarelo, que pretendia assassinar Lula, Alckmin e Moraes, estaríamos hoje em uma guerra civil. Se com as liberdades garantidas já sou alvo da extrema direita apenas por ser uma vereadora comunista e feminista, o que seria de mim se estivéssemos em tempos de chumbo?

Para o bem viver da nossa nação, o STF tornou Bolsonaro e mais sete aliados – cinco deles fardados – réus no processo de tentativa de golpe de Estado. Mauro Cid, Braga Neto, Paulo Sérgio Nogueira, Almir Garnier Santos (ex-comandante da Marinha) e Augusto Heleno serão julgados por armar a trama golpista. Braga Neto já está preso e espero que os outros o façam companhia.

Esse julgamento – e a tão sonhada pena – lavará as nossas almas não só pelos mais de 700 mil mortos durante a pandemia da Covid-19, mas também pela misoginia, toda sorte de preconceitos, extremismos e violências que aguentamos durante os quatro anos de pesadelo geridos pela necropolítica da extrema direita.

Colocar no banco dos réus os militares que não conseguimos julgar pela ditadura é honrar a memória dos milhares de jovens do meu partido, o PCdoB, que morreram na Guerrilha do Araguaia e em tantos lugares do Brasil. É respeitar as várias famílias que até hoje buscam os corpos dos seus entes queridos que foram mortos pelo regime militar. É registrar na história do nosso país, 61 anos depois, que não será tolerado nenhum atentado à nossa democracia.

Até agora, o STF já condenou 476 pessoas pelos atos criminosos do 8 de janeiro. Todos os julgamentos foram realizados com amplo poder de defesa dos acusados, sem pau-de-arara, sem torturas, sem estupro de mulheres. Foi respeitado todo o rito democrático das instituições – que eles mesmo tentaram destruir e extinguir. Nós é que agimos “dentro das quatro linhas da Constituição”, já eles…

Enquanto esperamos a foto de Bozo atrás das grades, vamos unindo as forças para que o projeto de lei que propõe a anistia definhe na Câmara dos Deputados. Na contramão do que querem os 56% dos brasileiros e brasileiras, segundo a pesquisa da Quest, o projeto só interessa para a extrema direita e os malabaristas do Centrão chantagearem o governo e abrirem frestas de impunidade no Brasil.

Os que se dizem “patriotas” estão pedindo, na verdade, um cheque em branco para a tentativa de novos golpes e planos de assassinato de autoridades, para toda sorte de golpista atentar com o que temos de mais precioso, que é o nosso direito à liberdade.

Enquanto isso, aqui no Recife, elaborei dois projetos de lei que versam sobre nosso direito à memória, para que estas e as futuras gerações saibam que, por mais de 20 anos, pessoas foram presas e torturadas apenas por sonharem – e lutarem – por um mundo melhor.

Além da Semana do Direito à Memória e à Verdade, legislação do nosso mandato que coloca no calendário oficial da cidade o debate sobre o período ditatorial que vivemos, também elaboramos o Circuito da Memória e o Varandas da Memória do Recife, contribuições legislativas sobre o nosso direito à verdade coletiva.

No Circuito, mapeamos os lugares, instituições e monumentos que retratam a luta dos e das pernambucanas por liberdade nos anos de chumbo. O busto de Gregório Bezerra, a escultura do Tortura Nunca Mais e o Memorial da Democracia de Pernambuco fazem parte do roteiro de quem não pode esquecer a importância da liberdade.

Já o Varandas, identifica parte da nossa rua da Aurora como ancoradouro da memória de presos, desaparecidos e torturados políticos, mas também da nossa cultura e identidade como povo. São projetos simbólicos que deixam acesa a chama da justiça, da reparação, que alimentam o grito de ditadura nunca mais.

Seja como militante política ou como poeta, escrevendo o Araras Vermelhas, meu livro finalista do Prêmio Jabuti, que traz um longo poema sobre os jovens que perderam suas vidas durante a Guerrilha do Araguaia, eu sigo em marcha pela democracia. Não há possibilidades fora dela.

Por isso, tenho feito do meu mandato mola propulsora das liberdades, das potências, do acesso aos direitos. Este tem sido um dos meus principais papeis enquanto parlamentar: defender a democracia a cada sessão plenária, restabelecer a verdade sobre os fatos, desconstruir o “mito” que eles insistem em ver de pé. Têm sido dias de luta.

Enquanto eles (a)tentam, sigo por aqui construindo outros mundos possíveis. Com o alucinado do Trump destilando todo seu ódio e preconceito mundo afora, é mais urgente nos unirmos para enfrentar essa nova onda de fascistas que está vindo por aí. Os tempos que se avizinham serão difíceis, mas, como dizia Che Guevara, “hay que endurecerse, pero sin perder la ternura jamás”.

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