Por Aleluia Heringer Lisboa
E não só está, como hoje completa 82 anos!
Nas fotos de família sempre éramos os 12. Ele o nº 1, e eu, a de n° 12. A partir de 1964 ele nunca “estava”. Tinha eu 6 anos, em 1968, quando ele se casou. Foi uma cerimônia reservada, dentro de casa, fora de BH e para poucas pessoas. Eu era uma delas. Dali mesmo, sumiu. Entrou na clandestinidade.
Certo dia, voltando da escola, minha irmã veio correndo toda feliz encontrar comigo e disse: adivinhe quem chegou? Eu disse: o Apolo!! E ela: não! O telefone! Por dentro, eu fiquei bem decepcionada. Não elaborava aquela situação. Hoje tenho noção que, no fundo, eu sempre o esperava chegar.
Aos 10 anos, do nada minha mãe disse: pega uma “muda” de roupa que vamos viajar. Só isso. Eu não sabia o que estava acontecendo, mas entendia que não era para perguntar nada, só obedecer. Só fiquei sabendo que o destino era o Rio de Janeiro quando chegamos de trem na Central do Brasil.
Fomos para a casa de uma prima de minha mãe. Os adultos na sala conversavam baixo. À tarde nos dirigimos para uma praça. Sentamo-nos em um banco. De repente, passa um homem. Identifiquei que era o Apolo. Como meus pais não reagiram, eu me contive. Ele entrou para ocupar o banco da frente de um táxi e nós, entramos atrás.
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Tudo era perigoso, cercado de segredos e de muitos cuidados. Ficamos somente uma noite. Era uma quitinete sem nada. Dormi no chão e ele do meu lado. Lembro que me disse: “está vendo aquela baratinha ali? Ela tem um microfone dentro dela. Escuta tudo, então, não pode falar nada”.
Logo depois, em fevereiro de 1973, em uma manobra arriscada que durou cinco dias de viagem, ele saiu do Brasil e chegou em Santiago do Chile. Seis meses depois teve o golpe contra Salvador Allende. Novamente, dias tensos. Correndo risco de vida, conseguiu entrar na casa do embaixador da Argentina em Santiago. Saiu do Chile para a Argentina com salvo conduto da ONU como refugiado.
Passadas algumas semanas estava voando para Argélia, como exilado político. Foram mais cinco anos trabalhando como médico no hospital de Argel. Trocávamos muitas cartas. Foi preciso esperar até o dia a 3 de outubro de 1979. Eu já era uma moça de 17 anos. Foi um dos dias mais emocionantes da minha vida ao recebê-lo na pista do aeroporto da Pampulha, retornando como anistiado.
E hoje, “ele está aqui”. Idealizador do Projeto Manuelzão da UFMG e um incansável defensor da Bacia do Rio das Velhas.
Parabéns, Apolo, nosso Dom Quixote. Sua vida é no mínimo, singular, humana e idealista. Quanto aos erros ou acertos, vou com Dany black “somente o tempo vai me revelar quem sou”!
Aleluia Heringer Lisboa é doutora em Educação.
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Este é um artigo de opinião, a visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do jornal