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Para que, afinal de contas, serve a Geografia?

As ciências são desenvolvidas na medida dos interesses humanos

Por Cleiton Donizete Corrêa Tereza

Há dez anos, de tanto escutar dos meus alunos de ensino fundamental e médio, a pergunta insistente, “para que, afinal de contas, serve a História?”, escrevi um texto tentando respondê-la, que utilizei em sala de aula por muitos anos.

Naquela ocasião, descrevi um momento de férias com minha filha, ainda criança, para começar o assunto. Hoje escrevo longe dela, em outra cidade, enquanto a jovem cursa o último ano do ensino médio, vivendo sua adolescência e se preparando para os desafios da universidade futura e da vida adulta. Eu sinto falta do brilho da presença dela perto de mim. Aliás, isso também diz muito sobre nosso diálogo: distâncias, relações, desenvolvimento, processos, perspectivas, porque a Geografia é essencialmente humana.

Agora, atuando como professor de Metodologia do Ensino de História e Geografia da Universidade de São Paulo, retomo a mesma questão incômoda e pertinente, porém, com enfoque na Geografia (uma explicação, falando baixinho: vou escrever Geografia com letra maiúscula, porque no outro texto escrevi História com letra maiúscula, para caracterizar como ciência de fato, e como não quero aumentar as longas tretas entre geógrafos e historiadores, vou fazer igual). Então, para que, afinal de contas, serve a Geografia?

Olhe para os lados, observe os objetos, as paredes, levante-se, caminhe um pouco, observe as casas, os prédios, as ruas. Caminhe um pouco mais, mire as árvores, o campo, as plantações, os rios. Se possível feche os olhos e ouça, porque frequentemente a imagem prevalece sobre a escuta. Atente-se ao barulho dos pássaros, que ainda devem estar por aí, os ruídos de quem passa, o estardalhaço dos motores, o tinido das ferramentas de um trabalhador, por fim, o zunido do vento ou o cheiro de chuva.

De soslaio ou defronte, observe as pessoas, seus trejeitos, vestimentas, cores, formas, disfarces. Onde ocorre tudo isso? Diga-me, em uma só palavra, onde se encontram os elementos naturais, as relações sociais, a criatividade e a diversidade humana? Sim, eis o espaço. Tudo isso integra o mundo, é o mundo. Pois bem, a Geografia é a ciência das paisagens, dos territórios, das populações, dos lugares, dos movimentos, mas, sobretudo, dos espaços.

Ciência do espaço

A ciência que se ocupa do espaço, e de tudo que isso envolve, é um campo poderoso do conhecimento, por isso, a história da Geografia, assim como das ciências de modo geral, foi marcada por abusos (e não se esqueçam que História, Geografia, e outras disciplinas, que você estuda – ou estudou – na escola são todas ciências, ou ao menos linguagens em diálogo com as ciências, com suas características específicas, porém, todas possuem seus métodos e objetos, não se aprende ciência apenas na aula de Ciências da Natureza).

Há cerca de um século e meio, a Geografia era uma ciência muito desejada, cobiçada e que recebia muitos recursos e prêmios. Era uma época em que um conjunto de países e empresas avançou para dominar povos e riquezas em diversas partes do mundo. Para isso, conhecer os recursos a serem explorados, como madeira, petróleo, minérios e o trabalho humano, era essencial, e a Geografia contribuiu decisivamente para tanto. Guerras, massacres, epidemias, racismo, entre outros fatores, que afetam profundamente diversas sociedades, foram agravados ou surgiram dessas ações de dominação.

Conseguem compreender duas questões muitos importantes?

Primeiro, as ciências, como a Geografia, são desenvolvidas na medida das necessidades e dos interesses humanos, e, ao mesmo tempo em que podem gerar melhorias para a vida das pessoas, também podem ocasionar problemas, resultando em injustiças e destruições.

Segundo, o trabalho humano é transformador da natureza e possibilita nossa existência e desenvolvimento, assim, a humanidade é criadora. Olhe novamente para frente e para os lados, escute, respire, sinta, e perceba como tudo o que está ao seu redor, inclusive este texto, é fruto do trabalho humano, modificando e construindo o espaço, o espaço geográfico, o tempo todo.

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Com todos os problemas climáticos que estamos enfrentando, e, de acordo com os pesquisadores sérios, eles infelizmente devem piorar devido às ações dos seres humanos nesse sistema capitalista, que direciona mais ao lucro a qualquer custo do que ao bem-estar e à valorização da vida. Há quem diga que temos que salvar o planeta.

Meus queridos, o planeta Terra vai continuar, ao menos até o momento em que o Sol deixar de existir, e quanto a isso não podemos fazer absolutamente nada. Também por isso, faz todo sentido valorizarmos o que temos, construímos e podemos vivenciar.

Que essa experiência limitada e complexa que é viver, seja mais agradável. Precisamos compreender e agir de forma inteligente e cuidadosa, para isso é necessário o entendimento do espaço, para isso serve a Geografia.

Cleiton Donizete Corrêa Tereza é professor Doutor do Departamento de Educação, Informação e Comunicação (DEDIC) da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da Universidade de São Paulo (USP). Foi professor de História nas redes municipal de Poços de Caldas e estadual de Minas Gerais por quase duas décadas. É especialista em História Contemporânea (PUC Minas), especialista em Planejamento, Implementação e Gestão de Educação a Distância (UFF), mestre e doutor em Ciências Humanas (Diversitas-FFLCH-USP).

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Este é um artigo de opinião, a visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal

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