Nos últimos meses, temos acompanhado o crescimento das discussões sobre a cultura nacional nas redes sociais. Vimos Fernanda Torres ser premiada como melhor atriz, celebramos a indicação do filme Ainda Estou Aqui ao Oscar e, mais recentemente, assistimos ao debate sobre o espaço destinado a Milton Nascimento no Grammy 2025. Diante desse cenário, vemos diferentes posicionamentos: há quem diga que essas premiações são irrelevantes para o Brasil, pois se tratam de reconhecimentos estadunidenses, enquanto outros celebram a visibilidade que o cinema e a cultura nacional podem ganhar a partir desses eventos.
Sem me aprofundar nos detalhes dessa discussão, interessa-me sobretudo pensar no que esse debate significa para nós, a juventude brasileira. Mais do que a euforia com uma indicação ao Oscar ou a indignação com o Grammy, essas discussões revelam uma questão mais profunda: o acesso – ou a falta dele – à cultura. Grande parte dos jovens brasileiros não tem condições de acessar ou produzir cultura nacional.
Poderíamos destacar a importância do acesso à cultura de diversas formas, mas quero enfatizar aqui o seu poder ideológico. Basta olhar para o crescimento do sertanejo universitário no Brasil: um gênero musical amplamente financiado por prefeituras, massivamente tocado nas rádios e nos programas de televisão, que sustenta a imagem do "agro" como símbolo de poder econômico. Não por acaso, a figura do camponês que cultiva e protege a terra vem sendo progressivamente apagada, enquanto a do fazendeiro rico, ostentando sua caminhonete, ganha destaque. Esse fenômeno não é casual – ele faz parte de um projeto político e ideológico maior.
Da mesma forma, não é coincidência que o bolsonarismo ataque as manifestações culturais que celebramos. Isso não significa que eles não tenham sua própria cultura – pelo contrário, eles produzem e promovem expressões culturais alinhadas aos seus interesses. No fim, a disputa não é apenas sobre o reconhecimento da cultura nacional, mas sobre qual cultura será acessível, promovida e valorizada por nossa sociedade.
Mais do que nunca — ou talvez, mais do que sempre —, precisamos reivindicar uma cultura que seja verdadeiramente nossa. “Nossa” no sentido de uma cultura brasileira, sim, mas, acima de tudo, uma cultura brasileira popular: criada por nós e a serviço dos interesses do povo.
Muito do nosso entusiasmo ao ver a cultura nacional ganhando visibilidade vem do orgulho que sentimos por aquilo que produzimos a duras penas, apesar da desvalorização constante. Sabemos como é difícil ser artista em um país cujo projeto é o apagamento da cultura contra-hegemônica. Mas também sabemos o quão grandiosa e bela é a arte que brota do nosso povo. Passados os recentes acontecimentos, agora nos preparamos para a maior celebração da cultura popular brasileira: o Carnaval.
Que neste Carnaval, seja com Milton Nascimento na Sapucaí ou Fernanda Torres em Los Angeles, celebremos, acima de tudo, o povo brasileiro tomando as ruas, resistindo ao horror com teimosia, beleza, alegria e cultura. Que possamos, mais uma vez, reafirmar nosso orgulho por tudo o que somos capazes de criar — tanto o que brilha na televisão quanto o que pulsa, invisível, em cada canto do país. E que, entre festa e luta, reste também um lamento por eles, que jamais saberão o que é ser nós.
*Moema Fiuza, psicóloga e militante do Levante Popular da Juventude.
Leia outros artigos do Levante Popular da Juventude no Paraná em sua coluna no Brasil de Fato PR
**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.