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Crônicas para você ler num domingo preguiçoso, enfadonho, cheio de ressaca, até na praia, no açude, no rio, na mesa de bar, na rede da vó, sentado ...

Ressuscita-me na diversidade

O país segue na espera, RESSUSCITA-ME, da palavra temporão

Por Miguel de Brito Santos*

O lilás do quadro pintado pela natureza na florada da cerejeira, nessa época do ano, parece carregado de energia incluidora. Raro é encontrar um humano que não paralise com tamanha beleza. Lilás de fim de tarde, cantado por são Gil, em 'A Paz', onde diz que o esplendor que se quer alongar, mas é impossível com o sol poente.

Esse movimento cíclico de renovação é especial pra qualquer olhar mas, no Japão, a flor sakura, vai além da exuberância. Embrinca-se na vida, arte e cultura do país. A relação natureza-natureza, diversa, em toda parte, segue encantando, mas cambaleia, na tentativa de escapar do lixo contemporâneo do capitalismo desgovernado, da razão e seus monstros, Goya, 1799, O sonho da razão produz monstros. Ou, nossos monstros!

Mutantes por séculos, no nosso tempo, pensam excluindo a diversidade dos bichos nos plantios de soja, milho, cana. Quem são daninhos as ervas ou as nóias do glifosato? E seus efeitos? Males variados! Um limpador do diverso. 

Desconhecem a espécie a ponto de negar o risco de extinção. A razão linear levada 'ao cume da altura', que o babalorixá baiano pondera na balada 'Ciência e Arte'. 

E as flores? Diversas, diz Geraldo, cantando 'Sabor Colorido'. Acolhem abelhas em seus centros muitos quase denegridos, tamanha beleza, o néctar, que alimenta insetos, sapos, pássaros, cobras em um desenrolar sem direção da cadeia engrenada em si. De flor em flor, elas geram o mel, polinizam, e rosas nascentes aliviam o bater de asas dos voadores. 

As cerejeiras, nesse mês, são a voz de Gal Costa, um RESSUSCITA-ME! Que se opõe à ganância mercantilista da guerra, do cogumelo inanimado e triste sobre o Japão no bombardeio AMERICANO 75 anos atrás. Duas cidades destruídas, e depois o financiamento para reconstrução. O ocidente assustado com o avanço soviético já no final da guerra. 110 mil mortos imediatos. Restou o cinza, corpos incinerados, o espanto. A antirrosa escrita e cantada, Vinicius e Ney, é um Desassossego, Fernando Pessoa, quando diz 'tudo é perda'. 

Por aqui, entre o 'atlântico e pacífico', o horror,  já instalado há cinco séculos, diáspora brasileira pela força, mantivera as tribos correndo e fugindo, Darcy. Caso Yanomami tão recente. O Brasil nasceu correndo, fugindo, escravizado. 

Àqueles que viviam livres restou guerrear e fugir; aos africanos, acorrentados, a liberdade lhes fora roubada em suas pátrias. "Somente para o Brasil foram trazidos cerca de 5 milhões de pessoas", Alencastro, 2000. Tamanha variedade cultural-étnica fora aprisionada, contudo, é possível ouvir João Bosco "O almirante negro", e o surgimento das escolas de samba, é um RESSUSCITA-ME; O amor, de Maiakóvski.

Fixar as famílias na terra, como disse Stédile na CPI, "é parte da solução da dívida do estado com o povo". À frente, porém, está a monocultura, veneno, desmatamento. Tudo de ruim, em alta tecnologia, um pensar velho, uma razão velha e uma matança eficiente. Que não é só de gente e lideranças, Chico Mendes e Margaridas, não. É preciso matar tudo: gente, flora, fauna, espiritualidade, cultura como diz Augusto Jatobá, LP Matança, 1988.  Caviunas, cerejeiras, baraunas. 

Esse nosso corre-corre brasileiro segue firme ao modelo societário. Uma sociedade onde o sucesso individual implica no fracasso de milhares. O trabalho desorganizado sem partido ou palavra que o guie. E a todo instante enfia-se nas mentes 'Trabalhe que você consegue com seu mérito'. Desconhecemos o ganhar coletivamente que impede a solidariedade, nem no natal! Há uma cultura de sermos não humanos. Que forma humanos pra coisas e não para si. 

Qual o corre de hoje? Qual o trampo? Cada um com o seu. Mas é certo haver um desertar contínuo da terra e uma natureza 'descurtida', que só alimenta idas e vindas individuais. Imaginar um país de céu azul, longas praias, rios e natureza curtida sem toneladas de lixo é ficcional.

Os povos indígenas falam com a natureza. Não é alucinação! Correio Braziliense, março, 2023, traz esse tema. É uma outra vibe! Energia seria melhor? Vibração, pode ser? Mas talvez alguma adolescente leia. Sigo. Contudo, se o foco for a pinturas de urucum, canoas, cerâmicas, os roçados, as comidas, a espiritualidade tudo leva à comunicação.

Quem sabe um pouco de razão? Carlos Nobre, O Globo, 2023, diz que além de reflorestar é preciso restaurar, 5000.000 Km², da Colômbia ao Maranhão. RESSUSCITA-ME! A Cúpula de Belém disse muito, contudo, não explorar petróleo no bioma amazônico deveria ser ponto certo. Do contrário, só reforça a devastação dos 500 anos. 

Em breve cotidiano, um amigo lendo a politica nacional diz: 'anestesia por conveniência torna o governo, comedido, eleito de centro e asfixiado', e no centro o centrão vem com força ocupando espaços. São as corretes e amarras antigas agora de terno e gravatas. Eleitos nas bases de um Brasil que normalizou o banal, com os mais pobres, há muita fome, açoitados por juros altíssimos, que enriquecem uma casta parasitária. O país segue na espera, RESSUSCITA-ME, da palavra temporão.

 

*Miguel de Brito é bacharel em Engenharia, licenciado em Física e educador matemático; Também Servidor Público do Instituto de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira.

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