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Mulheres negras por reparação e bem viver

Mulheres contra as guerras, o racismo e as violências: pela legalização do aborto, por democracia e sem anistia para golpistas.

Nossos passos vêm de longe!

Chegamos no mês de março, em que a pauta de gênero ganha centralidade nas discussões políticas, no ativismo digital e nas ruas. Este ano, o tema nacional das mobilizações do 8 de março é Mulheres em defesa da democracia, por trabalho digno, legalização do aborto, reparação e bem viver! Contra o fascismo e o racismo!. No Ceará, o tema escolhido é Mulheres contra as guerras, o racismo e as violências: pela legalização do aborto, por democracia e sem anistia para golpistas. Esses temas refletem a urgência de enfrentar as desigualdades que atingem as mulheres, especialmente as mulheres negras, que estão na base da pirâmide social.

Nas últimas décadas, os movimentos feministas têm incluído o combate ao racismo em suas agendas de luta devido a presença negra dentro das articulações sociais, como observamos nos temas das mobilizações. No entanto, ainda enfrentamos a dificuldade histórica de parte do feminismo em abraçar as diversas mulheridades. Essa exclusão não é nova. Em 1851, Sojourner Truth, uma mulher negra e ex-escravizada, questionou em um
discurso histórico: “E eu não sou uma mulher?”. Ela desafiou a plateia da Convenção dos Direitos das Mulheres em Ohio, nos EUA, ao destacar como as mulheres negras eram excluídas das reivindicações feministas da época. Seu ato indagou ao público presente: “as mulheres precisam de ajuda para entrar em carruagens e atravessar valas, e sempre ter os melhores lugares não importa onde. Nunca ninguém me ajudou a entrar em carruagens ou a passar pelas poças, nem nunca me deram o melhor lugar. E eu não sou uma mulher? Olhem para mim!”. Suas palavras ecoam até hoje, cobrando do movimento feminista uma postura e perspectiva interseccional que abarque junto a dimensão racial, as dimensões de classe, gênero e sexualidade, a caminho de um afrotransfeminismo.

No Brasil, Lélia Gonzalez foi uma das precursoras a denunciar o racismo dentro do feminismo, a partir de seu ativismo, construiu uma trajetória acadêmica e política pioneira, legado esse que podemos acessar através de artigos fundamentais como Racismo e sexismo na cultura brasileira (1984), Por um feminismo afro-latino-americano (1988) e A categoria política-cultural da amefricanidade (1988), todos apresentam a necessidade de transversalizar raça e gênero dentro de um feminismo presente na América Latina, ou como Lélia pontua, na Améfrica.

E a situação das mulheres negras no Brasil?

Os dados mostram que as mulheres negras continuam sendo as mais afetadas pelas desigualdades sociais no Brasil. De acordo com a Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) do Ministério do Trabalho e Emprego, divulgada em novembro de 2024, elas representam 10,1% no universo de 7,5 milhões de desempregados, quase o dobro da média nacional de 6,9%. Ainda em 2024, foram divulgados os resultados da 10ª Pesquisa Nacional de Violência contra a Mulher Negra, organizado pelo Instituto de Pesquisa DataSenado juntamente com o Observatório da Mulher contra a Violência. Entre os dados, revelou-se que 66% das mulheres negras que sofrem violência doméstica não têm renda suficiente ou nenhuma fonte de renda. Esses números evidenciam como a vulnerabilidade econômica está diretamente ligada à violência e à exclusão social.

No mercado de trabalho, as mulheres negras enfrentam barreiras como o preconceito racial, que privilegia um padrão estético branco, e a associação estereotipada a trabalhos manuais e domésticos. Essas dificuldades reforçam a necessidade de políticas públicas de combate ao racismo estrutural e promoção da equidade.

Até que a categoria mulher negra fosse reconhecida e aplicada em questionários, análise de dados e divulgações factíveis, foi necessário muitas lutas, enfrentamentos, embates e organização social às mulheres negras, portanto, nossa presença não reflete somente às desigualdades, mas principalmente potencialidades, seja de forma individual e/ou coletiva.

Organização para transformar!

A luta das mulheres negras no Brasil é marcada por encontros históricos, como os Encontros Nacionais de Mulheres Negras realizados no Rio de Janeiro (1988), Salvador (1991) e Goiânia (2020). Esses espaços produziram e produzem até hoje significados relevantes para a ação pública e organização das mulheres negras no Brasil, sendo fundamentais para desconstruir a ideia de que o movimento feminista não é para mulheres negras e que o movimento negro não é espaço para mulheres. Pelo contrário, eles reforçam que todos os lugares são nossos e que não abrimos mão de apresentar nossas demandas e
buscar soluções.

No Ceará, mulheres como Lúcia Simões, fundadora do Grupo de União e Consciência Negra (Grucon) em 1982 e da Associação Cultural e Educacional Afro-Brasileira Maracatu Nação Iracema; Joelma Gentil, Leda Silva e Lucineide Almeida, fundadoras do Movimento Negro Unificado (MNU – Seção Ceará) em 1995; e Verônica Carvalho, Maria Eliana de Lima, Janaina Costa e Zilene Pereira, fundadora do Grupo de Valorização Negra do Cariri (Grunec) em 2001, são exemplos de lideranças que apostaram na coletividade para transformar a realidade social e cultural no estado.

Nossa luta é diária e possui agenda. O Março Lilás é um desses momentos cruciais para reforçar a luta das mulheres negras por reparação e bem-viver. É um período de denúncia das consequências do racismo, de pressão por políticas públicas eficientes, cobrar justiça por Marielle e Anderson e de mobilização para a II Marcha Nacional das Mulheres Negras, que acontecerá em novembro de 2025, em Brasília.

A Marcha representa um marco na luta por direitos e demarca a união de milhares de mulheres negras em todo o país. É um chamado para que todas nós, organizadas em movimentos negros e sociais nos engajemos na construção de uma sociedade mais justa e igualitária a partir desta grande mobilização negra.

Nos vemos nas ruas!

A pergunta de Sojourner Truth continua atual. Ela nos lembra que a luta feminista só faz sentido se incluir todas as mulheres, especialmente aquelas que são mais impactadas pelo racismo e pela pobreza. Nossa presença nas ruas, nas universidades, nos movimentos sociais e em todos os espaços é uma afirmação de que não aceitamos ser invisibilizadas.

Neste 8 de março, a concentração do ato em Fortaleza (CE), será a partir das 8 horas na Praça da Bandeira e seguirá pelas ruas do Centro, tendo como ponto final a Praça do Ferreira. Vamos às ruas para dizer: somos mulheres, somos negras, e nossa luta é por democracia, dignidade e bem-viver para todas!

*Militante e atual coordenadora de Formação Política do Movimento Negro Unificado (MNU) no Ceará. Membro da Executiva Estadual do PT Ceará. Bacharela em Humanidades pela Unilab. Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Sociologia na UECE.

**Este é um artigo de opinião e não necessariamente representa a linha editorial do Brasil do Fato

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