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Meu palco é maior que o seu

Imagina um cenário em que a extrema direita vem ganhando espaço no mundo inteiro. Nos Estados Unidos, Donald Trump vem com tudo, metendo decreto pra cima, implementando seu plano extremista de governo e ouriçando fascistas mundo afora.

Aqui “em casa”, por mais que um certo ex-presidente inelegível, com dezenas de asseclas, tenha sido denunciado pela Procuradoria-Geral da República por tentativa de golpe de Estado, sua corja continua fortalecida nas redes controladas por discurso de ódio e desinformação, tentando sabotar o governo e crente no retorno de uma necropolítica alinhada com o que há de mais nefasto na política internacional. Imaginou? Puxado, né?

Enquanto isso, em Pernambuco, temos um dos poucos redutos em que o chamado “campo democrático” tem derrotado (em grande parte) os saudosos da ditadura. Aqui, tanto o prefeito da capital quanto a governadora vêm de partidos e famílias que um dia se alinharam com a esquerda e a centro-esquerda e que, na política tradicional, seguem no campo republicano, embora tenham se aproximado mais do centro político.

Até onde se sabe, todos buscam aproximar-se do presidente Lula e ambos têm o Partido dos Trabalhadores (PT) em sua base legislativa. Justo no momento em que o diálogo poderia nos favorecer rumo a uma definitiva derrota do retrocesso, o que ambos resolvem fazer? Brigar, para o deleite da extrema direita.

O último episódio parece até um trote de Carnaval. Quase que sorrateiramente, eis que brota um palco patrocinado pelo Governo do Estado a menos de 200 metros de onde é montado, há pelo menos 20 anos, o palco principal da Prefeitura do Recife. Como a programação do estado deve acontecer em horários diferentes, uma festa não atrapalha diretamente a outra.

Mas é — no mínimo — questionável do ponto de vista econômico. Para que gastar na casa dos milhões apenas para aparecer politicamente em uma festa em que o público já está garantido? Ou você acha mesmo que vai ter gente comprando passagem para Pernambuco depois que Raquel Lyra publicizar a programação da festa que vai patrocinar com nossa grana?

Há quem diga que, ao realizar um evento no Recife Antigo dias antes de o prefeito João Campos fazer sua abertura oficial, a governadora deseja minar seu protagonismo na festa. Isso depois de ter coberto a marca do Governo Federal nos ônibus escolares que distribuiu para municípios do interior. Muito ironicamente, está de “parabéns”.

Se os gestos atropelados de Raquel na disputa paroquial podem respingar negativamente nas próximas eleições nacionais, o que dizer das últimas manobras do PSB, maior partido da oposição na Assembleia Legislativa?

Aproveitando a má relação que a governadora tem com o presidente da Alepe e articulando-se com o que há de mais nefasto na política pernambucana, o partido coordenado pelo prefeito mais badalado do Brasil simplesmente foi responsável pela entrega da presidência de duas das mais importantes comissões do legislativo estadual (Educação e Legislação e Justiça) para dois eloquentes bolsonaristas.

Depois da manobra, a única comissão que será comandada pela bancada governista (Meio Ambiente) terá à frente Rosa Amorim, justamente deputada pelo PT e recém-chegada na base.

É óbvio que, na democracia, o embate ideológico é salutar. Por isso, inclusive, precisamos continuar defendendo uma outra perspectiva de governo, ignorada por ambos, João e Raquel.

Precisamos de debate programático e de um Estado que tenha mais participação popular, mais cuidado com o meio ambiente, mais política de moradia, mais investimento em cultura e comunicação popular e uma nova forma de enfrentar problemas crônicos como a violência.

Precisamos de um Estado que mude radicalmente a forma de lidar com a questão das drogas. Aliás, por que não pensar o desenvolvimento econômico a partir da tríade: economia criativa + reutilização de resíduos + programa estadual da maconha? Ousadias que quem herdou o manual da política tradicional tem dificuldade de abraçar.

Salvo a disputa pela máquina estatal, o que difere politicamente o prefeito e a governadora? Não custa lembrar que, até um dia desses, ambos eram do mesmo grupo. Pai de um e pai da outra foram governador e vice pouco mais de 10 anos atrás.

Nos bastidores (e nos palanques) da política, disputam rigorosamente os mesmos apoios, dos mesmos partidos, quase da mesma forma. Símbolo disso é ver como têm se digladiando pela bênção dos Coelho, de Petrolina, que outro dia alinhavam-se com um certo presidente genocida.

Honestamente, não sei o que impede João e Raquel de conversarem. De trocarem uma ligação, tomarem um café. De compreenderem a delicadeza do momento histórico em que vivemos, de se entenderem minimamente para, mesmo que em lugares diferentes, evitarem que o campo reacionário cresça ainda mais no nosso quintal.

Mas, entre si, ao menos até agora, preferem a guerra. Mesmo que seja às custas do povo pernambucano ou até da democracia no Brasil.

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