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O lucro de poucos contra o direito de todos

“Às vezes o interesse privado avança sobre os bens públicos - e quem perde é a cidade”, escreve Jô Cavalcanti

Por quatro décadas, a pista de bicicross do Parque da Jaqueira foi mais que um espaço de lazer. Ela foi palco de histórias, formação de atletas, de desenvolvimento de uma mobilidade e de inclusão social. Nela, gerações de crianças descobriram um novo esporte, esportistas desenvolveram carreiras – alguns até internacionalmente – e, acima de tudo, uma comunidade foi estabelecida.

É um lugar que, desde sua criação, cumpriu e segue cumprindo sua função social: democratizar o acesso ao lazer e ao esporte.

Agora, tudo isso está prestes a ser destruído. A concessionária responsável pela gestão do parque divulgou que a pista será demolida em breve. No lugar, a empresa planeja construir um centro de eventos e um centro gastronômico – empreendimentos privados. Mas a quem interessa essa mudança?

A lógica por trás dela é evidente: elitizar o que deveria ser de todos e usar o patrimônio público para gerar lucro para uns poucos. Tudo isso sendo publicizado como “modernização” e “desenvolvimento”. Um discurso que mascara os interesses empresariais que não dialogam com o bem-estar da população.

A demolição da pista de bicicross do Parque da Jaqueira não pode ser vista como um caso isolado. Ela faz parte de um processo maior de mercantilização da cidade.

Leia: João Campos entrega gestão de quatro parques do Recife à iniciativa privada

É importante destacar que demolir a pista de bicicross não só fere a comunidade de atletas e ciclistas. Essa decisão entra em choque direto com a Lei Municipal 18.897 de 2022, que proíbe “qualquer intervenção que comprometa o patrimônio ambiental e cultural hoje existente” no perímetro da Unidade de Conservação da Paisagem (UCP) Parque da Jaqueira Governador Joaquim Francisco.

Esses patrimônios aos quais a legislação se refere são os jardins de Burle Marx, a Igreja de Nossa Senhora da Conceição (a Capela da Jaqueira), as áreas verdes e as áreas de lazer coletivo – que é o caso da pista de bicicross. A Lei diz ainda que “outra não poderá ser a destinação da UCP Parque da Jaqueira Governador Joaquim Francisco, senão a de atender, em caráter exclusivo e permanente, a função social de parque público”.

Para além da arbitrariedade e da falta de transparência, essa iniciativa da concessionária Viva Parques é contra a lei do município. Não vamos deixar que esse caso passe sem resistência e luta.

Recife já é uma cidade que prioriza os objetivos dos mais ricos em detrimento do bem-estar da população. A demolição da pista de bicicross é mais um caso emblemático e que também abre um precedente perigoso.

O risco que corremos é que, caso a destruição siga sem um debate amplo, as concessionárias se sintam legitimadas para tomar decisões unilaterais e arbitrárias em outros espaços públicos que estejam sob sua responsabilidade. No momento, é a pista de bicicross, amanhã podem ser os quiosques dos comerciantes, um parquinho, a pista de corrida, árvores e vegetação local.

Outros parques e áreas públicas podem sofrer intervenções semelhantes, com áreas de lazer sendo substituídas por empreendimentos privados: o desmonte de espaços públicos que deveriam ser protegidos.

Não é só sobre a pista de bicicross e o apagamento de 40 anos de serviço e história. É sobre o direito ao espaço público, ao lazer, ao esporte gratuito. Não podemos deixar que os bens do povo sejam entregues de bandeja aos interesses privados.

A privatização dos parques foi aprovada em 2021 e, infelizmente, não pode ser revertida. Mas estamos na linha de frente para reduzir os danos que essa medida pode causar à população e aos bens públicos.

Por iniciativa do nosso mandato em articulação com a comunidade de bicicross, a Câmara do Recife será palco de audiência pública para discutir a questão. No próximo mês de abril, o poder fiscalizador da cidade vai questionar a Prefeitura do Recife e a concessionária Viva Parques, além de abrir espaço para que a sociedade civil e a comunidade de atletas possa ser ouvida amplamente.

O destino de um bem público não deve ser decidido em reuniões de portas fechadas com donos de empresas. O Recife precisa afirmar que a cidade é para o povo e não para o lucro. A luta está só começando.

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