Aparentemente pessoa alguma, com grau mediano de informação, deixa de reconhecer que o maior problema real, de todos/as, diz respeito ao tempo.
Se trata de “como” e de “até quando” o milagre da vida poderá ser desfrutado.
E aquela ideia de permanência, através dos filhos e netos não oculta a verdade de que raramente se encontra alguém com noções claras a respeito da história de seus avós. Pelo menos entre nós, os europeizados, é como se os antepassados nunca tivessem existido. Aliás, o acúmulo de bugigangas deixadas em heranças (que sem dúvida facilitam a vida de algumas pessoas e ampliam as discórdias entre outras), não garantem a lembrança daqueles que se foram.
O que permanece, o que é lembrado, parece se relacionar a atitudes que em algum momento fizeram toda a diferença, que mudaram nossa condição de vida, para melhor. E isso sempre corresponde à diferentes formas de atenção. Olhares, gestos, palavras, cuidados repetidos, com especial valor para aqueles momentos carregados de afeto e amorosidade.
O resto, de natureza material, desaparece. Ou no mínimo perde a conexão com as pessoas associadas.
Permanece aquilo internalizado como dedicação de tempo. Tempo cedido à nós, por outras pessoas. Tempo doado com carga de respeito e atenção.
E parece que isso é mais importante na infância (embora permaneça válido ao longo de toda a vida), já que muitos de nós não esqueçam aquela professora, aquela pessoa de idade, aquela pessoa percebida como cuidadora, como orientadora em alguma fase da vida. Algo faz que ligações baseadas no tempo de atenção amorosa se coloquem à frente de pais provedores, preocupados, cuidadosos, porém não tão presentes como gostariam e por isso, também no futuro, ausentes. O esforço para amealhar e transferir bens, neste sentido, vale bem menos do que os acumuladores possam imaginar.
No caso das figuras públicas talvez isso também explique o maior valor atribuído pelas comunidades, aos sindicalistas, aos ambientalistas, aos artistas, em relação aos juízes, aos militares, aos industriais e tantos outros profissionais via de regra mais socialmente bem sucedidos do que os primeiros.
Mas estou me desviando do tema.
O que pretendia era fixar o argumento de que, independente das assimetrias em termos de qualidade, nossa vida é curta e nosso espírito valoriza a atenção, a cordialidade acima do dinheiro e do poder. Assim, a longevidade das lembranças que restarão de nós, dependerá da forma como usamos a mais importante de todas as variáveis: nosso tempo de vida.
E ao que parece, ele se encurta, se desqualifica, e está sendo roubado por terceiros. Vamos a ele.
Os últimos estudos sobre o clima, informam que estamos à beira do colapso. Algo como o fim dos tempos, o esgotamento da mais importante de todas as variáveis.
Já ultrapassamos o limite de 1,5 graus centígrados sobre a temperatura média histórica (1850-1900) e isso indica que toda uma cadeia de eventos retroalimentadores de crescentes desastres ambientais, com ciclos de 20 anos, está ativada.
Esta tendência avançará, agravada, e a crise ambiental trará repercussões brutais. Veremos incêndios e inundações, emergências sanitárias, zoonoses epidêmicas, miséria e fome. Migrações forçadas, guerras, violências e todas as reações que o medo e o desespero provocam, em escala nunca vista. E isso nestes próximos dez anos.
Esta compreensão de que um novo tempo vem aí, mais curto e de pior qualidade para bilhões de seres vivos, e em todo o planeta, está a exigir mudanças de comportamento que, a julgar pelo que está acontecendo no governo Trump, parecem impossíveis.
Em outras palavras, a ciência mostra que, como humanidade, estamos indo na direção errada. E os anúncios de Trump alimentam medidas que tendem a acelerar este avanço, reduzindo em quantidade e qualidade, o tempo que nos resta.
Isto é assim porque o presidente norte americano é um negacionista climático. Um ignorante poderoso, que desdenha do aquecimento global e não pretende contribuir para sua contenção. Ao contrário. Trump já avisou que expandirá a prospecção, a captura (coitada da Venezuela) e a queima de combustíveis fósseis.
Além disso, tudo indica que seu governo tomará medidas para expandir o território norte-americano em direção às terras frias do norte (ocupando Canadá e Groenlândia). E também parece que apoiará medidas expansionistas similares, tanto em favor de seus aliados (por exemplo em Gaza) como de seus inimigos (por exemplo, abandonando a Ucrânia e bloqueando, como a Rússia exigia desde antes da crise, sua participação na OTAN).
Nesta perspectiva, podemos supor que em sua nova política os governantes dos EUA se dedicarão a subjugar os vizinhos, estimulando coisas parecidas em outros ambientes e protelando as disputas imperiais, com a China, para uma segunda fase. Preferem, ao que parece, queimar o circo a assumir um segundo lugar no picadeiro. Quando a população norte americana, que elegeu o maluco, acordar para isso, talvez já seja tarde demais. Veremos.
O pior é que isso também sugere que nos encaminhamos para o fim das democracias. Mesmo estas democracias de baixa intensidade, controladas por grupos econômicos, tenderão a desaparecer sob as botas de extremistas de direita, a serviço do império. Podemos esperar, como fruto inicial desta estratégia desesperada de autopreservação, algo tão inovador como a globalização de processos mais sofisticados de intimidação e controle.
Evidentemente, não será fácil para eles. O recrudescimento da já anunciada mescla de cooptação e intimidação, envolvendo favores, ameaças e convencimento doutrinário, custará bilhões de dólares. Talvez os cortes orçamentários e as taxações de importações, aparentemente suicidas pelos riscos inflacionários que acarretam para todos os setores e países, tenham a ver com isso.
De toda forma, as ocupações militares do tipo tradicional, bem como a “compra” de países, não acontecerão.
Ao invés disso, serão adotados mecanismos destinados a induzir parcela relevante das populações dos territórios a serem politicamente controlados, a se manifestarem em favor dos interesses norte-americanos. Para isso, serão empoderados atores locais de perfil entreguista (como Bolsonaro e Milei), com a reanimação de revoluções coloridas, a manipulação de informações e a cooptação de lideranças regionais.
No Brasil podemos esperar ocorrência do inferno de que fomos poupados com as eleições de Lula e Biden. Pelo que se vê na mídia, embora ninguém vença o Lula, não apenas a anistia aos golpistas continua em pauta, como estão sendo preparados vários nomes para o exercício daquelas funções. Hoje, Bananinha, Chupetinha, Tarcísio, Michelle, Marçal, Caiado e Gusttavo Lima, são apenas alguns dos muitos candidatos àquela função de capatazia.
Para que isso se concretize basta que as populações se descuidem, permitindo aos donos da comunicação digital fazerem sua parte, dando sentido ao destaque internacional que têm recebido desde a posse do Trump.
Aliás, e em oposição a isso (até pode ser otimismo exagerado, mas..) é possível que a fragilidade da simbiose na dupla Trump-Musk leve ao desmonte daquele programa. Vendo como os dois se comportam é inegável sua semelhança com aquela paixão inicial da dupla Bolsonaro-Moro, que agora só espera o fim das imunidades, para desmoronar por inteiro. Que assim seja.
Mas independente disso, o tempo voa e o fim da vida como conhecemos saltará aos olhos de todos já em 2025, quando as pessoas começarem a desmaiar nas ruas das grandes cidades, por estresse térmico.
Até lá seguiremos distraídos, ocupando o presidente Lula com simulacros de golpes continuados, como aquele bloqueio a recursos do Programa Pé-de-Meia (por ação do gaúcho Augusto Nardes), vulnerabilizando 4 milhões de alunos do ensino médio.
Enfim, e concluindo. Estamos vivenciando espasmos de um período que recusa a se perceber em fase terminal e que, ao invés de operar uma transição negociada em escala global, trata de desmontar os mecanismos de negociação que permitiriam abrandar a crise. Lá nos EUA, como aqui entre nós, vemos grupos poderosos e seus vassalos tentando criar e validar mecanismos imorais, até ontem impensáveis, para proteger seus privilégios.
Por isso, uma coisa é certa: o futuro lembrará dos que usarem seu tempo de vida, hoje, lutando contra o caos maior, tentando contribuir para esclarecer aqueles ainda enganados sobre o que está em jogo.
O sacrifício já é certo. Afinal, quem é vivo corre perigo.
Ainda assim, quanto antes acordarmos para a disputa sobre o quanto de tempo nos resta e como ele será vivenciado, melhor.
E se for para cair de pé, que seja reafirmando: Abaixo o império. Viva o povo brasileiro. Sem anistia, sem perdão e com punições exemplares aos vendilhões de todas as pátrias, aos destruidores da casa comum.
Uma música: Matança
* Este é um artigo de opinião e não necessariamente representa a linha editorial do Brasil do Fato.