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É proibido proibir

Sem anistia e sem covardia, precisamos rever a história, reencontrar o caminho de que nos desviamos e avançar por ele

Nesta semana, sob o tiroteio desproporcional de mídias comprometidas com o esvaziamento das políticas públicas inclusivas que estão sendo retomadas neste país, Lula usou aquela frase emblemática: “É Proibido Proibir”.

Título de música do Caetano e de alguns vídeos que vale rever, a frase, no contexto utilizado pelo Lula, merece reflexão que pode ser buscada a partir de sua versão original.

Aliás, o conteúdo desafiador daquela música, que embora importante, poética e de conteúdo forte, acabou se perdendo pela teatralidade das reações que provocou. Por exemplo, quando Caetano contra atacou os que jogavam de tudo nos músicos gritando “que juventude é essa?”, e os Mutantes performaram de costas para a plateia, e o Gilberto Gil, depois de morder um tomate que atiraram nele, devolveu o pedaço de sobra no público. E tudo que se falou, inventou e escreveu sobre isso, acabou meio que matando aquela música.

Enfim, aquele momento de É Proibido Proibir se associou a atitudes de enfrentamento caótico e corajoso à intolerância de um público possivelmente orientado por motivações que pouco tinham a ver com o conteúdo da música. O fato é que embora o júri tenha classificado a música do Caetano entre as que seguiriam adiante no processo de avaliação que ao final  determinou Sabiá (de Tom Jobim e Chico Buarque) como vencedora do III Festival internacional da Canção, naquele momento o Caetano desistiu de seguir concorrendo. Era setembro de 1968 e Pra não dizer que não falei das flores, de Geraldo Vandré, ficou em segundo lugar.

Bons tempos aqueles, não é mesmo?

Mas estou quase fugindo do tema.

Esta semana Lula usou a frase “É Proibido Proibir” em pelo menos dois contextos, e daí me veio a motivação destes comentários.

Defendendo sua esposa, da baixaria de acusações vindas da oposição (e também de alguns segmentos da trincheira petista), Lula afirmou que escuta a Janja, que pede suas opiniões, e que as seguirá sempre que concordar com elas. Que esta é sua prática, como o foi com dona Mariza Letícia, e que assim o deveria ser em todas as famílias. Lula ainda disse que na casa deles, é proibido proibir.

Em outro momento, e nesta mesma semana, Lula enfatizou: “Nesse país é proibido proibir as pessoas de sonharem”.

Na ocasião ele estava informando a sociedade, sobre a retomada de políticas públicas que haviam sido abandonadas desde o golpe de 2016, e que agora retornam (algumas surgem, são novidades) orientadas a impulsionar a criatividade da população, a ampliar os horizontes de desejos e as possibilidades de suas realizações.  Políticas, convenhamos, com P maiúsculo. Destinadas a abrir caminhos para dar concretude aos sonhos de milhões de brasileiros.

Disso já resultou, em apenas dois anos de governo, o acesso a emprego com carteira assinada e direitos sociais garantidos, para mais de 3 milhões de pessoas. A retomada do Polo Naval de Rio Grande, ilustraria bem, pelo menos entre os gaúchos, que há movimento em aceleração, neste rumo. Foram anunciados investimentos que levarão à criação de 1,5 mil empregos diretos (investimentos de R$ 1,6 bilhão nos primeiros quatro navios) e outros 5 mil no próximo quinquênio.  O Programa de Renovação e Ampliação da Frota da Petrobras aplicará, até 2029, R$ 23 bilhões (44 novas embarcações).

No conjunto, estão projetadas medidas que deverão gerar cerca de 44 mil empregos diretos e indiretos, alavancando o desenvolvimento econômico e social da região.

Quem acompanhou o drama do esvaziamento econômico de nosso Polo Naval e da região Sul como um todo, a partir do golpe de 2016, sabe o que isso significa. Como ilustração, considere-se que o vice governador do RS, Gabriel Souza (MDB), presente na solenidade de anúncio dos investimentos, passou de alguém vaiado no início, a pessoa enfaticamente aplaudida, no final de sua fala. E isso pelo tom, ênfase e qualidade do que disse.

Penso que sua explicitação de reconhecimento à participação do Governo Federal na retomada do desenvolvimento gaúcho, bem como a reação popular àquela  postura, merecem atenção e devem ser levados em conta na interpretação de bandeiras políticas orientadas pela ideia de que, para muitas atitudes, as proibições devem ser proibidas. (Espero que ele tenha sido sincero, e que em outros ambientes mantenha – dê continuidade – àquela postura).

Destaque-se, neste ponto, a importância de coligações, parcerias e maturidade políticas necessárias para a arregimentação de alianças contributivas à realização de sonhos e à contenção dos movimentos fascistas.

Perceba-se aqui a diferença entre este jovem bolsonarista gaúcho e aquele outro, o senador capixaba Marcos Do Val, que esta mesma semana pediu “pelo amor de deus” que “os Estados Unidos invadam o Brasil”.

Não é piada. Além disso, aquilo que ele pede e que para nós seria um pesadelo, possui histórico de realizações que conferem insano realismo à perspectiva do sonhador criminoso. Em verdade, eles são legião. Outros conspiradores/traidores também vêm se mostrando empenhados em articular nossa inclusão no rol das intervenções externas realizadas pelo exército norte-americano, ao longo dos últimos 150 anos.

Voltando aos sonhos positivos e aos anúncios do Governo Federal, vale dizer que as transformações em andamento neste país são recentes e carecem de tempo para serem visibilizadas. Por exemplo, é quase desconhecida a Plataforma Contrata+ Brasil, que poderá conectar centenas de milhares de microempreendedores individuais (MEIs) às compras públicas de bens e serviços (pintores, encanadores, eletricistas, pedreiros, etc.), que hoje movimentam, nacionalmente, algo em torno de R$ 6 bilhões/ano.

Para completar, e ainda no espaço da realização de sonhos que não podem ser proibidos, nesta semana o Governo Federal também anunciou a liberação de recursos para o programa Pé de Meia e para a distribuição gratuita de medicamentos, pelo programa Farmácia Popular.

Neste último caso, bastará que a pessoa apresente documento com foto, CPF e receita médica atualizada, em Unidades Básicas de Saúde e farmácias credenciadas, para ter acesso a (41) remédios destinados aos tratamentos de hipertensão, diabetes, asma, osteoporose, problemas de colesterol elevado, rinite, doença de Parkinson e glaucoma, entre outros (bem como a fraldas geriátricas e absorventes higiênicos).

Só quem não precisa, não sabe da importância disso, ou não tem interesse em informações relativas ao custo de acesso a itens como estes, que são essenciais a milhões de brasileiros, pode minimizar a importância desta e outras políticas públicas inclusivas.

No caso do Pé de Meia, serão aproximadamente 4 milhões os jovens que cursam o ensino médio, e que agora se percebem objetivamente estimulados a permanecer na escola. Poderão assim, alcançar o conhecimento necessário à superação de limitações que historicamente bloqueiam o acesso de suas famílias, a níveis superiores de educação, remuneração e qualidade de vida.

Para estes, o Pé de Meia significa uma poupança de até  R$ 9.200 (R$ 1 mil, que se somarão a  R$ 200 por mês em função da assiduidade e outros R$ 200 pela realização do Enem – Exame Nacional do Ensino Médio) que, ao fim do curso darão impulso e realismo a seus sonhos emancipatórios, bem como a suas possibilidades de incorporação ao processo de desenvolvimento nacional.

Ainda há muito a realizar, e a compreender. Por exemplo, entre outros pontos, precisamos evoluir no que diz respeito ao custo dos alimentos e à diferença de tratamento tradicionalmente oferecido (por todos os governos deste país), à agricultura familiar e ao agronegócio de exportação.

Ainda assim, neste período de coligações difíceis, precisamos comemorar o fato de estarmos nos afastando do mapa da fome e de não mais existir, entre nós, a vergonha nacional das filas dos ossos.

O futuro que está sendo construído depende de nós e de nosso apoio aos que trabalham com esta perspectiva. Como disse Chomsky, precisamos enxergar isso para superar a ideia, a crença, de que vivemos um momento de desesperança. Aquilo não apenas desanima. Ela também serve para assegurar/garantir que não ocorrerão as mudanças que dependem de nós e da ampliação, em número e em qualidade, dos nossos e dos que estão conosco.

Na verdade, para Chomsky, não temos escolha. No plano da consciência precisamos ser otimistas, porque isso contagia.  Sendo pessimistas estaremos ajudando a garantir que o pior aconteça. Precisamos ser esperançosos, agarrar as oportunidades que aí estão e fazê-las evoluir, contribuindo para transformação de nossa realidade comum, em algo melhor para todos.

E isso nos traz ao É Proibido Proibir.

Revendo as imagens que Caetano Veloso escolheu para projetar naquele festival de 1968, se percebe que involuímos. Elas mostram que nós abandonamos aquele método de “mobilização junto”, e que os golpistas de hoje copiaram e utilizam muito do que está ali, em suas perorações, performances e narrativas. Eles roubaram, se apropriaram e agora buscam utilizar aquela plástica, aqueles conceitos e aquela performance, em representações associadas a seus objetivos. Não podem usar o Wladimir Herzog, é evidente, mas não hesitam em falar de liberdade, de democracia e das revoluções populares, para defender a volta da ditadura, para criar imagens ilusórias. Fazem isso taxando de comunistas a quaisquer governos de coalizão minimamente comprometidos com a defesa dos direitos humanos universais. Nesta toada até o Papa Francisco, coitado, já vem sendo chamado de representante do demo, pelo Milei.

Portanto, nós também precisamos evoluir.

Já não se trata mais apenas de proibir proibições. É hora de acordar, agir e  motivar atitudes que limitem as distorções cognitivas em andamento.

Se trata, também, de entender que existem muitos brasileiros dispostos a destruir o Brasil, e de reagir a eles, em todos os espaços e com mais veemência do que fez o governo em relação às ultimas ameaças de Trump.

Escrevo isso porque concordo com Lula. E porque entendo importante também o alerta que ele trouxe, ao fato de que estamos em guerra (e perdendo feio) no campo das interpretações da realidade.

Para ajudá-lo, precisamos nos proibir de manter a apatia diante daqueles e daquelas empenhados/as em impedir a realização dos sonhos do povo e a reconstrução de um futuro autônomo, soberano para este país.

Sem anistia e sem covardia, precisamos rever a história, reencontrar o caminho de que nos desviamos e avançar por ele, com energia, com amor e paixão.

Sobre o É Proibido Proibir, do Caetano Veloso vale rever:

O discurso.

O documentário.  

A música.

* Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.

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