Nesta semana em que as questões das tarifas anunciadas pelo governo Trump invadiram os noticiários e todo o resto ficou esmaecido, corremos o risco de descuidar de problemas maiores.
Como o aquecimento global ,por exemplo.
Isso não é bom. Até porque enquanto o Trump é provisório, o sol é permanente.
Mas como tende a acontecer diante de coisas tão assustadoras como um diagnóstico de câncer, o medo acaba se impondo e bloqueia a adoção de uma racionalidade mais útil e mais abrangente.
É o caso do Trump. Suas ameaças de aumento de tarifas para os produtos que os americanos compram do resto do mundo de fato apavoram. Desarranjam uma economia tão globalizada como o ecossistema climático planetário, onde não existem serviços ambientais desprezíveis para o equilíbrio do todo.
Neste sentido, precisamos entender que, ao nosso medo de não conseguir vender, no caso por exemplo do aço, do alumínio, das laranjas, do café e outros produtos brasileiros hoje destinados aos EUA, corresponderá o pavor dos compradores norte-americanos, destas e outras mercadorias ameaçadas de sobretaxas.
Há nisso uma espécie de gangorra onde os dois lados estarão pressionados por crises relacionadas a dificuldades de cumprir contratos em andamento, com suas implicações em termos de desabastecimento, desemprego, inflação e convulsão social.
É óbvio, mas vale lembrar: as importações correspondem a necessidades de mercado, pelos dois lados, de quem vende e de quem compra. E as sobretaxas implicam em aumento de custos que tendem a desestruturar cadeias produtivas. Como a concorrência interna se dá com base em competição de preços, um salto nos custos das matérias primas levará à destruição de muitas unidades de transformação e distribuição, com as devidas implicações sociais.
Em termos globais, supondo reações como a já anunciadas, de reciprocidade nas taxações, todos perderão.
Vejam que se todos taxarem em 25% os produtos que importam, todos enfrentarão acréscimos de 25% na “entrada” das mercadorias importadas. Isso tenderá a se desdobrar ao longo das cadeias produtivas envolvidas. Contaminará o sistema, resultando em inflação, miséria, inseguranças e generalização do medo.
E o que acontece, quando o medo cresce ao ponto de se transformar em desespero?
Ficou claro nesta semana quando, acossadas pela desestruturação da economia na Argentina, várias torcidas de futebol e até as mães da praça de maio apanharam da polícia, nas ruas de Buenos Aires. Uma centena de feridos. Um fotógrafo com ferimentos muito graves na cabeça, está sendo difamado, tratado como ativista político. E isso parece ser só o começo.
Se algo parecido viesse a acontecer nos EUA, onde todos possuem armas, que implicações isto poderia trazer para a democracia e para a economia global? Imagino que muitos estarão pensando nisso e que, em breve, no interesse dos poderosos e do povo daquele país, o Trump será amansado ou retirado de cena.
Problema, problema mesmo, que não pode ser esquecido nem protelado por conta de malucos no poder, é o aquecimento gobal.
Vejam que esta semana, em Bagé, a temperatura oscilou de quase 40 a perto de 5 graus centígrados. No seu ponto de máximo, esta amplitude, que em si já seria suficiente para desestruturar o metabolismo das plantas e animais que respiram por aqui, ainda tende a evoluir.
Isso significa que nossas referencias de trato das plantas e animais selecionados ao longo de milênios, para garantir o sustento da humanidade, está prestes a perder sua validade.
A ovinocultura e a bovinocultura de leite apoiada em matrizes de origem europeia estão próximas de se inviabilizar na campanha gaúcha, bem como em outras partes do país.
As macieiras em Vacaria, o café em São Paulo, a ocupação do território com lavouras gigantescas de soja e o milho dependentes da importação de adubos químicos e agrotóxicos, são apenas algumas das muitas ameaças que precisam, com urgência ser equacionadas.
Neste sentido, parece evidente que, mantida a obsessão com os mesmos cultivos e criações nos mesmos locais e utilizando os mesmos métodos, tendemos a acumular frustrações que vão alimentar ondas de miserabilidade, violência e desespero.
Precisamos nos antecipar a isso, e encontrar meios para conter ou ao menos minimizar suas implicações.
Um dos caminhos provavelmente envolverá redesenho do zoneamento agroecológico e sua utilização como base orientadora para o financiamento de atividades produtivas da agropecuária nacional.
Neste rumo, os Planos Safra precisarão ser repensados de forma a que contribuam para questões tão fundamentais como o repovoamento dos territórios rurais, sua readequação produtiva, a recuperação da matéria orgânica e da capacidade de retenção de água nos solos, os serviços ambientais naturais, etc.
Se trata de fortalecer defesas naturais, expandir atividades agroflorestais, viabilizar policultivos, gerar ocupações produtivas, proteger os ciclos hídricos e reduzir o tamanho mínimo viável (e máximo absoluto) das propriedades rurais, entre outras transformações da realidade atual. Isto demandará expansão de investimentos, entre outros, na reforma agrária, na agroecologia e em sistemas de comunicação orientados para conscientização da sociedade quanto aos dramas que se avizinham e a necessidade de ações que minimizem seus efeitos.
Se trata, evidentemente, de contrariar alguns, para salvar muitos. Coisa que exigirá a substituição dos negacionistas que hoje ocupam espaços de decisão nos poderes da república, por uma nova geração de políticos, mais generosos, mais corajosos e mais comprometidos com as exigências destes tempos.
Mas não podemos esperar por isso.
Como revelam os casos do Trump e do Milei, será ilusório aguardar que os governos em exercício ou os poderosos que os sustentam e as mídias que os defendem, façam, por si mesmos, algo de relevante neste sentido.
Precisamos empurrá-los. E precisaremos do povo na rua, exigindo por isso.
E para os/as mal informados/as, negacionistas, ou que pensam não ter nada a ver com estas políticas radicais, ou que eventualmente acreditem ter a perder com isso, ofereço, pensando nos netos e filhos de todos, aquele verso de Lupicínio, que diz, “a vergonha é a herança maior que meu pai me deixou”.
*Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.