Semana de espetáculo no Supremo Tribunal Federal (STF), e papelão no Monumental de Nuñes.
Do futebol, não há o que falar. Tomamos um vareio, de 13 situações de gol os argentinos emplacaram apenas quatro. Nós, com três situações, fizemos um gol de bola roubada e acertamos a trave numa falta. Poderia ter sido muito pior. Dez a dois não seria injusto. Se justificaram os gritos de olé, os fogos de artificio ao final da partida, e até a cara de choro dos nossos. Os sempre ufanistas comentaristas de TV, que abriram o dia falando de maior disputa futebolística do planeta, fecharam a tarde chamando público para o jogo do Palmeiras contra o Botafogo. O treinador (não que não mereça) vai ser sacrificado. Mas os jogadores, magrinhos, levinhos, bailarinos, ricaços individualistas e sem coração, cuja pratica demonstra desinteresse em compor coletivos, estes, com certeza permanecerão intocáveis.
Felizmente, aquele vexame no futebol, que não será esquecido, restou amenizado pelo que aconteceu em Brasília.
Ali, uma conjunção especial de informações bem apresentadas, resumindo em poucas horas acontecimentos de anos de preparação orientada à consecução de um golpe que felizmente não aconteceu, a um só tempo renovaram nossas esperanças no fortalecimento da democracia e colocaram o Brasil no centro das lutas internacionais, contra o fascismo. Há muita responsabilidade nisso.
E precisaremos de tempo (e coragem) para compreender o significado (e para reagir positivamente às implicações) deste momento, que abre vasto leque de perguntas.
Por que ainda estamos aqui? Por que, quase houve, o que não houve?
E por que tantos querem esconder o que houve, anistiar os autores e levar adiante suas intenções?
Quem são os verdadeiros promotores e financiadores da tentativa de golpe?
Como evitar que isso se repita?
Sobram perguntas
De momento, o ocorrido em Brasília nos ajuda a entender uma pequena parte do que foi feito para que não mais estivéssemos aqui. Mas aqui estamos. E temos o dever de assegurar que o ocorrido contribua para a expansão da consciência e dos esforços de nossa população, contra os riscos de retorno das violências que os fascistas e os filhotes da ditadura insistem em trazer para este país.
Para tanto, precisamos entender o porquê de tantos brasileiros se manifestarem contra a justiça e em favor da supressão de punições para aqueles que trabalharam de forma explícita (ou ainda não revelada), visando o sucesso de crimes tão relevantes. E o julgamento da denúncia, oferecida e aceita em relação àqueles 8 incluídos no grupo gestor do golpe, há de permitir que todos dispostos a acordar compreendam o valor disso.
Estamos no início
Ainda serão indiciados os participantes do Núcleo de Ações Táticas (8 e 9 de abril), do Núcleo de Gerenciamento do plano de ações (29 e 30 de abril), do Núcleo de Desinformações (6 e 7 de maio) e dos demais núcleos (ainda sem datas agendadas), além dos esperados financiadores até aqui não denunciados.
Só isso já permite entender a ânsia pela anistia, que prospera nos esgotos da câmara federal. Financiadores, parentes, amigos, ligações perigosas de todo o tipo, estão ameaçados de vir à público, na medida que os julgamentos prosperem.
Por isso, esta primeira denúncia do Procurador-Geral da República, a síntese preparada pelo relator Alexandre de Moraes, as argumentações dos advogados de defesa e os votos dos juízes da primeira turma do STF, formam um conjunto de valor histórico. Como o espaço desta coluna não permite mais do que comentário simples, descrições de conteúdo devem ser buscadas nos textos, vídeos e áudios disponíveis.
O que dizem as defesas
Adianta-se aqui que, no julgamento agora iniciado, os advogados revelaram suas linhas de argumentação. Dirão que o julgamento é irregular, que as informações são excessivas por um lado, e limitadas/ocultadas por outro, dificultando a defesa. Que as provas inexistem ou não são válidas. Que não havia armas, que ninguém morreu, que planejar não é crime e que os crimes, se ocorreram, isto se deu sem a participação de seus clientes. Que está havendo exercício inaceitável, de perseguição e enxovalhamento do histórico ilibado de homens inocentes, e que isso não ficará assim.
O advogado de Alexandre Ramagem, que lidou com a ABIN paralela, disse que não houve arapongagem alguma e que seu cliente estaria, de fato, auxiliando na segurança do processo eleitoral.
A defesa de General Heleno disse que seu cliente era um dois de paus, um falastrão irrelevante ignorado no núcleo do poder.
General Braga, por meio de seu advogado, disse que o “colaborador denunciante” era mentiroso, que sua delação era inválida. Que estariam sendo negadas informações cruciais para a defesa de homem honesto com 42 anos de serviços exemplarmente prestados ao exército nacional.
Atirando para todo lado, o advogado do Almirante Garnier afirmou que as acusações a seu cliente deveriam ser estendidas ao Brigadeiro chefe da aeronáutica e ao General Chefe do exército.
O advogado do Paulo Sérgio Nogueira reconheceu que seu cliente levou a minuta do golpe ao conhecimento de outros, mas que na ocasião teria se empenhado em evitar o golpe, impedindo que o presidente Bolsonaro “assinasse uma doideira” sob influência dos radicais.
A defesa de Anderson Torres disse que a minuta do golpe seria irrelevante e que no 8 de janeiro ele estava em férias no exterior.
Aliás, na ocasião também estava por lá, nos EUA, o Bolsonaro, que agora afirma ter sido contra o golpe que nunca houve, que na verdade teria ajudado na posse do Lula e na nomeação de seus ministros, entre outros fatos desconsiderados no corpo da denúncia.
Seu advogado disse que inexistiriam conexões de eventos pregressos, de instigação pública, contra as urnas e o STF, e o que ocorreu em 8 de janeiro. Que o Punhal Verde Amarelo, a Copa 22 (que definia plano de ação) e o Plano Luneta (?) não estavam claros e nada teriam a ver com o Bolsonaro. Que seu cliente, “o mais investigado da história” seria inocente, inexistindo linhas de conexão robustas, entre suas ações e as “mentiras” do coronel Cid.
Já o advogado do coronel Cid simplesmente reafirmou o que ele havia dito e que estaria ilustrado por provas incorporadas à denúncia.
E assim, tudo indica que os advogados de defesa, conscientes da importância do caso e das dificuldades para livramento dos acusados, se empenharam em brilhar e em agradar aos juízes do STF. Como os jogadores daquela seleção brasileira impotente diante de uma Argentina imbatível, parecia que estavam ali para acumular créditos, sem compromissos com a história.
Tudo isso sugere que Bolsonaro (“alerto aos canalhas que nunca serei preso”) vai deixar para trás todos aqueles que acreditaram nele. Vai fugir do país.
Afinal, Alexandre de Moraes referiu que mais de 500 detidos já confessaram participação em tentativa de golpe de estado, alavancada a partir daqueles acampamentos protegidos pelo exército nacional e orientada rumo à ruptura do estado de direito.
Apenas 7 dos 1497 detidos teriam mais de 70 anos, e as mulheres eram 32% do total. Teriam sido recolhidas muitas armas (bastões, facas, barras de ferro, facas e até armas de fogo). Não houve mortes, por sorte.
Moraes reagiu aos argumentos de “pesca probatória” e de “seleção do melhor recorte”, lembrando que na fase de julgamento todas as informações serão disponibilizadas (a delação é apenas um meio, para obtenção de provas, caberá à acusação demonstrar a veracidade dos fatos elencados no processo).
Considere-se, ainda parábola apresentada pelo ministro Flávio Dino.
Segundo ele, numa revolta supostamente ocorrida em São Luís do Maranhão, os organizadores estimularam um personagem amalucado, conhecido como “Bota Pra Moer”, a puxar a marcha. Com a bandeira do Brasil na mão e os gritos de ordem na boca, ele teria liderado a turba, atravessando a cidade. Até que chegaram na área de confronto. Ali, diante do policiamento armado, o “Bota Pra Moer” teria largado a bandeira, dizendo: “daqui pra frente encontrem alguém mais doido do que eu”.
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Concluindo: A Ministra Carmen Lúcia lembrou que os golpes de estado matam. E que a democracia exige justiça, como condição para que não mais se repitam entre nós os desaparecimentos, as mortes e as torturas. Por isso, correspondendo a máquinas operativas com ações planejadas e executadas de forma continuada, a longo prazo (décadas no golpe de 1964, anos no caso atual), tais ofensas à civilidade humana (as tentativas de golpe de estado), sempre que identificadas, precisariam ser desmontadas de pronto e por inteiro.
Assim, não podemos olhar eventos, como o de 8 de janeiro, sem examinar os processos onde se inserem. A máquina, com a desacreditação das urnas, desmoralização da justiça, difusão de mentiras, criação de inimigos imaginários, ações terroristas e outras práticas usadas contra Getúlio, contra Jango, contra nós, sempre que identificada, precisa ser enfrentada e desmontada, de pronto e por inteiro.
É o caso atual
Precisamos assumir nossas responsabilidades em relação a isso e contribuir para a identificação, julgamento, divulgação e punição de todos os crimes e seus responsáveis. Sem anistia!
Nossa música de hoje, de Antonio Nobre e Rodrigo Sestrem: Sem anistia.
*Este é um artigo de opinião e não necessariamente representa a linha editorial do Brasil do Fato.