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Com o projeto da ‘Bíblia nas escolas’, extrema direita de BH tenta transformar fé em palanque

Enquanto proposta inconsistente avança na Câmara de Vereadores de BH, cidade enfrenta problemas concretos na educação

A Câmara Municipal de Belo Horizonte (CMBH) aprovou, na última terça-feira (8), um projeto de lei (PL) que autoriza o uso da Bíblia como livro paradidático nas escolas públicas e privadas da cidade. Assim como os demais vereadores da bancada progressista, me posicionei contra o projeto. 

Nosso entendimento, corroborado pelo parecer da própria Secretaria Municipal de Educação de Belo Horizonte, é de que o uso da Bíblia nas escolas fere o princípio da laicidade do Estado. 

Minha formação cristã, que passou inclusive pela educação formal em escola católica durante todo o ensino básico, também sustenta a minha posição. O cristianismo que me formou valoriza a inclusão, o respeito às diversidades — inclusive religiosas — e a defesa do bem comum. 

O que vimos na CMBH foi a extrema direita tentar vender essa ideia como uma medida que contribui para a formação moral das crianças, sobretudo considerando que a maior parte da população brasileira é adepta à fé cristã. Esse movimento de ancorar a proposta em uma maioria social consiste em jogada eleitoreira, pois transforma a fé em palanque. 

Inconsistências

De início, vale afirmar que não cabe ao legislativo — federal, estadual ou municipal — definir conteúdos pedagógicos de nossas crianças e adolescentes. A política educacional do país compreende instâncias específicas que tomam decisões embasadas na Lei de Diretrizes e Bases (LDB) e na Base Nacional Comum Curricular (BNCC). 

O Programa Nacional do Livro e do Material Didático possui comitês técnicos que analisam os conteúdos e avaliam a pertinência temática e etária dos materiais. Da mesma forma, a Secretaria Municipal de Educação acompanha as escolas do município, sempre preservando a adequação contextual dos materiais de apoio. 

Ainda, os Conselhos de Educação — nacional, estadual e municipal — cumprem a função de discutir democraticamente novas propostas e avaliar a eficácia da política. Assim, entende-se que escolher quais livros devem ou não entrar em sala de aula não é atribuição da Câmara de Vereadores. A insistência em fazer isso revela mais sobre a busca por likes e votos do que sobre qualquer preocupação com a educação.

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O argumento utilizado pelos defensores da proposta é de que as atividades seriam facultativas. Cabe, então, indagar: e os estudantes que não quiserem participar das aulas? Eles ficarão sem atividades? Quem vai ministrar atividades alternativas? Como fica o compromisso comunitário, socializante e inclusivo das escolas em um cenário de turmas divididas?

Se a Bíblia for utilizada em aulas de história e geografia, como sugere o projeto, ficarão sem aula as e os estudantes que optarem por não participar? E se a Bíblia for utilizada nas disciplinas de ensino religioso, como ficam as pessoas que praticam outra fé ou não possuem religião? O projeto não leva em conta que há outros textos sagrados que deveriam, em iguais condições, ser objeto dos estudos religiosos. 

No debate, vimos a maior parte dos vereadores tergiversar sobre o tema. Ocuparam a tribuna para enaltecer a Bíblia e Jesus Cristo. Nossa bancada resistiu, defendeu os princípios democrático e laico do Estado e, mais uma vez, denunciou como a extrema direita tem liderado um comportamento que manipula cristãos e desrespeita as demais religiões. Infelizmente, a adesão entre vereadores da direita e do centro tem sido massiva. 

Questões reais 

Além de nos posicionarmos contra o assunto, chamamos a atenção para questões concretas que afetam a educação em Belo Horizonte. É grave notar que o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) caiu nos últimos anos, especialmente nos anos finais do ensino fundamental. 

Outro problema é a frequência escolar, que diz respeito às condições de manutenção das crianças e adolescentes nas escolas. Lembramos ainda que faltam vagas nas creches. 

A valorização das e dos professores segue sendo um desafio, assim como a remuneração e as condições de trabalho de profissionais terceirizados — cantineiras, porteiros, trabalhadores da limpeza, monitores e apoio aos educandos com deficiência. Estes realizaram uma greve em fevereiro de 2025 que, na Câmara Municipal, contou apenas com o apoio de nossa bancada de esquerda e, na prefeitura, foi desrespeitada em suas reivindicações. 

Tal cenário nos permite dizer que o “PL da Bíblia nas escolas” está cheio de cortina de fumaça. Daqui, seguiremos lutando por uma cidade plural, justa, e do Bem Viver, porque é disso que a população de Belo Horizonte precisa e merece.

Luiza Dulci é vereadora em Belo Horizonte pelo Partido dos Trabalhadores (PT), economista e doutora em sociologia. Constrói o Movimento Bem Viver MG e integra a rede de jovens economistas “Desajuste – Economia Fora da Curva”.

Leia outros artigos de Luiza Dulci em sua coluna no Brasil de Fato MG

—Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do jornal

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