Por Mabel Dias*
O fenômeno da desinformação não é novo. Com as plataformas digitais (Facebook, Instagram, X), ele se amplificou. Fake news (em português, notícias falsas) não é a expressão apropriada para se referir a esse problema, como afirma a pesquisadora norte-americana, Claire Wardle. E se é notícia, como diz o professor Carlos Eduardo Franciscato, não pode ser atribuído o adjetivo de falso.
Nesse contexto, os pesquisadores Claire Wardle e Hossein Derakhshan falam em desordem informacional para explicar esse problema que tomou conta das plataformas digitais, e faz parte de nosso cotidiano. Infelizmente.
Entretanto, a fabricação de “notícias falsas” é apenas a ponta do iceberg desse fenômeno, que tem causado inúmeros problemas em diversos países, dentre eles, o Brasil, seja na saúde, economia, política, meio ambiente, direitos humanos, desestabilizando democracias.
Boatos, mentiras, ocultação de informações, todas essas categorias fazem parte do fenômeno da desinformação. Segundo o pesquisador italiano Pascual Serrano, em seu livro Como os Meios de Comunicação Ocultam o Mundo, os meios tradicionais também contribuem para que o problema aconteça. Há quem não goste ou não queira tocar nesse assunto, mas é melhor aceitar, que dói menos.
Serrano lista quatro filtros da desinformação, que podem ser encontrados nos meios de comunicação tradicionais (rádio e TV): magnitude, propriedade e orientação dos benefícios dos meios de comunicação; publicidade como fonte principal de receitas; fornecimento de notícias aos meios de comunicação, caracterizado por atos declaratórios publicados pela imprensa; e o último e quarto filtro são as contramedidas.
“Esse filtro se caracteriza devido a influência dos lobbies de grupos políticos e econômicos, que atuam para que determinado assunto, que contrarie os seus interesses, seja retirado do noticiário”, afirma o autor.
Podemos acrescentar também nessa classificação de Serrano, lobbies religiosos. A TV Record, por exemplo, emissora considerada comercial, mas de propriedade do bispo Edir Macedo, líder evangélico da Igreja Universal do Reino de Deus, omitiu informações sobre a morte do papa Francisco, líder da igreja católica, que faleceu na segunda-feira, dia 21 de abril, no Vaticano. A informação foi trazida pela revista Veja, na edição da segunda-feira (21). Isso não é desinformar a telespectadora e o telespectador da Record?
Para a professora da Universidade Federal do Ceará (UFC), Helena Martins, a manipulação e a distorção de informações fazem parte da história da mídia corporativa no Brasil.
Ao final das eleições em 2022, em um texto da colunista Ana Carolina Cury, do portal R7, de propriedade da TV Record, é utilizada uma foto do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva de mãos dadas com o ex-presidente de Cuba, Fidel Castro, considerado por ela, “um ditador.” A manchete dizia: “Retorno de Lula e Foro de São Paulo: democracia sob ameaça.” Para a colunista, Lula estaria articulando novamente o “Foro de São Paulo”, e os “comunistas”.
Assim, segundo ela, “o comunismo latino-americano passou a ter uma outra visão de ‘tomada de poder’: por meio dos próprios meios ‘democráticos’, conseguindo, assim, que seus líderes e expoentes fossem eleitos. Isso ocorreu na Venezuela, Nicarágua, e recentemente na Colômbia e Chile.” A coluna foi publicada no dia 1º de novembro de 2022 e a Record se posicionava, na época, a favor do governo de extrema direita de Jair Bolsonaro. Entenderam?
No Brasil, os filtros citados por Serrano em seu livro podem ser encontrados em reportagens sobre a Operação Lava Jato, no impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff e nas coberturas sobre o governo Lula, além das matérias sobre o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que têm suas ações ocultadas ou distorcidas pela “grande mídia”.
A professora e pesquisadora Claire Wardle cita sete categorias que estão inseridas dentro do guarda-chuva da desinformação, são elas: conteúdo enganoso; conexão falsa; sátira ou paródia; conteúdo fabricado; conteúdo manipulado; conteúdo impostor e contexto falso.
Elas estão presentes nas publicações das plataformas digitais, mas também podem ser encontradas na mídia tradicional, principalmente nos programas policialescos, como identifiquei na minha pesquisa no mestrado em Comunicação na Universidade Federal da Paraíba (UFPB), publicada no livro A Desinformação e a Violação aos Direitos Humanos das Mulheres: um estudo de caso do programa Alerta Nacional, pela editora Arribaçã.
O fenômeno da desinformação não é algo simples de identificar, e, principalmente, de combater. Ele tem várias camadas, e se manifesta em diversos formatos: áudio, vídeo, texto. Com a Inteligência Artificial (IA), a situação ficou ainda mais grave, pois ela vem sendo aperfeiçoada, tornando difícil a identificação de um conteúdo falso, manipulado por IA.
Por isso, é importante estarmos atentas e atentos a esse fenômeno mundial, que se prolifera nas redes digitais igual rastilho de pólvora, e quando percebemos, já fez um grande estrago, difícil de reverter. Também é necessário termos um olhar apurado e crítico sobre os meios de comunicação tradicionais, e aí incluo os sites também, além da TV e do rádio, se queremos que o jornalismo cumpra o seu papel de informar com qualidade e ética.
*Mabel Dias é jornalista, associada ao Coletivo Intervozes, conselheira de Transparência e Pesquisa na Coar – Agência de Notícias e Checagem Independente, observadora credenciada no Observatório Paraibano de Jornalismo, mestra em Comunicação pela UFPB e doutoranda em Conunicação pela UFPE. Autora do livro A Desinformação e a Violação aos Direitos Humanos das Mulheres: um estudo de caso do programa Alerta Nacional (editora Arribaçã).
**Este é um artigo de opinião e não necessariamente representa a linha editorial do Brasil de Fato.
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