*Por Ana Camille da Fonseca, Luisa Bianchet, Mayra Contin Bertucci e Rafael Abrão
Em 2023, as importações de petróleo pela China alcançaram um recorde de 11,28 milhões de bpd (barris de petróleo por dia), um aumento de 11% em relação ao ano anterior. É neste sentido que a China, que comporta o escopo de maior importador líquido de petróleo desde 2013 (EIA, 2018), encara o aumento da demanda por energia em razão de seu crescimento econômico. Isto demonstra não só a importância do recurso em termos de segurança energética para a China, mas para as empresas estatais chinesas, o desenvolvimento econômico e as questões militares intrincadas à ela.
Em outras palavras, a crescente demanda por importações de petróleo, a nível doméstico, indica o papel da segurança energética no desenvolvimento e à estabilidade do país, de modo que a estratégia chinesa de 2021-2025 busca aumentar as reservas estatais de petróleo para lidar com os riscos de interrupções do fornecimento de recursos essenciais – como os impactos da crise do Coronavírus e do aumento das tensões econômicas com os Estados Unidos –, buscando a ampliação da infraestrutura de armazenamento de alimentos, combustível e matérias primas.
Nos últimos anos, a segurança energética e a descarbonização ganharam ainda mais destaque, principalmente impulsionadas pelo conflito entre Rússia e Ucrânia. Nesse contexto, o Brasil se posiciona como um potencial exportador estratégico de energia para o mercado global. O Brasil, que importava cerca de 90% do petróleo consumido no início dos anos 70, tornou-se um exportador líquido através de uma série de transformações no setor: a descoberta do pré-sal em 2006 transformou o setor de petróleo no país, revelando suas reservas e impulsionando avanços tecnológicos em exploração em águas ultraprofundas. Para maximizar os benefícios, o governo adotou, em 2010, o modelo de partilha de produção, garantindo maior participação estatal. Em 2016, mudanças flexibilizaram a exigência de operadora exclusiva para a Petrobras, atraindo mais investimentos de empresas estrangeiras.
Para o Brasil, a indústria do petróleo e gás responde atualmente por 10% do PIB nacional, com uma projeção de 400 mil postos de trabalho na média anual no período 2022-2031. O relatório do Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás de 2024, traz que a exportação de petróleo e derivados é um dos destaques na balança comercial brasileira, com receita superior a US$ 54 bilhões em 2023. No ano de 2023, a produção média anual de petróleo ficou em 3,402 milhões de barris/dia, valor 12,57% acima do recorde que foi observado no ano anterior (2022), quando atingiu 3,022 milhões de barris/dia.
A crescente presença chinesa no setor petrolífero brasileiro
A relação entre Brasil e China no setor petrolífero tem se intensificado significativamente nas últimas duas décadas, especialmente após o anúncio da descoberta do pré-sal em 2006. Esta parceria estratégica se desenvolveu em quatro principais vertentes: comércio de petróleo, investimentos diretos, projetos de infraestrutura e financiamentos, modificando substancialmente o panorama do setor no Brasil.
Os números são expressivos: as exportações brasileiras de petróleo para a China cresceram significativamente desde 2006, quando eram de apenas 45 mil barris por dia. No final de 2023, a China se mantém como o maior importador de petróleo brasileiro, sendo responsável por quase 50% das exportações de petróleo do país. No mesmo ano, a China importou 276,7 milhões de barris do Brasil, cerca de US$23 milhões, um crescimento de 23% comparado com o valor comercializado em 2022. Esta evolução consolidou o país asiático como o principal destino do petróleo nacional, demonstrando a importância estratégica da China para o Brasil e uma crescente dependência neste setor.
Através de diferentes estratégias de investimento, incluindo o desenvolvimento de novos empreendimentos e a consolidação de negócios por meio de fusões e aquisições (F&A), as companhias de petróleo da China fortaleceram significativamente sua atuação no Brasil, com foco especial nas atividades de exploração e produção. De acordo com Pedro Barbosa, diplomata de carreira e doutor em Políticas Internacionais pela Universidade do Povo da China, em Pequim, a partir de 2010, houve um crescimento expressivo dos Investimentos Estrangeiros Diretos (IED), acompanhado por um aumento paralelo em projetos de infraestrutura no setor. Este movimento resultou em uma posição de destaque para as empresas chinesas que, até 2019, conquistaram o terceiro lugar entre as maiores produtoras de petróleo do Brasil, alcançando uma produção de 32,2 milhões de barris, representando 3,2% da produção total do país.
O financiamento chinês também tem sido crucial para o desenvolvimento do setor. Entre 2007 e 2019, os bancos chineses forneceram US$ 36,8 bilhões em empréstimos, dos quais US$ 17 bilhões foram vinculados a contratos de fornecimento de petróleo. O China Development Bank (CDB) e o China Exim Bank (CHEXIM) tornaram-se os principais credores da Petrobras, representando cerca de 20% do total de financiamentos da empresa no período.
A cooperação bilateral também se estende à área de infraestrutura. Das 39 plataformas FPSO (unidades flutuantes de produção, armazenamento e transferência) contratadas pela Petrobras no exterior, 20 foram construídas em estaleiros chineses. Esta parceria tem beneficiado particularmente a indústria naval chinesa, que desenvolveu expertise significativa na construção dessas unidades, em um momento em que a indústria naval brasileira era duramente atingida pelos desdobramentos da Operação Lava Jato e das mudanças nas exigências de conteúdo local na produção do pré-sal.
No entanto, esta relação também apresenta desafios e preocupações. A forte dependência das exportações brasileiras do mercado chinês – com 71% das exportações da Petrobras direcionadas à China – gera questionamentos sobre a vulnerabilidade do setor. Além disso, os empréstimos chineses frequentemente vêm acompanhados de contrapartidas, como a obrigatoriedade de compra de equipamentos chineses ou cláusulas de fornecimento obrigatório de petróleo – uma prática comum na indústria petrolífera a qual a Petrobras se submeteu ao recorrer aos credores chineses.
Olhando para o futuro, a Petrobras planeja expandir ainda mais sua presença no mercado chinês, com a abertura de uma subsidiária na China. Segundo Jean Paul Prates, então presidente da Petrobras, a China era “um parceiro decisivo na estratégia da Petrobras de retomar sua presença global”. Essa iniciativa buscava não apenas fortalecer os laços comerciais existentes, mas também explorar novas oportunidades de cooperação, incluindo potenciais parcerias em tecnologias de baixo carbono e energias renováveis.
As ambições de Prates à frente da Petrobras ocorreram em um momento em que a discussão sobre a necessidade de descarbonização da economia mundial se tornava cada vez mais urgente. A crise ambiental atual exige novos compromissos, especialmente por parte das empresas petrolíferas. Embora houvesse uma grande expectativa no início do governo Lula de que o Brasil assumiria compromissos ambientais mais sólidos em torno da descarbonização, a transformação do Brasil em grande exportador de petróleo e ator relevante da geopolítica da energia, tem feito com que o governo opte por uma posição dúbia. Ao mesmo tempo que se busca retomar o histórico protagonismo do Brasil na agenda ambiental, o país discute investimentos em energias fósseis na China, na margem equatorial brasileira e anunciou até mesmo a pretensão de fazer parte da OPEP.
A Petrobras e a parceria com atores chineses poderia, por outro lado, alavancar investimentos em energias alternativas. O Brasil tem um imenso potencial em energia eólica, solar, hidrogênio verde e biocombustíveis. Para a Petrobras e seus parceiros chineses, a retomada dos investimentos nessas áreas seria uma oportunidade de conciliar o desenvolvimento econômico com as novas cadeias produtivas que estão se formando a partir da necessidade de transição energética. Portanto, a transição para uma matriz energética mais limpa no Brasil é um desafio que deve ser enfrentado, mas também uma oportunidade para impulsionar o desenvolvimento econômico que poderia ser liderado pela própria indústria petrolífera.
A parceria Brasil-China no setor petrolífero representa uma relação de complementaridade e de disparidades: enquanto a China busca garantir sua segurança energética e diversificar suas fontes de importação, o Brasil encontra um mercado estável para as exportações de um produto primário, além de uma fonte importante de investimentos e financiamentos. No entanto, o desafio atual reside em equilibrar os benefícios desta cooperação com a necessidade de reduzir vulnerabilidades e desenvolver uma relação mais simétrica entre os dois países.
Este é um artigo de opinião e não necessariamente representa a linha editorial do Brasil do Fato.