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Trump e o ataque às políticas afirmativas nos EUA

O primeiro governo de Donald Trump, de 2017 a 2021, foi marcado por controvérsias e polêmicas

Por Fabíola Lara de Oliveira, Isabella Tardelli Maio e Michele Ferreira de Oliveira

Com o retorno de Donald Trump à Casa Branca, ordens executivas polêmicas foram assinadas, incluindo àquela que extingue as políticas afirmativas de igualdade e diversidade no serviço público federal. Movimentos sociais e organizações da sociedade civil observam um retrocesso no que diz respeito à garantia dos direitos humanos e, mais especificamente, dos direitos das minorias.

O primeiro governo de Donald Trump, de 2017 a 2021, foi marcado por controvérsias e polêmicas em pautas como meio ambiente, segurança nacional e direitos humanos, com destaque para os denominados direitos das minorias: àqueles aplicados aos grupos subalternizados por questões étnico-raciais, de classe, identitárias, religiosas, linguísticas, de gênero, sexuais, etc. 

Como exemplo, presença feminina caiu pela metade, sendo a menor observada desde George Bush, em 1989 (G1, 2017), algo que a então diretora do Centro para Mulheres Americanas e Política Debbie Walsh enxergou como um “autêntico retrocesso” (G1, 2017). Observou-se, além disso, a revogação de um conjunto de diretrizes que, aprovadas no governo de Barack Obama, o primeiro presidente negro dos EUA, estipulava que as instituições de ensino superior considerassem a questão étnico-racial como um mecanismo de promoção à diversidade (Exame, 2018). 

Os imigrantes também foram alvo de ataques de Trump desde sua campanha para o primeiro mandato, quando prometeu construir um muro que separasse os Estados Unidos do México. Apesar de não ter alcançado plenamente seu objetivo, o presidente logrou diminuir o número de imigrações dando maior rigidez às normativas vigentes, incrementando o processo de deportação e restringindo a entrada de refugiados de países como Iraque, Síria, Irã, Líbia, Somália, Sudão e Iêmen (BBC, 2020).

Quando Trump foi derrotado em 2020 pelo democrata Joe Biden, parecia que os EUA retomavam um caminho de alinhamento com os direitos das minorias, ao menos no território nacional. Mas a vitória do republicano através do retorno ao apelo Make America Great Again na disputa contra a vice de Biden, Kamala Harris, fez tremer na base organizações sociais diversas, como aquelas voltadas à defesa dos direitos das mulheres, da comunidade LGBTQIAP+ e dos imigrantes.

Em matéria publicada pela BBC (2024), o republicano afirmou que iria “continuar de onde parou”. O perigo, agora, é que Trump chega novamente ao poder com experiência no modus operandi de Washington e, conhecendo as dinâmicas do Congresso, pode aproveitar as vantagens da maioria republicana no Legislativo e obter ainda mais vitórias políticas do que em seu mandato anterior (BBC, 2024). Como aquelas relacionadas à promessa de demitir os funcionários responsáveis “agenda de equidade” assumida pelo governo Biden, e a reversão desta agenda que, entre outras coisas, obriga que as agências federais entreguem resultados mais equitativos em termos de representatividade das minorias, e realizem treinamentos sobre o tema (CNN, 2023). Através da ordem executiva assinada em 20 de janeiro de 2025, com poucos dias de mandato, portanto, Trump cumpriu com sua palavra.

Foram extintos programas relacionados à Diversidade, Igualdade, Inclusão (DEI, na sigla em inglês) e Acessibilidade (DEIA, na sigla em inglês) como aqueles relacionados: 1) ao treinamento e a realização de programas de mentoria antipreconceito; 2) à inclusão de políticas de contratação e promoção; 3) às auditorias de equidade salarial e 4) ao financiamento para fazendeiros e proprietários de imóveis que se encaixam em grupos sub representados. Trump também determinou que os funcionários contratados com base na política da inclusão, diversidade e equidade fossem afastados com licença remunerada e, posteriormente, demitidos (Folha de S. Paulo, 2025a).

O governo afirma que a extinção destes programas é necessária pelo caráter discriminatório que possuem. Ao invés de contratações serem realizadas exclusivamente com base no mérito, por exemplo, os programas priorizam determinados setores histórico/politicamente. Como é sabido, entretanto, estes programas visam reparar a discriminação e marginalização históricas, e não excluem a questão do mérito. Além disso, é importante recordar que a demanda por políticas com este perfil cresceu nos EUA após os protestos contra as mortes de pessoas negras por policiais, encabeçados pelo movimento Black Lives Matter a partir de 2020.

Apesar da ordem executiva emitida por Donald Trump em janeiro deste ano, o movimento de extinção das políticas afirmativas vem ocorrendo desde meados de 2024, devido às pressões políticas e legais nos EUA e à possibilidade de Kamala Harris perder as eleições. Dentre as empresas que já extinguiram suas políticas de equidade em 2025 estão grandes nomes como Google, Amazon, Meta, McDonald’s e Ford (Poder 360, 2025).

Dando continuidade às iniciativas contra a diversidade e cumprindo com a promessa de combater a “ideologia de gênero”, Donald Trump aprovou, em 27 de janeiro de 2025, um decreto que possibilita a expulsão de soldados transgênero das Forças Armadas estadunidenses. A normativa proíbe, além disso, a facilitação e a realização de procedimentos relacionados à transição de gênero dentro da instituição. A medida, que segundo o governo visa solidificar um projeto de Estado livre de “delírios transgênero” (G1, 2025a), se deu sob a justificativa de que uma identidade de gênero diferente do sexo de nascimento atrapalha no cotidiano e na conduta esperada de um militar do país. 

A defesa de um país que reconheça apenas “dois sexos, masculino e feminino”, se insere em uma estratégia de conquista e apoio do eleitorado conservador de Donald Trump. Um mês após a publicação do decreto, no dia 26 de fevereiro, o Pentágono anunciou o início do processo de remoção de soldados transgênero do Exército, em que pessoas com histórico ou que sofram com disforia de gênero serão afastadas do serviço militar. O Pentágono ressaltou que os militares podem tentar recorrer, mas que os casos serão avaliados individualmente (G1, 2025b). 

O ataque à comunidade trans não veio sem resistência. Em relação ao primeiro decreto, grupos de defesa dos direitos humanos de pessoas transgênero se posicionaram contra a medida, por meio de um processo judicial contra a ordem executiva de Trump. Integrantes das forças militares, por exemplo, questionam a avaliação feita pelo presidente. Em entrevistas realizadas pelo The New York Times (2025), os militares reforçam a disparidade entre a perspectiva apresentada pelo governo e a sua realidade. Os entrevistados destacam a importância do recebimento de apoio emocional e administrativo, e afirmam que ser uma pessoa trans não interfere negativamente no trabalho nas Forças Armadas, como demonstrado pelas boas avaliações de desempenho e promoções que o grupo vem apresentando. 

Outro determinante utilizado por Donald Trump para justificar a decisão foram os altos custos do atendimento relacionado à mudança de gênero. Porém, o número de soldados trans representa somente 0,2% do total de membros das Forças Armadas. Além disso,  em documento divulgado pelo Departamento de Defesa dos Estados Unidos, a soma chega a apenas US$52 milhões ou cerca de US$9000 dólares por pessoa (Folha de São Paulo, 2025b), uma cifra irrisória em relação ao total orçamentário destinado ao setor. 

O retorno de Donald Trump à Casa Branca, portanto, traz imensos desafios à agenda da diversidade e da inclusão, impondo desafios concretos às minorias que dependem dessas políticas para acessar direitos básicos. O desmonte dos direitos e políticas conquistadas vai aprofundar as desigualdades e as polarizações, o que aumenta a importância da mobilização das organizações da sociedade civil, instituições representativas e legisladores comprometidos com a garantia dos direitos das minorias e com a construção de uma comunidade mais justa e inclusiva. 

*Este é um artigo de opinião e não necessariamente representa a linha editorial do Brasil do Fato.

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