"Vocês não vão mais reconhecer a fruta pelo sabor", Brecht
Todo mundo já sabe que vivemos uma produção nunca vista de informações, textos, vídeos, notícias, numa escala inimaginável de dados. Estamos diante de um aumento exponencial da produção da informação – e isso no espaço de apenas uma geração. Dos primórdios da internet e, em particular, das redes sociais, para hoje, a informação circula de forma mais veloz, em menos tempo, na condição de mercadoria produzida em série e cada vez mais barata.
No entanto, como um verdadeiro narcótico, nossa forma de lidar com o excesso de informações é justamente buscar consumir cada vez mais. Hoje, como se fôssemos uma linha de produção, instalada em nosso próprio corpo e mente, nossos intervalos são preenchidos. Cada segundo é transformado em produtividade e, por outro lado, certo incômodo se resvalamos no ócio. E o resultado, ainda que de início seja o prazer pela nova mensagem ou nova postagem, mas podemos também resvalar numa inevitável overdose que se traduz em certa apatia, estranhamento, niilismo. Tudo é publicado, tudo é permitido, tudo é dito. Neste cenário, o que ainda cabe neste mundão?
De forma parecida com o personagem do escritor, contista e poeta argentino Borges, “Funes, o Memorioso”, que de tantas memórias e recordações não conseguia sequer se mover, corremos o risco de, diante do excesso de informações oferecida e de nossa fome para consumi-la, não conseguirmos nos organizar, com o farol de que o fundamental ainda é o encontro, o abraço, o beijo, a mudança presencial, a conversa. Talvez a gente venha a se esquecer, em pouco tempo, e espero que não, que o fundamental, mesmo, ainda são as pessoas. De tanto movimentar a tela e de tantas aparentes novidades, corremos o risco do imobilismo.
Diante das fake news espalhadas com ódio e com demarcações sem sentido vindas de bolsonaristas, nas redes sociais, buscando inverter a situação real, criar denúncias sem lastro na realidade, como temos visto na deturpação dos fatos sobre a crise climática e da catástrofe que se abateu sobre o Rio Grande do Sul, vemos mensagens cínicas, perversas, diante de uma tragédia humanitária sem precedentes.
Mais uma vez, me parece que a melhor resposta é a referência que se cria na ação, no gestual solidário – me remeto de cabeça a inúmeros pensadores que poderiam ser citados neste texto – no Sartre que lembrava que nos definimos pela ação, mas logo enfrento a contradição da frase de Maiakovski: “general da força humana/verbo”.
O fato é que, mesmo em meio à lama de fake news e informações descoladas das necessidades reais das pessoas, a ação ainda pode ser uma espécie de encruzilhada entre a consequência e a inconsequência de quem, além de estar apenas fazendo debate ideológico, tenta fazer da realidade um espelho invertido. Os setores progressistas, ao contrário, estão se movimentando em busca da solidariedade necessária. Na mesma toada do tempo do agir, é preciso o pensar e o dizer, coisas que, é certo, de fato não se separam. Mas talvez a mão que produza e que alimente seja mais forte do que aquela que se presta apenas a apertar o compartilhamento das notícias falsas.
Nunca o dizer foi tão importante, é verdade, em dias que se traduzem na urgência de apontar que mudanças são necessárias, da economia capitalista à forma como esta economia devasta o meio ambiente, uma vez que não temos planejamento dos recursos na sociedade por aqueles que produzem e trabalham.
Mas o que também parece é que, desde a pandemia, movimentos populares têm realizado inúmeras ações de solidariedade, cujo melhor exemplo parece ser as cozinhas comunitárias/solidárias. Elas estão ajudando a criar uma cultura e um formato de mutirão que reconecte as pessoas e as pessoas do andar de baixo. Tais gestos parecem pequenos, mas não são. Talvez não deem conta de combater em escala o quanto as fake news influenciam e incidem na realidade. Mas certamente auxiliam no embrião e num contexto de mobilização, de referência real dos setores progressistas.
O exemplo, afinal, arrasta, e deve ficar perceptível quem está com o povo nesses momentos difíceis. E, no outro extremo da trincheira, quem está apenas produzindo, como sempre, fake news, confusão e oportunismo.