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Dica de Leitura | Algumas leituras do Brasil vindas de novos prosadores

A literatura brasileira segue com um panorama complexo e rico

A literatura brasileira segue com um panorama complexo e rico, de autores que se lançaram recentemente e seguem consolidando a sua obra – caso de Itamar Vieira Junior e José Falero, entre outros -, oferecendo um panorama rico sobre o próprio Brasil atual. A literatura brasileira contemporânea está marcada pelo maior espaço para autores e autoras oriundos da classe trabalhadora e da periferia, bem como autores já consolidados, vindos de segmentos médios, mas que o acirramento e as tensões do Brasil desde o golpe de 2016 têm empurrado para temática e preocupações sociais.

Seleciono de forma simples algumas leituras recentes:

Contos céticos, de Adriana Lunardi (editora Record, 2024). Livro de contos da escritora Adriana Lunardi, geralmente em primeira pessoa, misturando introspecção e um imaginário próprio de tempos marcados por grandes transições e mudanças, caso do conto Animal Extinto.

“A palavra é de outro tempo. Esses dias, que são os nossos, formam uma neblina sobre uma paisagem que não vemos direito”, página 37.


Contos misturando introspecção e um imaginário próprio de tempos marcados por grandes transições e mudanças / Elisa Mendes

Vila Sapo, de José Falero (Todavia, 2022). Trata-se do primeiro livro do autor gaúcho e periférico, que tem conseguido criar uma linguagem falada da periferia de Porto Alegre aliada a uma precisão estética e narrativa. Arrisco dizer que tudo isso está mais nítido neste livro de estreia, embora Falero também seja autor de “Os Supridores” e “Mas em que mundo tu vive?”. Os sete contos com enredos bem construídos, no conflito entre o mundo periférico e a repressão contra a periferia, são de impacto.

“Ela pensa que eu sou trabalhador e pá. Deus o livre, se ela descobre que eu tô agora, por exemplo, com essa tia aí no porta-malas, andando pra lá e pra cá, daí ela me tira pra monstro, pensa que eu sou ruim e pá”, página 38 do conto Dignidade Relâmpago.


Trata-se do primeiro livro do autor gaúcho e periférico, que tem conseguido criar uma linguagem falada da periferia de Porto Alegre aliada a uma precisão estética / Fabiana Reinholz

Viela Ensanguentada, de Wesley Barbosa (Fiçcões Editora, 2022). Romance de estreia de Barbosa, com versão recente para o francês, de um jovem autor da periferia de Itapecerica da Serra (SP), que tem se destacado pela militância na distribuição dos próprios livros, que alcançam desde público para leitura em presídios femininos, escolas, diante da exclusão atual das livrarias. Viela Ensanguentada descreve o percurso de Mariano, jovem da periferia vivendo a encruzilhada entre a busca do conhecimento, enquanto assiste – de forma bastante detalhada e realista – a biqueira engolir vidas na relação concreta das periferias brasileiras.

“Dandara perguntou-me se eu iria levar algum livro para casa. Disse-lhe que eu não havia feito a carteirinha porque lá na viela não chegavam correspondências e que, portanto, eu não podia comprovar o endereço de residência”, página 62

Salvar o Fogo, de Itamar Vieira Junior (Todavía, 2023). Um romance de brasilidade, do autor que tem sido fenômeno de vendas – mesmo no contexto do frágil mercado editorial brasileiro. Depois de Torto Arado, Salvar o Fogo traduz de forma nítida o conflito de Luzia do Paraguaçu, que deixa a Tapera, território símbolo de personagens ligados à terra e ao mundo do trabalho de forma frágil, o que gera migração e degredo, na tensão entre dois mundos, campo e cidade. De autor que conserva uma poética carregada de magia e ingenuidade, fazendo sem dúvida lembrar a obra de Valter Hugo Mãe, porém no marco da particularidade e riqueza brasileira.

“A violência era traiçoeira e poderia vir travestida de afeto”, página 46.


De autor que conserva uma poética carregada de magia e ingenuidade / José Flores Gomes

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