A bandeira do fim da escala 6×1, sem redução do salário, brotou de modo visceral em nossas agendas por duas razões profundamente concretas. A primeira é que, devido a sua natureza, a pauta comunica de modo carnal com a sensibilidade da vida cotidiana da maioria dos brasileiros, que pela superexploração do trabalhador não possuem tempo digno para viver, estudar, cuidar dos filhos, do relacionamento conjugal e da saúde (mental e física), ter lazer, se dedicar à política, etc. Por isso, a bandeira do movimento VAT (Vida para Além do Trabalho) viralizou nas redes sociais, sobretudo na faixa do novo proletariado de serviços digitais. A segunda é que a bandeira do fim da escala 6×1 teve força para virar a chave de parte das proposições das esquerdas que andaram distante de agendas programáticas com recorte classista e com potencial de mobilização social (vide a petição com mais de 1 milhão de assinaturas), dialogando com as categorias organizadas dos trabalhadores e com os setores mais precarizados, que cresceram exponencialmente nas últimas décadas no ramo dos serviços.
De tal forma, estou convencida que a luta pela redução da jornada de trabalho é o ponto de partida para a emancipação dos trabalhadores. Essa é a luta de nosso tempo e que se conecta umbilicalmente, conforme irei discorrer nesse artigo, com o processo de desenvolvimento da consciência de classe, de organização e de conquistas econômicas, políticas e sociais dos trabalhadores.
O começo do trabalho assalariado é fruto do sistema capitalista que foi responsável pelo desenvolvimento da indústria através da propriedade privada dos meios de produção. De tal forma, uma enorme massa de camponeses pobres foi seduzida pelas manufaturas nas cidades. A partir desse movimento e com o salto da revolução industrial, emerge uma nova e numerosa classe social: o proletariado.
Contudo, o capitalismo industrial se construiu na base da extrema exploração de homens, mulheres e crianças, que trabalhavam nas fábricas até 16h por dia, quase sem descanso, ao ponto de operárias darem à luz dentro das fábricas. Paralelamente, a penosa e miserável condição de vida dos operários contrastava com a riqueza e os privilégios dos patrões que não trabalhavam (a burguesia). Esse elemento objetivo foi a semente da organização reivindicativa dos trabalhadores.
Desse modo, na Inglaterra, o país mais industrializado do século XIX, surgiram os primeiros embriões de organização genuína da classe trabalhadora. A principal referência política desse movimento incipiente foi a Revolução Francesa e seu programa igualitarista, com destaque para a defesa do sufrágio universal com o direito ao voto dos trabalhadores e uma legislação destinada à proteção dos operários. Sob essa convergência, em 1792 nasceu a Sociedade de Correspondência de Londres, que teve contato inicial com os jacobinos franceses. Essa associação iniciou seus trabalhos com menos de uma dezena de membros. Mas logo saltou para mais de 2 mil. No entanto, a Sociedade de Correspondência seria vorazmente perseguida, o que levou parte dos seus associados para a prisão e, consequentemente, o encerramento de suas atividades cinco anos após seu surgimento.
Terminada a experiência da embrionária Sociedade de Correspondência de Londres, o motor dos operários recaiu para o movimento ludista, que consistiu na ação de destruição de maquinários nas fábricas e manufaturas. Porém, esse método rudimentar não vingou como uma alternativa eficaz. Todavia, a latência reivindicativa e de necessidade organização no seio dos trabalhadores permaneceu. Devido a essa pressão concreta, em 1824, o parlamento inglês foi forçado a votar pela livre associação aos operários. A partir dessa concessão, associações legais surgiram por toda a Inglaterra.
As Trade Unions, as primeiras organizações sindicais, são o fruto direto desse acontecimento. Ademais, como parte desse processo, em maio de 1838, surge a Carta do Povo, um proto-partido político que apresentava para a Inglaterra um programa universal, democrático e radical para a época. Mas o que os cartistas (como eram chamados) defendiam? o sufrágio universal, renovação anual do parlamento; remuneração para os parlamentares operários, eleição por voto secreto, colégios eleitorais iguais para garantir a igualdade de representações, supressão da exigência de posse de propriedades fundiárias como condição de elegibilidade, proteção ao trabalho infantil e redução da jornada de trabalho para dez horas.
Sim, redução da jornada de trabalho para 10 horas. Isto, para nosso tempo, pode parecer rebaixado. Porém, para aquela época foi uma conquista sem precedentes, já que os trabalhadores viviam dentro das fábricas praticamente. Assim sendo, após uma década de intensas greves e petições de massas, a Lei da jornada de dez horas diárias de trabalho e uma folga semanal é aprovada (1847).
Os efeitos da redução da jornada de trabalho na Inglaterra impactou a história da humanidade com e teve mudanças profundas no modo de vida dos trabalhadores. Isto é, com a conquista da Lei das dez horas, os operários adquiriram tempo livre para se dedicar a família, a cultura, a organização política e até jogar futebol. Exatamente, o futebol só se tornou um esporte de massas na Inglaterra quando os trabalhadores tiveram tempo para praticar o jogo e formar seus próprios clubes.
De tal maneira, o movimento operário brasileiro, que passou se organizar tardiamente devido a nefasta longevidade da escravidão e o atraso industrial do país, em seus primeiros passos teve como bandeira fundamental a redução da jornada de trabalho para 8 horas diárias. Aliás, bandeira agitada pela Internacional Socialista em seus tempos áureos. Dessa forma, a defesa da redução da jornada de trabalho foi transformada num ponto programático e de princípios dos movimento dos trabalhadores no Brasil e no mundo. Não à toa, em nossa terra, nas greves de 1890, na da greve geral de vinte seis dias entre agosto e setembro de 1903 no Rio de Janeiro e na histórica greve de 1917 com forte peso em São Paulo, a pauta da redução da jornada de trabalho para 8 horas esteve presente como peça chave de mobilização dos trabalhadores.
Como sabemos, nossa luta avançou algumas casas, graças a mobilização da classe trabalhadora não só deixamos de trabalhar 16h na fábrica, como conquistamos o 13º salário, licença maternidade, férias remuneras, etc. Tais direitos foram consagrados na Constituição de 1988, que também formalizou a redução de 48 para 44 horas semanais, a carga horária de trabalho no Brasil. Mas, na prática, logo regrediu com o neoliberalismo que retirou direitos trabalhistas e espoliou quem vive do seu próprio suor. Portanto, diante da disputa da influência de massas com a extrema-direita neofascista, o momento é oportuno e necessário para a bandeira do fim da escala 6×1, semente plantada pelo meu colega de partido, Rick Azevedo (vereador do PSOL/RJ), e que deve ser abraçada e mobilizada por todos que defendem uma vida digna para o seu semelhante. Evidentemente é o dever número 1 dos socialistas e das organizações dos trabalhadores, defender essa bandeira. Mas ela pode e deve ser fortalecida por todas e todos que são contra a exploração e a injustiça em nosso país.
*Angela Machado é professora de história na rede pública estadual e dirigente do PSOL. Professora Angela foi eleita com 6.294 votos. É a primeira vereadora do PSOL da história da Câmara Municipal de Curitiba.