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Artistas transformam ‘casa da vó’ em galeria pioneira de arte psicodélica e visionária em SP

O espaço oferece uma estrutura moderna e profissional para expor seu acervo

*por Caroline Apple

Ao chegar na rua da galeria Visionariom Art em um bairro extremamente residencial na Vila Sônia, zona oeste da capital paulista, não dá para ter ideia do buraco da minhoca que você vai entrar e começar uma viagem psicodélica em meio a obras de arte que buscam traduzir experiências com substâncias que expandem a consciência, como a ayahuasca, o LSD, o MDMA, a psilocibina e tantas outras. Ao chegar e começar a jornada, o impacto é imediato. Realmente parece que fomos teletransportados para uma dimensão paralela. 

Com a proposta pioneira no Brasil de valorizar as obras e os artistas da cena psicodélica e visionária, a galeria oferece uma estrutura moderna e profissional para expor seu acervo e também receber eventos pontuais, como foi o caso da exposição "Visões Psicodélicas", que reuniu diversos artistas para uma programação de dois dias no último fim de semana.

O espaço fica em um local que guarda memórias importantes para a idealizadora, a fotógrafa e artista visual Carol Gouveia. Ela montou a galeria na casa em que cresceu e que um dia foi da sua avó.

"A arte visionária chegou para mim como um movimento que valoriza as linguagens da alma de cada artista. Desde que eu vivi as minhas primeiras experiências psicodélicas e comecei o meu caminho de autoconhecimento, a psicodelia me trouxe essa questão dos seres espirituais, da nossa ancestralidade. Poder construir esse espaço de uma galeria de arte visionária e psicodélica, que traz uma proposta artística de reconexão com a nossa essência, é algo muito único, porque esse espaço é onde vivi com a minha família, com a minha avó, que é uma pessoa de muita luz. Então, receber pessoas aqui é sempre muito forte. Quem chega aqui se sente acolhido. É de grande satisfação poder ressignificar esse espaço onde a minha avó esteve e onde cresci com a minha família para poder receber pessoas que estão buscando algo novo e diferente e que desejam mudar suas vidas e se conectarem mais com elas mesmas", explica a artista visual.

Essa é a parte "astral" de um trabalho de quatro anos bastante intenso e profissional na matéria que vem sendo realizado pela Carol e pelo seu companheiro, o artista especializado em joalheria alternativa Alex Jr. Azevedo. O casal já realizou diversos eventos de arte pelo Brasil, além de iniciativas na Chapada Diamantina, onde moraram por alguns anos.

Alex explica que está acontecendo um resgate da arte psicodélica e visionária e que a valorização da cena é extremamente importante para o seu desenvolvimento no Brasil.

"A arte psicodélica e visionária foi algo que expandiu muito a minha percepção dentro da minha busca pessoal e espiritual. Em algum momento, até mesmo dentro das experiências psicodélicas, eu senti como uma responsabilidade começar a traçar esse caminho de organizar realmente essa apresentação, esse reconhecimento e essa valorização para o cenário brasileiro. Viajei para outros países e vi como isso flui de uma forma tão concreta fora daqui. Saber que estamos num país que tem uma influência dentro das pesquisas tão gigantesca e constatar que não existem projetos que representassem esse movimento com clareza e seriedade, me fazia sentir um vazio próprio que fui atrás de preencher", diz o artista.

O idealizador conta que a galeria realizou um feito histórico ao organizar uma exposição profissional de arte psicodélica e visionária durante a edição passada do Universo Paralelo, elevando a cena a um patamar que passa longe do estigma de  ser "coisa de doidão".

"As experiências psicodélicas são um mergulho no nosso ser que fazem com que a gente explore essas infinidades que existem dentro da gente. O artista visual é um intelectual que teve a capacidade de trazer essa experiência para a imagem. Então, ele é uma pessoa extremamente séria com aquilo que ele está vendo. Não se trata de tomar um psicodélico e ter uma brisa individual. É algo para se aprofundar em si para viver uma experiência coletiva com mais consciência. Por isso a seriedade nesse movimento é fundamental. Já vi obras coladas com esparadrapo. Isso é uma marginalização da arte. Fomos os primeiros a montar um projeto dentro de um festival com obras emolduradas, iluminação focal e todo o respeito que a cena merece", relembra.

Visões psicodélicas

A valorização da arte psicodélica e visionária passa pela união dos artistas para que se organizem e reconheçam cada vez mais o valor de suas obras diante de um cenário ainda restrito e cheio de tabus. Para fomentar esse processo, a Visionariom Art abriu uma espécie de edital, fez uma curadoria e montou a "Visões Psicodélicas", que levou para o espaço peças de diversos artistas da cena para dividir o espaço com as obras do acervo.

Pedro Lima de Oliveira, o Brizza, foi um desses artistas que teve a chance de participar da exposição e que expandiu a consciência sobre as possibilidades do seu trabalho através dessa oportunidade e do contato com outros artistas.

Com ilustrações digitais para cada estilo de Psytrance, o artista reuniu oito mandalas que traduzem em imagens o que ele ouve nos festivais de música eletrônica, principalmente sob o efeito dos psicodélicos.

"Quero agora conhecer outras galerias onde cabe esse tipo de arte e expandir essas ilustrações para canecas, camisetas. Já estou pensando na próxima coleção inspirada no Techno. Sei que as pessoas gostam. Eu gosto de ter coisas psicodélicas no meu lifestyle", diz Pedro.


Brizza levou sua coleção de mandalas musicais inspiradas dos tipos de Psytrance / Caroline Apple

O casal de artistas Wagner Roza e Iara Martin também expuseram durante o evento e fizeram um live painting do lado de fora, no lounge improvisado na rua. Iara é "nascida e criada" dentro do Santo Daime e é uma psiconauta que encontrou nas artes sua maior forma de manifestação. "Cresci em comunidades tradicionais do daime e isso me fez caminhar no mundo de uma forma diferente. Tento explicar dentro da cena psicodélica que o Daime é uma integração de tudo, porque tem muito preconceito. A disciplina do Daime está presente em toda minha manifestação artística", conta Iara, que veio de Minas Gerais.


Wagner Roza e Iara Martin fizeram um "live painting" durante o evento / Caroline Apple

Quem também veio de longe foi a artista Beatriz S. Pinheiro, que saiu de Fortaleza, no Ceará, para expor seu projeto Pirart e prestigiar o evento que, segundo ela, é extremamente importante para a cena. Com obras que trazem uma proposta de gerar uma experiência sinestésica com cores, fluorescência, texturas e "segredos" pelas telas, Beatriz é reconhecida por ser uma grande representante e ativista das artes psicodélicas e visionárias no seu estado.

"Faço arte psicodélica antes mesmo de tomar psicodélicos. Depois comecei a fazer experimentos e estudos artísticos com cogumelo e LSD. Já viajei para 16 estados levando a minha arte. E a Visionariom é um movimento muito massa que acolhe esse tipo de arte e traz pessoas para vivenciar tudo isso", diz a cearense. 


A cearense Beatriz S. Pinheiro levou sua arte sinestésica para a exposição na galeria / Caroline Apple

**Caroline Apple é jornalista há quase 20 anos com passagem por alguns dos principais veículos do Brasil, abordando, principalmente, temas relacionados aos Direitos Humanos, como a causa indígena. É uma das primeiras jornalistas no país a se especializar na cobertura de cannabis para fins medicinais. Daimista, ayahuasqueira e psiconauta, Carol é influenciadora digital sobre temas relacionados à espiritualidade e ao autoconhecimento com ênfase no uso da ayahuasca em contexto urbano.

**Este é um artigo de opinião e não necessariamente reflete a linha editorial do Brasil de Fato.

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