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A China já venceu a guerra das inteligências artificiais, mas enfrenta outra guerra ainda mais feroz

Esqueça o Coach Quântico, o negócio é a Computação Quântica

Era uma vez uma leoa. Ela avançou pelas ruas da cidade de São Paulo em busca de uma presa. Enfim, a encontrou. Aquela forma metálica brilhante no meio da noite chamou sua atenção e, logo, ela pensou em comida. Preparou-se para o bote, enquanto pensava em como aquilo alimentaria o seu bando por muitos dias. Atacou, mas a forma metálica ofereceu resistência, mesmo que permanecesse imóvel.

A leoa continuou seu ataque e, a cada golpe desferido, sua presa era destruída; porém, gastava toda sua energia enquanto machucava sua boca.

Logo pela manhã, pessoas saíram às ruas e se depararam com uma cena estranha: um carro jazia quase completamente destruído e, ao seu lado, uma grande fêmea ferida jazia morta, com muito sangue escorrendo de sua boca. Nenhum dente restara no sorriso banguela que ostentava.

Ao fim da história, ela venceu sua luta; porém, o custo foi muito alto. Sua ferocidade foi completamente ineficiente, mesmo que sua presa tenha sido destruída no processo.

A leoa estava fora do seu habitat natural.

A China venceu a guerra das inteligências artificiais (desde o seu começo)

Kai-Fu Lee é um dos expoentes em tecnologias na China. Atua no ramo há mais de 30 anos e enriqueceu bastante no processo, fazendo o investimento certo em tecnologias certas.

Em seu livro, intitulado meramente “Inteligência Artificial”, publicado no Brasil pela Editora Globo Livros, ele defendeu que a China já havia ganhado a guerra das inteligências artificiais.

Sua defesa se baseia em dois princípios bastante simples e fundamentados no funcionamento do que conhecemos hoje como Inteligências Artificiais Conectivas ou Cognitivas, além da realidade e da cultura chinesa.

Primeiramente, as inteligências artificiais se alimentam de dados. Nenhum país do mundo coleta mais dados reais do que a China – dados coletados por meios digitais ou físicos, utilizando a Internet das Coisas, ou IoTs (basicamente, todo dispositivo que tem uma conexão com a internet).

Em segundo lugar, a cultura chinesa em tecnologia se difere muito do Vale do Silício e formou um mercado tecnológico feroz e muito eficiente na China.

Em terceiro lugar, as pesquisas mais básicas sobre as inteligências artificiais já foram concluídas no início dos anos 2000. As pesquisas posteriores e atuais apenas otimizaram essa tecnologia e a tornaram mais poderosa, como a criação da Inteligência Artificial Generativa (que cria seus próprios dados para suprir a falta de dados reais que a alimentem), a Aprendizagem por Reforço (que utiliza especialistas humanos para fortalecer e corrigir a IA) ou o grande avanço da DeepSeek: a camada de seleção de parâmetros (que possibilita que uma IA apenas consulte o que é necessário para efetuar sua tarefa, criando algo muito mais leve e que consome menos processamento e energia).

Lee assume que a China estaria atrás nas pesquisas, mas isso pouco importava, pois os outros elementos a manteriam no topo dessa guerra.

É importante saber que Kai-Fu Lee escreveu seu livro em 2017 e talvez tenha se enganado apenas nisso, pois, aparentemente, a China também ultrapassou o resto do mundo em pesquisas sobre inteligências artificiais, como demonstrado nas últimas semanas com a DeepSeek e pela Qwen, inteligência artificial do grupo Alibaba.

Tendo a concordar com ele em seu principal ponto. Há 8 anos, já era previsível uma vitória da China na guerra das inteligências artificiais, e as últimas semanas ofereceram uma bela comprovação desse fato.

Mas ainda há uma barreira gigantesca à frente. As inteligências artificiais estão atualmente instaladas nos computadores errados, e a luta para construir os computadores corretos já está acontecendo há mais de 40 anos e está chegando ao seu clímax.

Como colocar a Leoa em seu habitat natural

As inteligências artificiais cognitivas são quase mágicas. Sempre que eu falo com pessoas sobre o tema, elas se maravilham. Aposto que você, caso já tenha utilizado o ChatGPT, o DeepSeek, o Claude ou qualquer outra IA generativa, já se maravilhou, seja para o bem ou para o mal.

Porém, as inteligências artificiais são como a leoa no começo desta coluna. Elas estão completamente fora do seu habitat natural e longe do seu potencial real. Até alcançam seus objetivos, mas com um custo ainda altíssimo – que se tornou muito menor com o DeepSeek, por exemplo, mas ainda é ineficiente.

No início, havia as calculadoras manuais, como o ábaco. Durante a Revolução Industrial, surgiram os computadores mecânicos, que eram movidos por engrenagens. Durante a Segunda Guerra Mundial, surgiram então os computadores eletrônicos, movidos pelo poder da eletricidade.

Esses computadores eletrônicos apenas calculam duas possibilidades: verdadeiro ou falso, sendo movidos pelo que chamamos de processadores binários ou processadores lógicos.

Toda a nossa informática dos últimos 80 anos é moldada nessa abordagem: algo deve ser verdadeiro ou falso. Isso funcionou bem por muito tempo. Você, por exemplo, ao acessar seu e-mail, precisa colocar seu usuário e sua senha. Se ambos estiverem corretos, será verdadeiro, e você irá acessá-lo. Se um dos dois estiver errado, então será falso.

Isso também é uma IA, e a chamamos de inteligências artificiais simbólicas, clássicas, simbólicas ou lógicas.

Porém, os avanços atuais estão em outro tipo de IA: as inteligências artificiais cognitivas ou conectivas. O ChatGPT, o DeepSeek e o algoritmo de aprendizado profundo utilizado pelo Instagram, TikTok, YouTube e diversas outras redes sociais usam esse tipo de inteligência artificial.

Nelas, não importa o verdadeiro ou falso total, e sim a probabilidade de algo ser verdadeiro ou falso. Elas também podem ser chamadas de inteligências artificiais probabilísticas.

A diferença é que, enquanto na lógica algo pode ser apenas 0 (falso) ou 1 (verdadeiro), na probabilidade algo pode estar em qualquer uma das infinitas possibilidades entre 0 e 1.

0,000…0001 tem grande chance de ser falso, enquanto 0,9999…999 tem grandes chances de ser verdadeiro, e 0,5 é um grande TALVEZ.

As inteligências artificiais atuais fazem esses cálculos de probabilidade para funcionarem; porém, elas operam em processadores lógicos que apenas indicam 0 ou 1. Isso gera um trabalho exaustivo para os processadores e um gasto energético imenso. A estimativa é que, atualmente, apenas as inteligências artificiais e seus datacenters consumam cerca de 2% de toda a energia produzida no planeta.

Agora, imaginem só se elas funcionassem em computadores que também utilizassem processadores baseados em probabilidade, e não em lógica.

Esqueça o Coach Quântico, o negócio é a Computação Quântica

O conceito de Quântica vem sendo assassinado pelos coachs há mais de uma década, fazendo a palavra perder o sentido da importância que poderia ter. Esqueça a utilização de “quântico” para atingir o sucesso em pouco tempo. Isso é apenas balela.

"Quântico" é uma palavra que serve apenas para duas áreas do conhecimento humano: a Física Quântica e a Computação Quântica.

Os Estados Unidos pesquisam computadores quânticos desde a década de 80, enquanto a China se lançou na pesquisa nos anos 90. Desde então, ambos se colocaram como os únicos jogadores globais sérios nessa área.

Processadores quânticos são processadores de probabilidade que utilizam conceitos da Física Quântica. Basicamente, um processo quântico não resulta em um 0 (verdadeiro) ou 1 (falso), mas em qualquer uma das possibilidades que existem entre 0 e 1.

Eles são o habitat natural das inteligências artificiais cognitivas, e é neles que elas mostrarão seu verdadeiro potencial. ChatGPT e DeepSeek atualmente são formigas observando um gigante, se comparados aos possíveis usos de inteligências artificiais nesses tipos de computadores.

Ainda não foram produzidos processadores quânticos utilizáveis, por uma série de fatores relacionados à nossa ainda débil compreensão da Física Quântica; porém, estamos próximos disso.

China e Estados Unidos encontram-se em uma luta acirrada, em que, neste momento, dia 12 de fevereiro, os EUA estão à frente, em um embate no qual ambos os países se alternaram na liderança ao longo dos últimos 45 anos.

Mas vale lembrar que, até o dia 20 de janeiro, os EUA reinavam hegemônicos na guerra das inteligências artificiais, mas foram destronados no dia 21 do último mês.

Analistas indicam que a guerra pela computação quântica está próxima de seu auge, com alguns estimando o lançamento de um computador quântico funcional em algum momento entre os próximos 2 a 5 anos.

Quem o lançará ainda é uma incógnita, mas esse fato não encerrará a guerra, já que a busca pela hegemonia na computação quântica durará alguns anos e acarretará novas batalhas.

Um fato importante é que, além das IAs, a computação quântica gera uma série de outros questionamentos, como, por exemplo, a segurança informática, já que testes comprovaram que ela pode vencer as melhores criptografias dos mais poderosos computadores lógicos em questão de segundos.

Nessas horas, eu apenas lembro que todo o arsenal nuclear humano é protegido por criptografias de computadores lógicos… e bate um pequeno desespero.

Os convido a assistir às cenas dos próximos capítulos dessa guerra, pois elas serão, no mínimo, interessantes.


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*Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

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