Se você entrou na rede social X na segunda-feira (10 de março), deve ter percebido duas coisas importantes: a primeira é que percebeu que está errado, pois frequenta uma rede social do Elon Musk; a segunda é que percebeu que a rede social enfrentou uma série de quedas durante o dia inteiro.
Na época em que o X ainda se chamava Twitter, nós conhecíamos essas quedas como “baleiar”, pois o Twitter apresentava a imagem de uma baleia e pedia desculpas por estar fora do ar de uma maneira fofa quando o sistema apresentava falha.
Um dos principais motivos para o antigo Twitter apresentar diversas falhas que tiravam a rede social do ar sempre foi sua situação econômica, que o atrapalhava a contratar os mais talentosos trabalhadores da área de tecnologia.
O Twitter sempre foi pequeno quando comparado a outras empresas do Vale do Silício e nunca conseguiu oferecer o salário ou os ambientes que uma empresa como o Facebook (atualmente Meta), Google (atualmente Alphabet) ou Microsoft oferecia.
Em uma disputa por mão de obra, a rede social do passarinho azul sempre saía derrotada.
Mas quer dizer que a situação se modificou com a chegada de Elon Musk e a transformação do Twitter em X? Não!
Mão de obra em tecnologias digitais continua sendo mundialmente escassa. Porém, Elon Musk realmente conseguiu fazer uma mudança drástica no status quo dessa área, aproveitando um leve empurrão dado pela pandemia mundial de Covid-19, que completou 5 anos também nessa segunda-feira, 10 de março de 2025; dos avanços em automação e, principalmente, da organização da classe dominante na área de tecnologia.
Um conceito básico do Marxismo é o de Exército Industrial de Reserva, que, simplificando, é a multidão de trabalhadores sem emprego que aceitariam substituir a mão de obra empregada, pressionando por menos direitos e menores salários. Quanto maior o exército de reserva, menor é a força dos trabalhadores, pois podem ser facilmente substituídos no caso de, por exemplo, uma greve sindical.
A pandemia foi responsável por inflacionar o mercado de tecnologia, já que ele garantiu a estrutura necessária para a existência humana durante o lockdown. Do trabalho à alimentação e do contato com familiares e amigos ao acesso à arte e cultura, tudo se deu por meio da tecnologia da informação durante aquele período para aqueles que puderam ficar em casa. Isso gerou uma sobrevalorização do mercado de tecnologia, levando a um aumento de contratações de mão de obra e a aumentos astronômicos de salários.
Esse período também escancarou diversas contradições nos trabalhadores desse ramo e trouxe novas percepções sobre suas realidades.
Como o mercado da tecnologia da informação nunca teve um exército de reserva significativo, a força da negociação coletiva sempre foi um perigo para os empresários do ramo. Para frear essa força, desde a expansão desse mercado durante as décadas de 1980 e 1990, foi disseminada uma cultura neoliberal calcada no individualismo. Isso levou a baixíssimos índices de sindicalização até a década de 2010.
Porém, as contradições crescentes, principalmente durante a pandemia, modificaram essa realidade, e sindicatos começaram a surgir em várias empresas do Vale do Silício, requisitando melhores condições de trabalho em meio a uma epidemia de surtos de cansaço, conhecidos como burnout, decorrentes da pressão para se trabalhar cada vez mais.
O crescimento da sindicalização assustou o Vale do Silício como um todo, gerando uma resposta organizada da classe empresarial para enfrentar a mobilização dos trabalhadores.
Desde 2024, o mercado enfrenta uma onda de demissões em massa com poucas explicações, já que os resultados financeiros ainda estão em alta, mesmo após o fim da pandemia, e a pressão por inovação continua frequente.
As principais teorias, que podem ser ou não conspiratórias, dizem que essas ondas de demissões são apenas uma reorganização para pressionar por redução de direitos e salários no mercado de tecnologia. Os trabalhadores que são demitidos costumam ficar pouco tempo desempregados e sempre são incorporados por outras empresas do setor. Na falta de um exército de reserva, os bilionários criariam um exército de reserva artificial por meio de demissões em massa e contratações com uma menor quantidade de direitos, aproveitando-se do medo que as demissões geram na classe trabalhadora.
E onde Elon Musk entra nessa história?
Atualmente, Musk personifica essa unidade da classe empresarial da tecnologia: os Techbros. Além da luta contra os trabalhadores e da defesa de ideologias nefastas, o enfrentamento às legislações criadas para impedir o monopólio das Big Techs e limitar o prejuízo social causado por suas tecnologias os unifica. Porém, isso também gera contradições. Muitas contradições.
O ataque ao sistema educacional perpetuado pela extrema-direita global também impede a formação de um exército de reserva na área de Tecnologia da Informação, e o exército artificial criado pelos bilionários tem diversas limitações. Depois de uma queda na sindicalização de trabalhadores da área de tecnologia durante 2023 e 2024, houve um aumento no desejo por sindicalização entre o final do ano passado e o início deste ano, como apresentado pelo Economic Policy Institute.
Além disso, essas movimentações atrapalham de diversas maneiras a corrida tecnológica dos países do capitalismo central, principalmente dos Estados Unidos.
Isso abre brechas para a China, que muitas vezes perdeu mão de obra especializada para os EUA, retomar seu crescimento na área e impulsionar seus avanços. Há alguns anos, seria fácil imaginar que uma empresa como a DeepSeek ainda seria formada por chineses, porém com um escritório principal nos EUA. Essa, no entanto, não é mais a realidade.
Tais contradições também abrem portas para que outros países do Sul Global, como o Brasil, possam ser criativos e impulsionar seu desenvolvimento tecnológico rumo à conquista da soberania tecnológica e digital, caso foquemos, principalmente, na manutenção de nossos trabalhadores especializados em nosso país e nos aproveitemos das contradições apresentadas atualmente pelo Vale do Silício no mercado de trabalho.