Os resultados alcançados neste último pleito pelos diversos partidos dos mais distintos espectros ideológicos têm potencial para definir as próximas eleições presidenciais? As reflexões acerca destas e outras questões estão divididas em três textos cujo objetivo central é analisar o desempenho da Federação Brasil da Esperança, o custo do pragmatismo eleitoreiro e a ausência de disputa ideológica por parte do setor que se convencionou caracterizar como esquerda no Brasil.
Em recente declaração, a deputada federal e presidente nacional do Partido dos Trabalhadores (PT), Gleisi Hoffmann, comemorou a conquista de 248 prefeituras nas eleições do dia 6 de outubro. O resultado, apesar de positivo, está muito longe dos 632 municípios nos quais o PT venceu em 2012. Obviamente que o contexto era outro. O presidente Lula acabara de encerrar seu mandato com um elevado índice de aprovação.
O entusiasmo de Hoffmann, no entanto, esconde uma situação bastante contraditória e, no mínimo, preocupante. Um primeiro ponto a destacar diz respeito ao número de prefeituras perdidas pelo PT entre 2012 e 2020, conforme ilustrado no gráfico abaixo.
Gráfico 1 / Fonte: o autor
Crescimento de 2008 para 2012
O período de 2008 a 2012 marcou um momento de expansão para o PT nas eleições municipais. O número de prefeitos eleitos pelo partido aumentou de 547, em 2008, para 632 em 2012, representando um ganho de aproximadamente 15,54%. Esse crescimento pode ser atribuído a diversos fatores, incluindo a popularidade do governo federal liderado pelo PT na época, bem como a implementação de políticas públicas que beneficiaram amplas camadas da população. A confiança do eleitorado no partido e a capacidade de mobilização de suas bases também contribuíram para esse sucesso eleitoral, o qual contou, também, com a complacência do movimento sindical.
Queda Acentuada após 2012
A partir de 2012, o PT começou a enfrentar um declínio significativo no número de prefeituras conquistadas. De 2012 a 2016, o número de municípios administrados pelo partido caiu para 254, representando uma perda de 59,81%. Essa queda acentuada pode ser explicada por uma combinação de fatores políticos e econômicos. O período foi marcado por uma série de escândalos de corrupção envolvendo figuras proeminentes do partido, o que afetou negativamente a sua imagem perante o eleitorado. Além disso, a crise econômica que assolou o país durante esses anos contribuiu para a insatisfação popular e a perda de apoio.
Elementos Conjunturais
As manifestações de 2013, que começaram como protestos contra o aumento das tarifas de transporte público e se expandiram para incluir uma ampla gama de reivindicações, expuseram a insatisfação popular com os rumos do país. Essas manifestações tiveram um caráter popular, com grande participação de jovens e moradores das periferias urbanas. A resposta de Dilma Rousseff às manifestações, no entanto, foi assumir o programa de seu vice, "Ponte para o Futuro", que propunha uma série de reformas econômicas e políticas voltadas a atender os interesses do mercado, como reforma da previdência, privatização, terceirização, desmonte da legislação trabalhista, cortes nos gastos públicos e desoneração tributária.
O golpe jurídico, midiático e parlamentar contra Dilma Rousseff em 2016, foi um evento crucial que abalou a credibilidade do PT. A crise política que levou ao impeachment foi marcada por denúncias de corrupção e uma intensa polarização política. A articulação entre o Judiciário, o Parlamento e a mídia foi fundamental para o desenrolar do processo.
A Operação Lava Jato conduzida pelo então juiz Sérgio Moro, a qual necessitaria de outro texto para discutir seus impactos sobre desempenho eleitoral do PT, revelou esquemas de corrupção que envolveram políticos de diversos partidos, incluindo o PT. Mensagens vazadas pelo site The Intercept Brasil, entretanto, sugerem que Moro orientou os procuradores em várias etapas da investigação, o que comprometeu a imparcialidade do processo. O Supremo Tribunal Federal (STF) anulou várias condenações, incluindo as do então ex-presidente Lula, com base na parcialidade de Moro e na condução inadequada das investigações.
O Parlamento atuou acusando Dilma Rousseff sem que houvesse provas concretas de crimes de responsabilidade e obstruindo a pauta das votações. Muitos dos congressistas que votaram pelo afastamento da presidente vieram a ser presos logo em seguida, inclusive Eduardo Cunha, deputado que acelerou o processo de impeachment.
A mídia teve um papel central na construção da narrativa a favor da destituição de Dilma, alardeando a corrupção como se fosse um mal que atingia apenas o PT e abrindo chamadas ao vivo em sua programação para dar voz aos atos golpistas. E, quando a crise econômica de 2008-2009 se mostrou muito mais intensa que a marolinha de Lula, a tríade golpista aumentou a pressão sobre o governo criando as condições para o golpe e sua legitimidade aos olhos da população.
Continuidade da Queda em 2020
A tendência de queda continuou nas eleições de 2020, com o PT elegendo apenas 182 prefeitos, uma diminuição de 29,53% em relação a 2016 e mais de 70% se comparado à 2012. Esse declínio contínuo pode ser atribuído à persistência dos problemas que surgiram após 2012, incluindo a dificuldade do partido em se desvencilhar da imagem negativa associada aos escândalos de corrupção. Além disso, a fragmentação do cenário político brasileiro e o surgimento de novas forças políticas também contribuíram para a perda de espaço do PT nas eleições municipais, sobretudo após a vitória de Bolsonaro na eleição presidencial de 2018, tema bastante analisado, mas ainda pertinente para compreender os desafios que temos para 2026.
A ascensão de um governo com feições neofascistas, ancorado nas pautas dos valores e dos costumes, que obteve êxito em articular o fundamentalismo religioso, os militares e expressões significativas da extrema-direita, contando com apoio irrestrito das bancadas da bala e da bíblia e da Frente Parlamentar da Agricultura, tudo muito bem temperado com o anticomunismo e o antipetismo, contribuiu significativamente para a debacle petista em 2020. E, como se verificou no dia 06 de outubro, o cenário pouco ou nada mudou, também em razão do pragmatismo eleitoreiro do PT.
Não se trata aqui de desconsiderar outros fatores, como por exemplo, o fato dos governos Lula e Dilma terem adotados políticas de ajuste fiscal, com manutenção do superávit primário, controle dos gastos públicos, cortes no orçamento da Educação e da Saúde, renúncia fiscal em favor do empresariado, resultando em mais corte de gastos, sobretudo no sistema de seguridade social e, fundamentalmente, manutenção do pagamento de juros da dívida, o que sempre consome quase a metade do orçamento público da União. Cabe ressaltar, ainda, para finalizar esse primeiro ponto, que ao longo dos oito anos do período em análise (2012-2020), os efeitos da crise capitalista de 2008-2009 começaram se fazer sentir de forma muito mais intensa, situação que contribuiu significativamente para o agravamento da crise política.
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*Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.