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Eleições 2024 – Inflexões para o futuro – 1

Qual é o peso das eleições municipais para os embates de 2026?

Os resultados alcançados neste último pleito pelos diversos partidos dos mais distintos espectros ideológicos têm potencial para definir as próximas eleições presidenciais? As reflexões acerca destas e outras questões estão divididas em três textos cujo objetivo central é analisar o desempenho da Federação Brasil da Esperança, o custo do pragmatismo eleitoreiro e a ausência de disputa ideológica por parte do setor que se convencionou caracterizar como esquerda no Brasil.

Em recente declaração, a deputada federal e presidente nacional do Partido dos Trabalhadores (PT), Gleisi Hoffmann, comemorou a conquista de 248 prefeituras nas eleições do dia 6 de outubro. O resultado, apesar de positivo, está muito longe dos 632 municípios nos quais o PT venceu em 2012. Obviamente que o contexto era outro. O presidente Lula acabara de encerrar seu mandato com um elevado índice de aprovação.

O entusiasmo de Hoffmann, no entanto, esconde uma situação bastante contraditória e, no mínimo, preocupante. Um primeiro ponto a destacar diz respeito ao número de prefeituras perdidas pelo PT entre 2012 e 2020, conforme ilustrado no gráfico abaixo.

Gráfico 1 / Fonte: o autor

Crescimento de 2008 para 2012

O período de 2008 a 2012 marcou um momento de expansão para o PT nas eleições municipais. O número de prefeitos eleitos pelo partido aumentou de 547, em 2008, para 632 em 2012, representando um ganho de aproximadamente 15,54%. Esse crescimento pode ser atribuído a diversos fatores, incluindo a popularidade do governo federal liderado pelo PT na época, bem como a implementação de políticas públicas que beneficiaram amplas camadas da população. A confiança do eleitorado no partido e a capacidade de mobilização de suas bases também contribuíram para esse sucesso eleitoral, o qual contou, também, com a complacência do movimento sindical.

Queda Acentuada após 2012

A partir de 2012, o PT começou a enfrentar um declínio significativo no número de prefeituras conquistadas. De 2012 a 2016, o número de municípios administrados pelo partido caiu para 254, representando uma perda de 59,81%. Essa queda acentuada pode ser explicada por uma combinação de fatores políticos e econômicos. O período foi marcado por uma série de escândalos de corrupção envolvendo figuras proeminentes do partido, o que afetou negativamente a sua imagem perante o eleitorado. Além disso, a crise econômica que assolou o país durante esses anos contribuiu para a insatisfação popular e a perda de apoio.

Elementos Conjunturais

As manifestações de 2013, que começaram como protestos contra o aumento das tarifas de transporte público e se expandiram para incluir uma ampla gama de reivindicações, expuseram a insatisfação popular com os rumos do país. Essas manifestações tiveram um caráter popular, com grande participação de jovens e moradores das periferias urbanas. A resposta de Dilma Rousseff às manifestações, no entanto, foi assumir o programa de seu vice, "Ponte para o Futuro", que propunha uma série de reformas econômicas e políticas voltadas a atender os interesses do mercado, como reforma da previdência, privatização, terceirização, desmonte da legislação trabalhista, cortes nos gastos públicos e desoneração tributária.

O golpe jurídico, midiático e parlamentar contra Dilma Rousseff em 2016, foi um evento crucial que abalou a credibilidade do PT. A crise política que levou ao impeachment foi marcada por denúncias de corrupção e uma intensa polarização política. A articulação entre o Judiciário, o Parlamento e a mídia foi fundamental para o desenrolar do processo.

A Operação Lava Jato conduzida pelo então juiz Sérgio Moro, a qual necessitaria de outro texto para discutir seus impactos sobre desempenho eleitoral do PT, revelou esquemas de corrupção que envolveram políticos de diversos partidos, incluindo o PT. Mensagens vazadas pelo site The Intercept Brasil, entretanto, sugerem que Moro orientou os procuradores em várias etapas da investigação, o que comprometeu a imparcialidade do processo. O Supremo Tribunal Federal (STF) anulou várias condenações, incluindo as do então ex-presidente Lula, com base na parcialidade de Moro e na condução inadequada das investigações.

O Parlamento atuou acusando Dilma Rousseff sem que houvesse provas concretas de crimes de responsabilidade e obstruindo a pauta das votações. Muitos dos congressistas que votaram pelo afastamento da presidente vieram a ser presos logo em seguida, inclusive Eduardo Cunha, deputado que acelerou o processo de impeachment. 

A mídia teve um papel central na construção da narrativa a favor da destituição de Dilma, alardeando a corrupção como se fosse um mal que atingia apenas o PT e abrindo chamadas ao vivo em sua programação para dar voz aos atos golpistas. E, quando a crise econômica de 2008-2009 se mostrou muito mais intensa que a marolinha de Lula, a tríade golpista aumentou a pressão sobre o governo criando as condições para o golpe e sua legitimidade aos olhos da população.

Continuidade da Queda em 2020

A tendência de queda continuou nas eleições de 2020, com o PT elegendo apenas 182 prefeitos, uma diminuição de 29,53% em relação a 2016 e mais de 70% se comparado à 2012. Esse declínio contínuo pode ser atribuído à persistência dos problemas que surgiram após 2012, incluindo a dificuldade do partido em se desvencilhar da imagem negativa associada aos escândalos de corrupção. Além disso, a fragmentação do cenário político brasileiro e o surgimento de novas forças políticas também contribuíram para a perda de espaço do PT nas eleições municipais, sobretudo após a vitória de Bolsonaro na eleição presidencial de 2018, tema bastante analisado, mas ainda pertinente para compreender os desafios que temos para 2026.

A ascensão de um governo com feições neofascistas, ancorado nas pautas dos valores e dos costumes, que obteve êxito em articular o fundamentalismo religioso, os militares e expressões significativas da extrema-direita, contando com apoio irrestrito das bancadas da bala e da bíblia e da Frente Parlamentar da Agricultura, tudo muito bem temperado com o anticomunismo e o antipetismo, contribuiu significativamente para a debacle petista em 2020. E, como se verificou no dia 06 de outubro, o cenário pouco ou nada mudou, também em razão do pragmatismo eleitoreiro do PT.

Não se trata aqui de desconsiderar outros fatores, como por exemplo, o fato dos governos Lula e Dilma terem adotados políticas de ajuste fiscal, com manutenção do superávit primário, controle dos gastos públicos, cortes no orçamento da Educação e da Saúde, renúncia fiscal em favor do empresariado, resultando em mais corte de gastos, sobretudo no sistema de seguridade social e, fundamentalmente, manutenção do pagamento de juros da dívida, o que sempre consome quase a metade do orçamento público da União. Cabe ressaltar, ainda, para finalizar esse primeiro ponto, que ao longo dos oito anos do período em análise (2012-2020), os efeitos da crise capitalista de 2008-2009 começaram se fazer sentir de forma muito mais intensa, situação que contribuiu significativamente para o agravamento da crise política.


Leia outros artigos de Rossano Rafaelle Sczip em sua coluna no Brasil de Fato PR


*Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

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