Há um consenso de que a educação pública e o exercício da docência enfrentam uma grave crise. Crise agudizada pelo intenso e acelerado processo de submissão da educação pública à lógica privada, manifestada na crescente plataformização da educação e na uberização do trabalho docente.
A criatividade de nosso trabalho é sobrepujada por máquinas, tornando-o repetitivo, monótono, exaustivo e sem sentido. A nossa autonomia está sendo progressivamente aniquilada pela imposição de metas voltadas à produção de dados que servirão para criar novos mecanismos de dominação e reprodução do capital.
Os momentos coletivos de reflexão sobre a prática pedagógica são agora corrompidos pela organização individualizada e concorrente das atividades docentes, estrangulando a solidariedade de classe. A nossa identidade de professor e professora vem sendo, a passos largos, soterrada por afazeres burocráticos. A produção dos estudantes está voltada única e tão somente para ser corrigida por uma plataforma e não mais para ser lida e socializada, fomentando a troca de conhecimentos e experiências de vida.
Os momentos de emoção e felicidade, oportunizados quando percebemos que nossos alunos aprenderam, são agora preenchidos pela cobrança depreciadora, aflitiva, ansiosa, nervosa, conflitiva, das metas, transfigurando o ensino em uma experiência mecânica e sem alma. Estamos atravessando um caminho perigoso que nos levará à total desumanização do processo de ensino e aprendizagem e à completa perda do significado da Educação.
De um mecanismo de consciência crítica, capaz de alicerçar as bases para a contestação da hegemonia dominante e pavimentar caminhos para a emancipação das classes subalternas, a Educação tem se convertido em instrumento da alienação, da adequação e da perpetuação das condições de exploração, expropriação e opressão.
Ao mesmo tempo, vemos a fronteira entre o tempo de trabalho e o tempo de vida se dissipar de tal forma que estamos sempre trabalhando, estamos sempre realizando alguma tarefa relacionada às plataformas. Somos, agora, produtores de mais-valia: nossa jornada de trabalho foi ampliada para além do nosso tempo na escola, e o tempo para o descanso, para lazer e cultura, foi convertido em horas de trabalho.
Completamente desorganizados, sem amparo político e ideológico de nossos instrumentos de luta e acossados pelo assédio constante, temos buscado saídas individuais, adoecendo em silêncio, afastando-nos constantemente do trabalho, recorrendo às licenças médicas ou mesmo sem vencimentos.
O nosso cotidiano escolar atravessa um intenso processo de burocratização e uberização. Para além das tarefas da docência, somos agora responsáveis pela nossa ficha funcional. O registro da nossa presença está no nosso celular. A anotação das ausências passou a ser de nossa responsabilidade. Além da extensão da nossa jornada de trabalho, agora acumulamos funções.
A função do professor se reduz a um papel de executor de tarefas mecânicas e reprodutor de conteúdos pré-definidos, igualando-se ao mais simples trabalho fabril. Da mesma forma, as relações pedagógicas são esvaziadas de sentido, uma vez que o setor pedagógico é acossado para, além da responsabilização pela presença do estudante na escola, fiscalizar o acesso às plataformas.
Nossos problemas, no entanto, não se esgotam na plataformização, na uberização e nas metas atingidas a custas da nossa saúde. Juntos, representam a total submissão da educação pública e da gestão escolar aos interesses empresariais e privatistas dos governos.
Em meio a esse intenso ataque à educação pública e ao trabalho docente, sentimo-nos com as duas mãos amarradas às costas. Uma, pelas forças representantes do capital e de seu Estado, e a outra pelos próprios instrumentos de luta política e ideológica da classe, fragilizados pela partidarização, burocráticos e hierarquizados. Nossos sindicatos têm subvertido a democracia interna, ampliando estruturas meio em detrimento da assembleia estadual.
Do ponto de vista ideológico, aqueles que antes defendiam submeter nossas demandas aos estreitos limites do negociável, como se ajustar nossas reivindicações àquilo que o governo considera concedível fosse tarefa nossa, parecem agora ter criado um novo estilo sindical: o sindicalismo judicializante. Pautas que antes seriam conquistadas com greves, se arrastam anos no judiciário. Ignorados incansavelmente pelos governos, recorrem, sem constrangimento algum, a outro aparato da dominação burguesa.
Por outro lado, as respostas da oposição sindical de esquerda têm sido efêmeras e, na maioria das vezes, improvisadas. A opção pela frente de organizações acaba sempre por esvaziar-se diante das prioridades de cada força política. A formação de chapa para disputar a direção estadual pouco responde às nossas necessidades de fazer avançar a luta em defesa da educação e do trabalho docente.
Precisamos dar um salto organizativo, com identidade própria, com unidade política e ideológica, com deliberações ancoradas no debate franco, fraterno e democrático, sendo capaz de vincular nossas pautas mais imediatas à luta geral da classe pela superação das desigualdades e das injustiças.
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*Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.