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A Economia de Dados e o Trabalho não pago dos trabalhadores em educação

Quem pagará o professor pela produção de dados?

O jornal Valor Econômico, resultado da parceria entre os grupos Folha e Globo, republicou, no dia 24 de setembro de 2019, um texto do Fundo Monetário Internacional sobre Economia de Dados. Por óbvio, o texto não se referia às possibilidades de “economizar” no uso dos dados móveis dos celulares. Estava se referindo ao fato de como a internet, as redes sociais, os serviços de streaming, os mais diversos aplicativos das mais variadas finalidades, coletam dados dos usuários para transformá-los em novas mercadorias que fornecerão mais e mais dados.

Na matéria, os autores definem os dados como “insumos básicos da produção econômica moderna ao lado da terra, do capital, da mão de obra e do petróleo”. Os dicionários definem “insumo” como elementos essenciais que alimentam a produção econômica, ou seja, são matérias-primas. Não por acaso, os dados são comparados àqueles outros insumos.

Todas as pessoas que fazem login em qualquer plataforma ou aplicativo fornecem dados à empresa que criou tais ferramentas. Ninguém consegue baixar aplicativo algum no smartphone sem ter uma conta do Google ou da Apple. Nenhuma pessoa acessa serviços de streaming sem ter que fornecer uma infinidade de informações antes de conseguir usá-lo. Justamente por essa razão os dados são comparados ao petróleo e à terra. No Brasil são quase 260 milhões de smartphones. No mundo todo, são mais de 4 bilhões de pessoas usando essa tecnologia.

Fornecemos informações sobre nossos gastos diários, sobre nossa condição financeira, sobre nossa saúde, sobre nossos hábitos de estudo, sobre nossa comida preferida, sobre os lugares que nunca conseguiremos visitar, sobre mercadorias que nunca conseguiremos adquirir, sobre uma vida que nunca iremos ter.

Assim, as grandes corporações de tecnologia de informação e comunicação, como Google, Meta, Amazon, Apple, dentre muitas outras, acumulam vastos volumes de dados, que se tornaram um dos principais insumos da produção econômica moderna. Contudo, essa acumulação de dados não ocorre sem custo: é alimentada por uma forma de trabalho muitas vezes invisibilizada e, fundamentalmente, não remunerada.

Não se trata apenas dos mais de 1,5 milhões de trabalhadores e trabalhadoras de aplicativo no Brasil. Refere-se a todo e qualquer trabalho que utilize mecanismos de produção de dados, inclusive nas escolas públicas e privadas do Brasil, através do avanço da plataformização da educação e da uberização do trabalho docente.

Estamos diante de uma forma altamente expropriadora do trabalho no capitalismo, demarcada pelo trabalho gratuito realizado por qualquer pessoa que tenha um smartphone. O capitalismo conseguiu criar um mecanismo de geração de lucro o qual a pessoa não precisa mais possuir um vínculo empregatício, seja formal ou informal. A criança que se senta à mesa para jantar e traz consigo um smartphone ou tablet, um morador de rua que usa o wi-fi do bar, aquele que há dias ou meses procura emprego, o professor que faz checklist em plataformas educacionais, etc., estão fornecendo uma infinidade de dados.

O estudante obrigado a acessar as plataformas digitais, ditas de aprendizagem, está, mesmo sem relação laboral alguma, fornecendo matéria-prima para a indústria. Um trabalhador desempregado que recorre à internet atrás de emprego, ou se utiliza de plataformas e aplicativos em busca da sobrevivência, está fornecendo dados.

São todas formas de trabalho gratuito executado por usuários de todo o mundo e gerando uma mais-valia que é apropriada exclusivamente pelas grandes empresas tecnológicas.

Os autores do texto afirmam que dados são informações e, o ato de coletá-los e comercializá-los, resulta na criação e transferência das informações fornecidas pelo usuário às empresas. Os principais mecanismos de transferência dessa matéria-prima são as redes sociais e as empresas que oferecem serviços de busca e pesquisa na internet, como a Google.

Diferentemente do petróleo e outros insumos, os dados podem ser usados, de acordo com os autores, simultaneamente por muitas empresas, pois representam um tipo de matéria-prima inesgotável. Trata-se de um material produzido constantemente, durante as 24 horas do dia e em todas as partes do globo, uma vez que estamos, a todo momento, utilizando as redes sociais ou buscando futilidades selecionadas por um algoritmo.

Outra diferença entre os dados e qualquer outra matéria está relacionada diretamente à nossa privacidade. O material fornecido diuturnamente por pessoas do mundo todo é produzido a partir das idiossincrasias dos indivíduos. Somos nós que produzimos não só a matéria-prima que movimenta esta economia, mas a própria riqueza por elas apropriada. Ao explorar a nossa privacidade, essas empresas podem trocar informações entre si, potencializando o acesso aos dados e, consequentemente, o lucro e a produtividade.

Interessante observar que a matéria publicada no Blog do FM, em 2019 considerava a possibilidade das pessoas serem compensadas pela expropriação da sua privacidade, alertando para os possíveis danos provocados pela utilização de dados individuais em detrimento do bem comum. 

Essa preocupação se torna mais urgente quando vemos os donos de empresas como X e Facebook se abstendo de coibir a propagação de notícias falsas.

O que dizer então, sobre a imposição das plataformas digitais de aprendizagem na educação pública?

O processo de plataformização da educação nas redes públicas municipais e estaduais vem se intensificando ano a ano. Os exemplos mais expressivos são os estados do Paraná e São Paulo, cujas políticas educacionais estão mais severamente submetidas aos interesses empresariais.

No Paraná, o governo vem adotando diversos mecanismos para obrigar os docentes a utilizarem intensivamente inúmeras plataformas ditas de aprendizagem, impondo metas diárias, mensais e trimestrais, resultando na intensificação do controle do ritmo do trabalho e da produtividade dos professores. Tal medida subjuga a ação docente ao controle e à supervisão com o intuito de atingir metas inalcançáveis e produzir estatísticas que servirão de base para novos produtos. 

O governo age, sobremaneira, por meio da ameaça praticada por uma camarilha de subalternos que fugiram da regência de classe. Na era da economia de dados, docentes e estudantes fornecem, gratuitamente, a matéria-prima para as indústrias de tecnologia da informação e comunicação. O fazem, sobretudo os docentes, não sem pagar com a própria saúde e, fundamentalmente, sem nada receber.

Trata-se de um processo que, sob a justificativa de modernização e eficiência, submete docentes e estudantes a um sistema de vigilância e controle que expropria tempo, energia e criatividade. A utilização compulsória dessas ferramentas transforma a atividade pedagógica em mera produção de dados para alimentar as indústrias tecnológicas, desvirtuando a função educativa e precarizando ainda mais o trabalho docente. 

Além disso, a intensificação da jornada e a multiplicação das tarefas impostas aos professores e professoras revelam uma dupla exploração: enquanto a docência é sobrecarregada por exigências burocráticas e tecnológicas intensificando o ritmo e o tempo de trabalho, os dados produzidos no exercício dessa função são apropriados gratuitamente pelas grandes corporações. 

É urgente, portanto, reconhecer que esse trabalho invisível tem valor econômico e deve ser ressarcido. Essa realidade exige uma mobilização coletiva dos trabalhadores da educação em defesa de condições dignas, contra a exploração digital e pela reivindicação de direitos concretos sobre o uso dos dados que produzimos. A luta contra essa expropriação invisível não é apenas por reconhecimento, mas pela construção de um modelo educacional que priorize as pessoas em vez do lucro corporativo.

A dinâmica da economia de dados exemplifica a capacidade do capitalismo de se reinventar e encontrar novas formas de acumulação. A transformação do trabalho cotidiano de bilhões de indivíduos em valor econômico demonstra como o sistema capitalista integra e explora até mesmo aspectos da vida que antes estavam fora do circuito produtivo. Entretanto, essa reinvenção também acentua as contradições do sistema: enquanto as corporações acumulam riquezas sem precedentes, os indivíduos perdem controle sobre seus dados, sofrem com a invasão de privacidade e veem-se cada vez mais submetidos às lógicas do mercado.

Diante dessa realidade, o sindicalismo combativo deve assumir bandeiras de luta que enfrentem diretamente as novas formas de exploração impostas pela economia de dados. 

Primeiramente, é fundamental exigir a regulamentação e transparência no uso de dados educacionais, com garantias de que os dados de docentes e estudantes não sejam utilizados para fins privados sem compensação financeira. 

Em segundo lugar, lutar pela valorização do trabalho docente, com a garantia de que qualquer atividade adicional, como o uso de plataformas digitais, seja devidamente remunerada e não intensifique a jornada de trabalho. 

Por fim, é necessário defender a autonomia pedagógica e o fortalecimento de uma educação pública que priorize a formação humana e a emancipação social, em oposição à mercantilização e à subordinação das escolas aos interesses empresariais. 

Essas bandeiras representam passos essenciais para enfrentar a exploração invisível e construir uma educação voltada para a satisfação das necessidades humanas.

 

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